São
centenas de milhares de processos julgados nos Tribunais Superiores
todos os anos. Permanece, no entanto, uma sensação de que mais um ano se
passou e poucos temas tributários de relevância foram definitivamente
solucionados. Muito esforço e pouco resultado costumam ser sinais de
ineficiência. No intuito de tornar o sistema mais ágil, o exame de teses
passou a ser feito por meio do sistema de repercussões gerais (no STF) e
de recursos repetitivos (no STJ). Todavia, ainda há o que fazer. Entre
outras possibilidades seria conveniente que os tribunais decidissem a
partir de doutrina construída pela jurisprudência.
No campo do
Direito Tributário, para que se tenham elementos próprios ao exame das
questões controvertidas, há necessidade de definição dos conceitos
relativos aos tributos de que cuida a Constituição, como os de renda,
receita, circulação de mercadoria, não cumulatividade e salário.. Por
isso que, em matéria tributária, os tribunais em geral – e com maior
razão o Supremo Tribunal Federal – deveriam partir da definição dos
pressupostos teóricos de determinado tema antes de passar ao exame da
tese na qual os mesmos se inserem. E não o contrário. Tal processo
evitaria que conceitos idênticos fossem diferentemente interpretados,
conforme o caso submetido a julgamento. A uniformização da exegese de
variados preceitos constitucionais faria com que os tribunais superiores
fossem construindo uma doutrina própria.
Nessa linha, uma
sugestão com relação aos casos de repercussão geral em matéria
tributária seria, além de agrupá-los pelo tema tratado (como já é
feito), destacar as questões conceituais fundamentais para exame do
Tribunal, como pressuposto para a solução do problema. Seriam, por
exemplo, pautadas para julgamento todas as questões cuja solução
dependesse do conceito de “renda”. Uma vez definido este conceito,
passar-se-ia à sua aplicação em cada tese jurídica e, na sequência, aos
casos concretos.
A mesma racionalidade se aplicaria com relação ao
julgamento dos recursos repetitivos, no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça, com relação à definição dos conceitos tributários e de toda a
gama de normas processuais tributárias, como as aplicáveis às execuções
fiscais, compensações e parcelamentos. Note-se que uma vez definidos os
conceitos relativos às questões tributárias seriam eles aplicáveis a
todas as matérias que partissem daquele mesmo pressuposto teórico.
A
par disso, é preciso ressaltar que, além dos julgamentos havidos nos
Tribunais Superiores, tornam-se cada vez mais relevantes os do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Por se situarem na esfera dos
recursos administrativos, não é raro que os julgamentos do CARF tratem
de forma inédita de questões importantes ainda não submetidas ao
Judiciário. Daí a necessidade de uniformização interna quanto ao
tratamento da legislação tributária, o que incumbe à Câmara Superior de
Recursos Fiscais no âmbito próprio de competência de cada uma de suas
três Seções. Neste sentido, seria útil que se apreciassem previamente
questões conceituais para, posteriormente, aplicá-las nos casos
particulares.
Aproveitamos a oportunidade de apresentar a
retrospectiva dos julgamentos tributários mais importantes de 2014 e
também os que prometem continuação em 2015 para ilustrar o alcance do
exame que se propõe. Assim, passamos a agrupar as questões sob análise
não pelas respectivas teses, mas sim pelos pressupostos teóricos que
lhes dão suporte.
Conceito de Renda
O fato gerador do imposto de renda é um exemplo clássico de tema sobre o
qual ainda não se firmou um conceito teórico nos tribunais. A falta de
consenso faz com que as questões sejam julgadas a partir de
interpretação não uniforme de conceitos decorrentes da Constituição. O
que se está a dizer verifica-se, por exemplo, nas decisões proferidas a
respeito das seguintes teses:
IR lucro das coligadas e controladas – STF
Recentemente, o STF manifestou posição sobre a constitucionalidade da
tributação dos lucros de controladas no exterior e a
inconstitucionalidade da tributação quanto às empresas coligadas não
sediadas em paraísos fiscais (ADI 2.588-DF e RREE nºs. 541.090 e
611.586). A aplicação do conceito de renda se deu em sentido oposto ao
decidido quanto à inconstitucionalidade da tributação (ILL) incidente
sobre o lucro considerado fictamente distribuído pelas pessoas jurídicas
domiciliadas no Brasil (RE 172.058-1, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ:
13/10/1995).
