quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O lado obscuro do ‘milagre econômico’ da ditadura: o boom da desigualdade

Mesmo com o forte crescimento e criação de empregos no período militar, os salários foram achatados e a distância entre ricos e pobres cresceu

Beatriz Sanz | Heloísa Mendonça 
Ditadura militar brasileira
Inauguração da Ponte Rio-Niterói.

O Brasil polarizado tem reproduzido uma frase que estava na boca de alguns saudosistas de tempos em que notícias sobre violência e economia em marcha lenta pareciam raras. “Na época dos militares era melhor”, tornou-se bordão de quem viveu aqueles anos, e ignora a repressão e a presença de censores nos jornais da época para filtrar notícias negativas à ditadura.  A ideia ressurgiu inclusive entre jovens que se anunciam eleitores do pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro, por acreditar que no tempo do regime militar o Brasil era mais alentador do que os dias atuais. Bolsonaro alimenta essa ideia tecendo elogios ao período. Entre os argumentos mais utilizados pelo candidato e pelos defensores da intervenção para mostrar a eficácia do regime está a conquista do "milagre econômico", que ocorreu no Brasil entre 1968 e 1973. De fato, nesta época, o país conseguiu crescer exponencialmente, cerca de 10% ao ano, e atingiu, em 1973, uma marca recorde do Produto Interno Bruto (PIB), que aumentou 14%. O avanço veio acompanhado também de uma forte queda de inflação. A taxa, medida na época pelo Índice Geral de Preço (IGP), caiu de 25,5% para 15,6% no período.

O que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o crescimento ter sido muito bom para empresários, e ruim para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram conter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação, o que levou a perdas reais para os trabalhadores. A adoção de uma medida tão impopular só foi possível através do aparato repressivo do regime sobre os sindicatos, que diminui o poder dos movimentos e de negociação dos operários. Os militares também interferiram em diversos sindicatos, muitas vezes substituindo seus dirigentes. “Foi um crescimento às custas dos trabalhadores”, explica Vinicius Müller, professor de história econômica do Insper. O arrocho salarial acabou aliviando os custos dos empresários e permitiu reduzir a inflação.

A melhora na atividade econômica se explicava, à época, por uma combinação de fatores. Uma conjuntura mundial mais favorável naqueles anos permitiu crédito externo farto e barato, por exemplo. O Brasil, por sua vez, criou regras que facilitaram a entrada de capital estrangeiro e investiu num programa de desenvolvimento do parque industrial além de reformas estruturais. O crescimento foi acompanhado pela abertura de novos postos de emprego no mercado formal e da expansão do consumo interno. Economistas ouvidos pelo EL PAÍS explicam que o milagre aconteceu principalmente regado a dinheiro internacional que aterrissou através da entrada de multinacionais que encontraram no Brasil um terreno propício para a expansão sob a tutela dos militares, e também por empréstimos advindos de fundos internacionais. Era um ambiente oposto ao do período anterior ao golpe de 1964, quando a grande convulsão política, em plena guerra fria, no país tornava o ambiente econômico incerto e afugentava o investidor.

Problemas sociais
Como a distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante desigual, a concentração de renda também aumentou muito no período, especialmente entre a população que possuía um grau maior de instrução. Isso fez com que a desigualdade social conhecesse níveis nunca vistos antes. Em 1960, antes da ditadura, o índice de Gini, utilizado para medir a concentração de renda estava em 0,54 (o coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual) e pulou para 0,63 em 1977. Os economistas foram unânimes em dizer que os empresários e a classe média que possuía maior nível de instrução foram beneficiados em detrimento da parte mais pobre da população.
Os altos índices de crescimento do PIB vividos enquanto a ditadura esteve instalada no país também não foram acompanhados de uma melhora nos indicadores sociais. Foi exatamente o oposto do que aconteceu.

Além disso, como o governo militar fez uma escolha de investir maciçamente na industrialização, inclusive do campo, muitas pessoas decidiram abandonar o sertão com o sonho de tentar uma vida melhor na cidade, incentivando um êxodo rural sem planejamento e nunca revertido. Segundo o IBGE apenas 16% da população morava no interior do país em 2010.

