Róber Iturriet Avila e João Batista Santos Conceição
18/12/2015 09:35
Uma das discussões atuais é sobre o tamanho
do Estado, seus papéis e quem o financia. Em comparação com outros
países, no Brasil os impostos incidem muito mais sobre consumo e salário
do que sobre renda e patrimônio, o que dificulta cumprir os direitos
sociais definidos na Constituição de 1988
A
cobrança de tributos conforma um relevante aspecto da relação do Estado
com a sociedade. Ao longo da história, os papéis do Estado foram
alterando, absorvendo cada vez mais funções sociais como saúde,
educação, previdência, assistência social, políticas de moradia, para
além das básicas como segurança, defesa territorial e mediação de
conflitos.
Tais transformações não ocorreram por acaso e tampouco
espontaneamente. O processo de acumulação extremamente desigual e a
oligopolização da economia constituíram o caldo de cultura para que o
sindicalismo e os partidos operários e trabalhistas reivindicassem
direitos sociais e distribuição da riqueza por meio de ação do Estado.
Isso se deu, sobretudo, após a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial.
As políticas econômicas keynesianas, o aparelho estatal de oferta de
bens e serviços e o sistema de bem-estar social do período 1945-1980
foram identificados, na crítica neoliberal, como elementos que traziam
pesado ônus à situação financeira dos Estados.
Após 1980, essa “nova” sistematização de ideias foi implementada. Os
resultados de tais políticas consistiram em fragilização dos sindicatos,
ampliação das desigualdades, perda de direitos, descompasso entre
variação salarial e produtividade do trabalho e ampliação significativa
da participação do 1% mais rico na renda. Piketty (2014) quantificou
essa concentração.
Presentemente, a disputa de ideias se dá, em grande medida, em
relação ao “tamanho” do Estado, seus papéis e quem o financia. No
Brasil, em 2013, 51,3% dos impostos recolhidos nas três esferas de
governo tiveram origem no consumo de bens e serviços, 25,0% na folha de
salário, 18,1% na renda, 3,9% na propriedade e 1,7% em demais impostos
(1).
Quando é efetuada uma comparação com outros países, se observa que na
Dinamarca e nos Estados Unidos, por exemplo, metade da arrecadação está
centrada em impostos sobre a renda e lucros (gráfico 1).
No que tange à América Latina, os países que mais tributam renda e
lucros são: Peru, Chile e Colômbia, representando, respectivamente,
39,9%; 35,8% e 33,5% da arrecadação.
Os impostos sobre patrimônio também são mais baixos no Brasil. Eles
alcançaram 3,9% da carga tributária em 2013. Já no Reino Unido, na
Colômbia e na Argentina os impostos sobre patrimônio representaram,
respectivamente, 12,3%; 10,6% e 9,2% da carga total.
O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o
Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o
Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto sobre
Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) representam, respectivamente,
1,7%, 1,4%, 0,6% e 0,2% da arrecadação brasileira.
A participação do Imposto Territorial Rural (ITR) é de 0,04%do total.
Não passa despercebido que o Brasil é um país extenso, conformado por
vastas áreas rurais.
O Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) representou 2,7% do
produto brasileiro em 2013. Nos países que integram a OCDE, esse valor
corresponde a 8,5%, em média. Mesmo ao se comparar com países com níveis
de renda semelhante, observa-se que no Brasil a relação é inferior. Na
Turquia, por exemplo, é 13,5% e no México 13,6%.
Quanto às alíquotas marginais brasileiras, tanto a mínima, quanto a
máxima estão entre as mais baixas. Desde 1998, a alíquota máxima, no
Brasil, é de 27,5%. Já na Alemanha é de 45%, na Turquia é de 35% e no
México é de 30%.
Além de alíquotas relativamente menores, no Brasil, é possível
deduzir do imposto de renda as contribuições à previdência, despesas
médicas, dispêndio com dependentes, pensão alimentícia, entre outros. Em
2013, as deduções foram de R$ 295,1 bilhões, 17,4% da arrecadação e
6,1% do produto.
Os 71.440 brasileiros mais ricos declaram deduções na ordem de R$
100,1 milhões com dependentes, R$ 82,5 milhões com instrução e R$ 804,2
milhões em despesas médicas. No total, os abatimentos representaram uma
média de R$ 13,8 mil por indivíduo. Desses mais ricos, 51.419 são os
recebedores de lucros e declararam um patrimônio total de R$ 1,1
trilhão. Dessa maneira, a renda média individual anual é de R$ 4,5
milhões e a média patrimonial é de R$ 20,8 milhões por pessoa.
Os rendimentos isentos e não tributáveis somaram R$ 632,2 bilhões em
2013. Os 71.440 mais ricos obtiveram R$ 297,9 bilhões, dos quais R$
196,0 bilhões estão isentos, 65,8% do total. O valor mais significativo
dessa categoria provém dos lucros e dividendos distribuídos ao
declarante e/ou dependentes. O total foi de R$ 231,3 bilhões. Cumpre
frisar que no ano de 1995 a Lei nº 9.249 isentou a tributação sobre os
dividendos.
Dentre o grupo de 34 países que integram a OCDE, apenas a Estônia
aplica o modelo de isenção sobre os dividendos. No Reino Unido, a
alíquota é de 36,1%; no Chile, 25%; nos Estados Unidos, 21,2%; e, na
Turquia, 17,5%. O México passou a tributar em 17,1% os dividendos em
2014.
Ao se efetuar comparações das alíquotas do imposto sobre herança e
doação, observa-se que o desalinhamento persiste sob o aspecto de
justiça fiscal. A alíquota no Reino Unido é de 40%. Em outros países,
ela é variável: nos Estados Unidos, a média é de 29%; no Chile, 13%. No
Brasil a cobrança de ITCMD varia de acordo com cada estado.
A alíquota média é 3,9%, porém, elas variam entre 1% e 8%, com faixas
díspares. Países como Argentina, Colômbia, França, Índia, Noruega,
Suécia e Uruguai adotam o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), com
alíquotas que estão entre 0,4% a 4,8%. O Brasil não cobra esse imposto.
Os direitos sociais no Brasil foram aprimorados na Constituição de
1988. Eles exigiram maior tributação. Assim como a Constituição, a
configuração tributária brasileira não foi gerada espontaneamente. Ela
representa interesses e o poder de segmentos da sociedade. Mesmo que
haja uma constante tentativa de convencimento de que os ricos e os
grandes empresários “pagam o pato”, ao se comparar os dados com outros
países, observa-se o contrário. Os ricos no Brasil nunca pagaram o pato.
Eles apenas convencem os patos que pagam.
Notas
(1) Impostos indiretos são regressivos, pois sua incidência não têm
como referência a renda, apenas o consumo. Não diferencia, portanto, os
diferentes níveis de poder aquisitivo. A maior participação deste tipo
de tributo vai de encontro ao princípio de equidade.
Referências
PIKETTY, T. Capital in the twenty-first century.Londres: The Belknap press of Harvard University press, 2014.
Crédito da foto da página inicial: EBC