Ágio em subscrição de quotas de sociedade limitada – Carf
A 1ª Turma da CSRF decidiu, em 7/10/2014 (P.A. 13899.002346/2003-88),
que a reserva de ágio gerada na aquisição de quotas de sociedade
limitada representa acréscimo tributável pelo IR e pela CSLL. Houve
reforma do acórdão recorrido, que havia adotado posição favorável ao
contribuinte, no sentido de que a reserva de ágio na subscrição de
quotas de sociedade limitada não representa renda tributável, pois não
haveria, com a sua implementação, qualquer variação patrimonial
positiva.
IR Fonte – pagamentos a beneficiário residente no exterior – Carf
A 2ª Turma da CSRF decidiu, a favor do contribuinte, que, nos termos do
art. 43 do CTN, a incidência do IR Fonte pressupõe, necessariamente, a
disponibilidade econômica ou jurídica dos valores por parte do
beneficiário do pagamento, o que não ocorre com o simples crédito
contábil antes da data aprazada para respectivo pagamento.
Conceito de receita bruta para fins de incidência de PIS e Cofins
Cessão onerosa de créditos de ICMS não constituem receitas – Carf
Pela Primeira vez, a CSRF do Carf (PA nº. 11020.000801/2007-38) aplicou o
entendimento do STF firmado em sede de Repercussão Geral, no RE nº.
606.107, no sentido de que “Sob o específico prisma constitucional,
receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se
integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem
reservas ou condições”. Por isso que o “aproveitamento dos créditos de
ICMS por ocasião da saída imune para o exterior não gera receita
tributável. Cuida-se de mera recuperação do ônus econômico advindo do
ICMS, assegurada expressamente pelo art. 155, § 2º, X, “a”, da
Constituição Federal”.
Conceito de faturamento – PIS/Cofins
Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS – STF
No RE 240785, foi adotado o conceito de faturamento como sendo o
ingresso no patrimônio decorrente da venda de mercadoria e/ou da
prestação de serviços, que não se confunde com despesa. O julgamento,
entretanto, contou com a ressalva de que esse entendimento diz respeito
apenas ao caso concreto, cujos efeitos restringem-se às partes
litigantes. A questão será oportunamente reapreciada pela Corte Suprema,
em sua atual composição, na ADC nº. 18 e/ou no RE 574.706, este último
sob o regime da repercussão geral.
Cofins sobre receitas operacionais – STF
O conceito de faturamento será essencial para o julgamento do RE 400479,
que trata das receitas decorrentes de prêmios de seguros antes da EC
20/98. Isso porque não haveria “receita
da venda de mercadorias e/ou prestação de serviços”.
A depender do que for definido neste caso, outras atividades não seriam
consideradas sujeitas ao PIS/COFINS, tais como locação de bens móveis
(não é serviço e nem compra e venda) e receitas financeiras (em
discussão em outro RE).
Conceito de salário para incidência de contribuição previdenciária
Contribuição previdenciária sobre participação nos lucros – STF
Em 30/10/2014, o STF, no RE 569441 (acórdão não publicado), estabeleceu
que incide a contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros
da empresa, no período entre a CF/88 e a MP nº. 797/94, por se tratar
de verba remuneratória e não indenizatória. No entanto, não se
explicitou quais são os critérios constitucionais que determinam se uma
verba é salarial ou indenizatória.
Participação nos lucros das empresas – Carf
Afirmou-se no julgamento dos PAs nºs. 35884.003885/2006-89 e
14485.000408/200775 que os valores pagos a título de PLR somente podem
compor a base de cálculo das contribuições previdenciárias se a
fiscalização comprovar de forma clara que o contribuinte descumpriu a
Lei nº. 10.101/00, caracterizando os valores pagos como “salário
indireto”.