O crescimento econômico durante a ditadura começou a ser alavancado durante o Governo de Castelo Branco, que adotou um ambicioso programa de reformas para equilibrar as contas públicas, controlar a inflação e desenvolver o mercado de créditos. Batizado de Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), ele foi responsável por reformas fiscais, tributárias e financeiras. Castello Branco implementou diversas medidas no sentido de incentivar um maior grau de abertura da economia brasileira ao comércio e ao movimento de capitais com o exterior. A partir de 1964, também foram introduzidos na legislação brasileira diversos mecanismos de incentivos às exportações.

Mas foi no Governo do general Emílio Garrastazu de Médici, sob o comando do então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, que o projeto econômico teve como princípio o crescimento rápido, com expressivo aumento da produção – com destaque para indústria automobilística- e grandes obras de infraestrutura. “O Governo apostou em grandes obras e investimento estimulando o setor privado e usando o crescimento como propaganda para legitimar o regime durante a época mais repressiva da ditadura. Era muito importante que ele tivesse apoio de uma parte da sociedade”, explica Muller.

Foi nessa época que nasceu o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (IPND). O plano investiu principalmente na construção de estradas e obras de infraestrutura, como por exemplo, a Ponte Rio-Niterói (começou em 1969 e foi inaugurada em 1974) e a nunca terminada rodovia Transamazônica.

Crise do petróleo
Na crista do ciclo do crescimento, a economia brasileira tão dependente de empréstimos estrangeiros, passou a enfrentar certa dificuldade quando uma forte crise econômica abalou o cenário internacional: o choque do petróleo. Conflitos entre países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) derrubaram a oferta do insumo entre 1973 e 1974, fazendo os preços quase quadruplicarem no período (o barril subiu de três dólares para11,60), afetando países importadores como o Brasil.

“Com a crise internacional de 1973, temos uma quebra deste modelo econômico baseado no alto endividamento externo e, com isso, a economia vai perdendo força”, afirma o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Como a estabilidade econômica era um argumento essencial para a manutenção do governo militar, os economistas que faziam parte do regime optaram por não abrir mão do modelo e decidiram que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, mesmo que continuasse se endividando cada vez mais.

Foi nesse contexto que surgiu o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), este ainda mais ousado que o primeiro, que investiu especialmente na criação e expansão de empresas estatais. A Petrobras ganhou subsidiárias, a usina hidrelétrica de Itaipu foi construída, mostrando o quanto a geração de energia era uma bandeira importante naquele momento em que o Brasil ainda não tinha uma matriz energética estabelecida e necessitava da importação desse bem.

Muller destaca que “os militares tinham planejamento a longo prazo” e que a ideia inicial era de que o país ficasse independente da importação de energia e começasse a gerar renda com a sua produção própria, essa renda seria utilizada para saldar a dívida externa. O plano deles, entretanto, não contava com a retração das maiores economias que, em determinado momento, chegaram para cobrar a fatura. A crise se prolongou mais do que o Governo imaginava.

Mas a conta do crescimento desenfreado baseado em um alto grau de endividamento ficou para a redemocratização. Ao deixarem o poder em 1984, a dívida representava 54% do PIB segundo o Banco Central, quase quatro vezes maior do que na época que eles tomaram o poder em 1964, quando o valor da dívida era de 15,7% do PIB. A inflação, por sua vez, chegou a 223%, em 1985. Quatro anos depois, o país ainda não tinha conseguido se recuperar e ostentava um índice de inflação de 1782%. No jargão econômico, costuma-se dizer que os militares deixaram uma “herança maldita”.

“Embora o regime tenha aparelhado muito bem grande parte do nosso parque industrial, melhorado em aspectos técnicos e tecnológicos a infraestrutura, quando veio a conta, a conta veio muito alta”, explica Guilherme Grandi, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP)”
 
Os militares e a corrupção
Outra percepção recorrente é a de que no período da ditadura não havia corrupção. “Vários estudos já comprovaram que existia corrupção e era mais fácil que esses malfeitos ocorressem porque não havia investigação”, ressalta Grandi. Segundo ele, a relação promíscua entre interesses privados e órgãos públicos foi aprimorada nesse período.

