O capitalismo nasceu e se desenvolveu para o desfrute dos povos do norte da Europa e seus descendentes (o que já falamos a respeito
aqui). Se outros povos se beneficiaram no processo, como os japoneses, foi mais por contingências do século XX, como a ameaça do
socialismo na Ásia.
O plano dos anglo-americanos ao final da Segunda Guerra Mundial era o de transformar o Japão num país rural mais pobre do que o Vietnã.
Mas a revolução chinesa não permitiu que esse plano fosse levado a
cabo. Na verdade, os EUA representam bem o fato do capitalismo ser um
sistema voltado a anglo-saxões e germânicos.
No século XIX, durante a grande diáspora
europeia, havia cotas bem restritas para não germânicos e saxões
entrarem nos EUA. Asiáticos eram impedidos de entrar e europeus do Sul
eram vistos com extrema desconfiança, entre outras coisas por serem
católicos. Italianos, espanhóis e outros não germânicos da Europa foram
inclusive enforcados no Sul do EUA, como acontecia com os negros.
Até mesmo no Brasil e na Argentina
havia preferência por europeus do Norte. Mas como esses não se dispunham
a vir para cá, deram preferência aos italianos do Norte, principalmente
de Vêneto, por serem mais claros do que os sulistas. Isso não impediu as manifestações anti-italianas em São Paulo (1892, 1896, 1928) ou o massacre de italianos em Tandil, na Argentina, em 1872. Basicamente, brancos eram os europeus nortistas.
A linha entre quem é branco e quem não pode ser considerado dessa forma vem sendo usada desde o Iluminismo para
separar aqueles que podem ser incluídos na lista de seres humanos de
direito – ou seja, aqueles que podem ser incluídos na categoria de
“homem”, como a vista na “declaração de direitos do homem e do cidadão”
de 1789 – daqueles que devem ser considerados sub-humanos ou
simplesmente não-humanos. Dessa forma, o título de brancura sempre foi
disputado em diversas partes do mundo. Nos EUA, italianos, eslavos e irlandeses lutaram muito para poderem ser considerados brancos. Em Angola,
há uma divisão social baseada no tom da pele: mulatos claros são
considerados mais humanos do que os negros escuros. Entre os negros dos
EUA, os negros mais claros e com traços mais europeizados chamavam os
negros mais escuros e com traços mais africanos de jigaboos. Ingleses
miseráveis não eram considerados brancos no início da Revolução Industrial. Hoje em dia, o padrão de beleza na Ásia
entre as mulheres é aquele que mais se aproxima do padrão de beleza
europeu. Nas redes sociais, brasileiros que se identificam como brancos
mostram irritação quando estrangeiros dão a entender que, para eles, o Brasil
seria um país formado por mestiços e negros. Dessa forma, podemos ver
que a ideia de brancura não se limita apenas à aparência fenotípica. Há
também uma grande dose de relações sociais de poder inserida nessa
categoria de “branco”. No século XIX:
“discutiam quais povos pertenceriam a quais raças e se certos
grupos de habitantes da Europa podiam ser classificados como europeus ou
não. Assim, havia dúvidas, por exemplo, se os mediterrâneos e alguns
povos do Leste europeu podiam ser considerados brancos e se a
constituição racial mista da França (germânicos, alpinos e
mediterrâneos) seria um impedimento a seu progresso.” (BERTONHA, João. Os Italianos, p. 53)
Basicamente, foram, durante muito tempo, considerados “verdadeiros
brancos” aqueles que nasceram ou descendiam de europeus do Norte. E o
que essa construção social da suposta superioridade anglo-saxã e
germânica tem a ver com os supérfluos do mundo? Tem a ver com o fato dos
povos do Norte da Europa e seus descendentes estarem
velhos e não terem mais filhos. Hoje, a média de idade entre os brancos
dos EUA, de maioria anglo-saxã e germânica, é de 43 anos e cada mulher
tem apenas 1,5 filho. Na Europa, a média de idade é de 42 anos com uma
taxa de fertilidade de 1,6 filho por mulher (incluídas as minorias nessa
média). Sem a Europa do Leste, a média sobe para 44 anos. Levando-se em
consideração que as mulheres geralmente têm de 2 a 4 anos a mais do que
os homens em média, isso significa que a maioria das mulheres nessas
regiões já não mais terão filhos.
Mesmo em países de brancos latinos, a população que se identifica como branca é geralmente mais velha e tem menos filhos. No Brasil, mulheres que se identificam como brancas têm apenas 0,9 filho cada uma, ou seja, já não há, virtualmente, mais reprodução.
Dados mostram que, em 2050, de cada 4 pessoas no mundo, 1 será
africana. Na verdade, a África é a única região do mundo com uma taxa de
fertilidade de mais de 2,2 filhos por mulher: são 4,71 filhos por
mulher africana. Basicamente, se não fosse a taxa de fertilidade
africana, a população mundial estacionaria em 2040, e em 2050 começaria a
cair.
Mas o que isso significa? Significa que até 2050, pessoas que se
identificam como brancas serão a minoria absoluta da população mundial e
a grande maioria nesse grupo de pessoas que se consideram brancas terá
mais de 40 anos – e aqui deixo claro que essas pessoas se identificam
como brancas, pois, como já falado, a ideia de brancura não se limita à
aparência física, mas também tem relação com questões ligadas a classes
sociais, privilégios, riqueza, origem étnica, etc.
De qualquer forma, esses dados mostram que a
juventude do mundo já é majoritariamente negra, parda ou, em menor
escala, asiática, já que nos países asiáticos a população já está
envelhecendo e tendo poucos filhos – na China, a média de idade já está
na casa dos 38 anos por conta da política de um filho por casal. Além
disso, a taxa de fertilidade na Ásia do Leste é de 1,5 filho por mulher.
Quando Trump dizia “fazer a América grande novamente”, parte de seus eleitores escutava “fazer dos EUA novamente uma potência industrial sem concorrentes” enquanto outra parte ouvia “fazer dos EUA novamente um país anglo-germânico”. Basicamente Trump misturou a revolta contra a globalização e o neoliberalismo com os medos de uma população branca vivendo num país onde a juventude torna-se cada vez mais latina ou negra – a média de idade entre os latinos dos EUA
é de 27 anos, entre imigrantes não latinos é de 23 anos e entre os
negros de 33 anos. Daí vem a seguinte pergunta: se o sistema se
desenvolveu tendo como base os europeus do Norte, e estes e seus
descendentes estão caminhando para, literalmente, o desaparecimento, o
que vai acontecer agora em relação ao cuidado com as pessoas não brancas
e com o mundo?
Trump e o negacionismo da mudança climática: os não brancos como herdeiros de um mundo em chamas
Trump, durante sua campanha, repetiu diversas vezes que aquecimento global
é um hoax criado por chineses. Eu não sei se ele realmente acredita
nessa insanidade, ou se era apenas retórica de campanha para agradar o
eleitor preocupado com seu emprego na indústria ou com seu automóvel
4×4. Descobriremos nos próximos quatro anos se Trump é
realmente um psicótico ou apenas um cara muito esperto, o qual sabe
falar o que seu eleitor quer escutar. De qualquer forma, parece que as
políticas necessárias para barrar o aquecimento global não serão postas em prática nos próximos anos. Hoje, se não fosse a necessidade do lucro trazido pela indústria do petróleo, painéis solares
seriam capazes de gerar 10 vezes mais energia do que o mundo precisa –
claro que no começo do processo de instalação, o petróleo seria
necessário para gerar a energia que possibilitaria a produção das
primeiras remessas de painéis solares.