Contribuição Previdenciária sobre verbas pagas aos trabalhadores – STJ
Nos Recursos Especiais 1.230.957, 1.240.038 e 1.455.089, os ministros
componentes da 1ª Seção do STJ entenderam que o referido tributo não
incide sobre o terço constitucional de férias indenizadas ou gozadas, o
aviso prévio indenizado e a importância paga pelo empregador ao
empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de
doença. Por outro lado, decidiu que incide sobre o salário-maternidade e
o paternidade, por possuírem natureza salarial. Em outro Recurso
Repetitivo (REsp 1.358.281/SP) entendeu-se que há incidência da referida
contribuição sobre as verbas pagas a título de horas extras, bem como
de adicional noturno e de periculosidade.
Coisa julgada
Em
22 de outubro de 2014, o STF, no RE 590.809, estabeleceu que a
modificação da jurisprudência, posteriormente ao acórdão rescindendo,
não permite o ajuizamento de ação rescisória por força da Súmula
343/STF. Mas não ficou claro se a decisão se aplicará também nas
hipóteses em que a interpretação do STF se dá em controle concentrado e
abstrato de constitucionalidade. Do mesmo modo, não se esclareceu se
ficariam abrangidos aqueles casos em que não havia pronunciamento prévio
do STF e, posteriormente à prolação do acórdão rescindendo, houve
manifestação de forma contrária.
Na mesma linha já havia se
manifestado a Corte Especial do STJ (REsp 736650/MT), no sentido de que
a “ pacificação da jurisprudência desta Corte em sentido contrário e
posteriormente ao acórdão rescindendo não afasta a aplicação do
enunciado n. 343 da Súmula do STF”.
Conceito de circulação de mercadorias
ICMS sobre importação de mercadorias – STF
Em 11/9/2014, o STF, no RE 540829 (rep. geral), assentou a
inconstitucionalidade da incidência do ICMS sobre importação de
mercadorias por meio de leasing (financeiro ou operacional), salvo na
hipótese de antecipação da opção de compra. A decisão consolida o
entendimento da Corte de que o ICMS só incide na transferência de
propriedade de mercadoria, seja em operações internas, seja na
importação. Daí porque apenas a compra do bem, e não a sua posse,
caracteriza circulação econômica para efeito de tributação.
Competência para julgar conflitos entre lei ordinária e lei complementar
IPI sobre descontos incondicionais – STF
O STF, no RE 567935 (submetido a repercussão geral), assentou a
inconstitucionalidade da incidência do IPI sobre os descontos
incondicionalmente concedidos pelo vendedor ao comprador, conforme
previsto no art. 15 da Lei nº. 7.798/89. Isso porque, segundo a
Constituição (art. 146, III, “a”), apenas a lei complementar poderia
definir base de cálculo do imposto. No caso, ao tratar da base de
cálculo do IPI diversamente do previsto no CTN, a Lei nº. 7.789/89
afrontou diretamente o referido artigo, por invasão de competência
reservada à lei complementar.
ICMS sobre habilitação de telefone celular – STF
No RE 572.020, o Supremo assentou a inconstitucionalidade da incidência
de ICMS sobre o serviço de habilitação de celulares, pois o imposto só
poderia incidir sobre atividade-fim do serviço de comunicação,
excluindo-se as denominadas atividades-meio (preparatórias ou
acessórias).
Base de cálculo das contribuições sociais
Contribuição previdenciária de 15% para as cooperativas
Em 23/4/2014, o Pleno do STF assentou, no RE 595838, a
inconstitucionalidade da cobrança de 15% de contribuição previdenciária
sobre o valor de nota fiscal ou fatura emitida por cooperativa de
serviços. Em suma, decidiu-se que pagamentos a cooperativas não se
confundem com rendimentos destinados a pessoas físicas como
contraprestação ao trabalho (salário) e, por isso, a hipótese não se
enquadra na alínea ‘a’ do art. 195, I, da CF. Tratando-se de
contribuição nova, somente poderia ter sido instituída por lei
complementar.