Pedreira Campos é autor do livro Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988 que analisa mais profundamente essa relação. “Houve vários casos de corrupção na ditadura, principalmente no período da abertura envolvendo agentes do estado que foram acusados de se apropriar de recursos públicos”.

A ausência de notícias sobre corrupção no período tem também outra explicação. O Brasil viveu sob um regime de censura que foi estabelecida nos meios de comunicação que estavam orientados a publicar notícias que fossem favoráveis ao governo. E é por conta dessa propensão a maquiar a realidade que notícias denunciando escândalos de corrupção não estampavam a manchete dos jornais. “Um cenário como esse é ideal para a prática da corrupção, os indícios indicam que havia mais corrupção naquele período”, completa Pedreira Campos.




domingo, 5 de novembro de 2017

Professor da PUC desmonta argumentos de Moro para condenar Lula

13/Jul/2017 às 15:31


Advogado e professor da PUC rebate, ponto a ponto, todos as justificativas que constam na sentença de Sergio Moro para condenar o ex-presidente Lula. Juiz chegou a citar matéria da Globo nove vezes como prova documental 

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Fernando Hideo*

1. Não me proponho a exaurir o tema, tampouco entrar num embate próprio das militâncias partidárias, relatarei apenas as minhas impressões na tentativa de traduzir o juridiquês sem perder a técnica processual penal.

2. OBJETO DA CONDENAÇÃO: a “propriedade de fato” de um apartamento no Guarujá.
Diz a sentença: “o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa eram PROPRIETÁRIOS DE FATO do apartamento 164-A, triplex, no Condomínio Solaris, no Guarujá”.
Embora se reconheça que o ex-presidente e sua esposa jamais frequentaram esse apartamento, o juiz fala em “propriedade de fato”.

O que é propriedade ?