Crédito de ICMS
Foi editado o verbete da Súmula 509/STJ: “
Créditos de ICMS – aproveitamento pelo comerciante de boa-fé
- É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS
decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando
demonstrada a veracidade da compra e venda.” A propositura da Súmula
tomou por base o decidido no REsp 1.148.444, analisado sob a sistemática
dos repetitivos, no qual se assentou como sendo
ex nunc os
efeitos da decisão proferida na seara administrativa que declarou a
inidoneidade das notas fiscais, situação que não afasta a boa-fé do
terceiro adquirente. Daí o reconhecimento da possibilidade de
aproveitamento do crédito.
Além dos julgamentos referidos acima,
há muitas outras questões relevantes pendentes de julgamento no STF e no
STJ. Destacam-se os seguintes casos com julgamento já pautado ou
iniciado:
— STF - Foi reconhecida
repercussão geral do tema relacionado à definição das balizas do
princípio da não cumulatividade das contribuições sociais (PIS/COFINS),
bem como a existência de um conceito constitucional de insumo, em
observância ao disposto nos §§ 9º e 12 do artigo 195 da CF (ARE 790.928,
j. 16/08/2014, Rel. Min. Luiz Fux).
— STF
– Discute-se, no RE 684261, a constitucionalidade da sistemática de
redução ou majoração da alíquota do Seguro Acidente de Trabalho - SAT e
dos Riscos Ambientais do Trabalho - RAT, mediante aplicação do fator
acidentário de prevenção – FAP. Trata-se de examinar se a regulamentação
da matéria observou o princípio da legalidade estrita em matéria
tributária.
— STF
- O Recurso Extraordinário 460320 (RE) cuida de examinar se tratado
internacional pode ser revogado por lei interna posterior, ou se se
trata de norma de sobredireito, nos termos do art. 98 do CTN.
— STF
- PSV 69 – Revogação incentivos ficais ICMS: “Qualquer isenção,
incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido,
dispensa de pagamento ou outro benefício relativo ao ICMS, concedido
sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é
inconstitucional”. Há, no momento, ampla discussão no Congresso Nacional
sobre o tema, o que recomendaria sua não apreciação.
— STJ
- REsp 1.459.779/MA - Imposto de Renda – Adicional de 1/3 de férias
gozadas. O julgamento da controvérsia possibilitará que o STJ defina o
conceito de renda para fins de tributação da pessoa física, bem como o
que se entende por salário e remuneração.
—
STJ - REsp 1.470.443/PR – IRPF sobre os juros de mora oriundos do
benefício previdenciário pago em atraso. Neste caso, também se põe o
exame do conceito de renda, além de definir se a natureza dos juros de
mora é remuneratória ou indenizatória.
—
STJ - REsp 1.200.492/RS – O caso versará sobre a incidência – ou não –
da contribuição social destinada ao PIS e da COFINS sobre juros sobre
capital próprio. Para o julgamento do recurso em questão se espera que o
órgão colegiado venha a definir qual sua natureza, bem como o que se
entende por faturamento e receita.
— STJ
- REsp 1.201.993/SP – O recurso em questão versa sobre o prazo
prescricional para o redirecionamento da execução fiscal de uma pessoa
jurídica contra os sócios. Destaque para o conceito de prescrição.
No Carf, ficou para o próximo ano a definição, pela CSRF, de questões importantes, tais como:
— Dedutibilidade de ágio gerado na compra de empresas em processo de privatização;
— Tributação de lucros no exterior;
— Dedução dos juros sobre capital próprio de exercícios pretéritos;
— Definição
dos contornos que caracterizam os incentivos fiscais como Subvenção
para Investimento, importância cuja legislação autoriza a exclusão da
base de cálculo do IRPJ; e
— Definição do conceito de insumo para fins do PIS e da Cofins não cumulativos
Essas, em breve apanhado, são as principais matérias que foram objeto de decisões em 2014 e aquelas que ainda aguardam exame.
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