Código Civil – Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Portanto, um “proprietário de fato” (na concepção desse juiz) parece ser alguém que usasse, gozasse e/ou dispusesse do apartamento sem ser oficialmente o seu dono.
Esse conceito “proprietário de fato” não existe em nosso ordenamento jurídico. Justamente porque há um outro conceito para caracterizar essa situação, que se chama POSSE:
Código Civil – Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
E não foi mencionada na sentença qualquer elemento que pudesse indicar a posse do ex-presidente ou de sua esposa do tal triplex: tudo o que existe foi UMA visita do casal ao local para conhecer o apartamento que Léo Pinheiro queria lhes vender.
Uma visita.
Portanto, a sentença afirma que Lula seria o possuidor do imóvel sem nunca ter tido posse desse imóvel. Difícil entender ? Impossível.
3. TIPIFICAÇÕES:
– corrupção (“pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás”)
– lavagem de dinheiro (“envolvendo a ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”).
4. PROVAS DOCUMENTAIS: um monte de documento sobre tratativas para compra de um apartamento no condomínio do Guarujá (nenhum registro de propriedade, nada que indique que o casal tenha obtido sequer a posse do tal triplex) e uma matéria do jornal o globo (sim, acreditem se quiser: há NOVE passagens na sentença que fazem remissão a uma matéria do jornal o globo como se prova documental fosse).
Esse conjunto de “provas documentais” comprovaria que o ex-presidente Lula era o “proprietário de fato” do apartamento.
Mas ainda faltava ligar o caso à Petrobras (a tarefa não era assim tão simples, porque a própria denúncia do Ministério Público do Estado de São Paulo — aquela mesmo que citava Marx e “Hegel” — refutava essa tese)…
5. PROVA TESTEMUNHAL: aí entra a palavra dos projetos de delatores Léo Pinheiro e um ex-diretor da OAS para “comprovar” que o apartamento e a reforma seriam fruto de negociatas envolvendo a Petrobras.
Não há nenhuma prova documental para comprovar essas alegações, apenas as declarações extorquidas mediante constante negociação de acordo de delação premiada (veremos adiante que foi um “acordo informal”).
6. CORRUPÇÃO
Eis o tipo penal de corrupção:
Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem
Portanto, deve-se comprovar basicamente:
– solicitação, aceitação da promessa ou efetivo recebimento de VANTAGEM indevida; e
– CONTRAPARTIDA do funcionário público.
No caso, o ex-presidente foi condenado “pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás”.
O pressuposto mínimo para essa condenação seria a comprovação:
– do recebimento da vantagem (a tal “propriedade de fato” do apartamento); e
– da contrapartida sobre o contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás.
Correto ?
Não.
Como não houve qualquer prova sobre a contrapartida (salvo declarações extorquidas de delatores), o juiz se saiu com essa pérola:
Basta para a configuração que os pagamentos sejam realizadas em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam.”
E prossegue, praticamente reconhecendo o equívoco da sua tese: “Na jurisprudência brasileira, a questão é ainda objeto de debates, mas os julgados mais recentes inclinam-se no sentido de que a configuração do crime de corrupção não depende da prática do ato de ofício e que não há necessidade de uma determinação precisa dele”.
Ou seja, como não dá pra saber em troca de que a OAS teria lhe concedido a “propriedade de fato” do triplex, a gente diz que foi em troca do cargo pra que as vantagens fossem cobradas “assim que as oportunidades apareçam” e está tudo certo pra condenação !
Para coroar, as pérola máxima da sentença sobre o crime de corrupção:
– “Foi, portanto, um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente”.
Haja triplex pra tanta vantagem…
– “Não importa que o acerto de corrupção tenha se ultimado somente em 2014, quando Luiz Inácio Lula da Silva já não exercia o mandato presidencial, uma vez que as vantagens lhe foram pagas em decorrência de atos do período em que era Presidente da República”.
Haja crédito pra receber as vantagens até 4 anos depois do fim do mandato…
7. LAVAGEM DE DINHEIRO
A condenação por corrupção se baseia em provas inexistentes, mas a pior parte da sentença é a condenação pelo crime de lavagem de dinheiro.
Hipótese condenatória: lavagem de dinheiro “envolvendo a ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”.
Ou seja, o ex-presidente Lula teria recebido uma grana da OAS na forma de um apartamento reformado e, como não estava no nome dele, então isso seria lavagem pela “dissimulação e ocultação” de patrimônio.
Isso é juridicamente ridículo.
Lavagem é dar aparência de licitude a um capital ilícito com objetivo de reintroduzir um dinheiro sujo no mercado. Isso é “esquentar o dinheiro”. Exemplo clássico: o cara monta um posto de gasolina ou pizzaria e nem se preocupa com lucro, só joga dinheiro sujo ali e esquenta a grana como se fosse lucro do negócio.
Então não faz o menor sentido falar em lavagem nesses casos de suposta “ocultação” da grana. Do contrário, o exaurimento de qualquer crime que envolva dinheiro seria lavagem, percebem ?
Não só corrupção, mas sonegação, roubo a banco, receptação, furto… Nenhum crime patrimonial escaparia da lavagem segundo esse raciocínio, pq obviamente ninguém bota essa grana no banco !
8. DELAÇÃO INFORMAL (OU SEJA, ILEGAL) DE LÉO PINHEIRO
Nesse mesmo processo, Léo Pinheiro foi condenado a 10 anos e 8 meses (só nesse processo, pois há outras condenações que levariam sua pena a mais de 30 anos).
Mas de TODAS AS PENAS a que Léo Pinheiro foi condenado (mais de 30 anos) ele deve cumprir apenas dois anos de cadeia (já descontado o período de prisão preventiva) porque “colaborou informalmente” (ou seja, falou o que queriam ouvir) mesmo SEM TER FEITO DELAÇÃO PREMIADA OFICIALMENTE.
Ou seja, em um INÉDITO acordo de “delação premiada informal”, ganhou o benefício de não reparar o dano e ficar em regime fechado somente dois anos (independentemente das demais condenações).
Detalhes da sentença:
O problema maior em reconhecer a colaboração é a FALTA DE ACORDO de colaboração com o MPF. A celebração de um acordo de colaboração envolve um aspecto discricionário que compete ao MPF, pois não serve à persecução realizar acordos com todos os envolvidos no crime, o que seria sinônimo de impunidade.” –> delação informal
Ainda que tardia e SEM O ACORDO DE COLABORAÇÃO, é forçoso reconhecer que o condenado José Adelmário Pinheiro Filho contribuiu, nesta ação penal, para o esclarecimento da verdade, prestando depoimento e fornecendo documentos” –> benefícios informais
é o caso de não impor ao condenado, como condição para progressão de regime, a completa reparação dos danos decorrentes do crime, e admitir a progressão de regime de cumprimento de pena depois do cumprimento de dois anos e seis meses de reclusão no regime fechado, isso independentemente do total de pena somada, o que exigiria mais tempo de cumprimento de pena” –> vai cumprir apenas dois anos
O período de pena cumprido em prisão cautelar deverá ser considerado para detração” –> desses dois anos vai subtrair o tempo de prisão preventiva
O benefício deverá ser estendido, pelo Juízo de Execução, às penas unificadas nos demais processos julgados por este Juízo” –> ou seja, de todas as penas (mais de 30 anos) ele irá cumprir apenas dois anos em regime fechado…

9. TRAUMAS E PRUDÊNCIA
Cereja do bolo: o juiz diz que “até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, mas “considerando que a prisão cautelar de um ex-Presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”.
É a prova (agora sim, uma prova !) de que não se julga mais de acordo com a lei, mas pensando nos traumas e na (im)prudência…

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Independentemente da sua simpatia ideológico-partidária, pense bem antes de aplaudir condenações dessa natureza.
Eis o processo penal de exceção: tem a forma de processo judicial, mas o conteúdo é de uma indisfarçável perseguição ao inimigo !
Muito cuidado para que não se cumpra na pele a profecia de Bertolt Brecht e apenas se dê conta quando estiverem lhe levando, mas já seja tarde e como não se importou com ninguém…
*Fernando Hideo é advogado e professor da PUC-SP


sexta-feira, 14 de julho de 2017

Muita convicção, nenhuma prova. O Raio-x da sentença de Moro no caso Triplex

Muita convicção, nenhuma prova. O Raio-x da sentença de Moro no caso Triplex
 
Quinta-feira, 13 de julho de 2017

Nesta quarta-feira (12), foi publicada a sentença do Juiz Federal Sérgio Moro que condenou o ex-presidente Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, consistentes na acusação de que ele teria recebido um apartamento triplex no Guarujá (SP) como contraprestação de corrupção em contratos firmados entre a Petrobrás e a construtora OAS. 

A condenação consagra a tese da acusação, a qual, no entanto, não conseguiu provar documentalmente o registro do imóvel, bem como desprezou a prova de inocência, isto é, a série de garantias de hipoteca e cessão fiduciária que tornavam impossível outro destino do apartamento que não fosse a pura e simples venda. Além disso, a sentença de Moro ignorou mais de 70 testemunhas que negaram a existência do crime. Leia a sentença na íntegra.

Para facilitar a compreensão, o Justificando preparou um raio-x da decisão que tem mais de 200 páginas, bem como contextualizou as afirmações de Moro de acordo com as teses de acusação e defesa, explicando a relevância prática de cada argumento. Confira: 
Preliminares: O Lawfare
Atenção: Se quiser entender questões jurídicas diretamente ligadas à causa, pule para a parte “Teses”, que começa com o debate sobre a super competência

Nas primeiras páginas, Moro dedica seus argumentos para supostamente refutar a tese de que estaria sendo parcial – tese esta defendida tanto pela defesa, quanto por vários juristas que acompanham o caso – e que ele instrumentalizou seus poderes de juiz e o processo para uma “guerra jurídica” frente ao acusado. O termo entre aspas é uma forma de Moro dizer com outras palavras sobre o lawfare, uma das teses centrais da defesa que trata da utilização da lei e do poder judiciário para perseguição política. 

Vários episódios foram destacados para levantar o lawfare e a consequente suspeição do magistrado, como a (i) divulgação dos áudios entre Lula e Dilma para a Rede Globo, a (ii) determinação de grampo telefônico no escritório de advocacia do ex-presidente, apesar de dois ofícios da Telefônica avisando-o da excentricidade da medida, (iii) a decisão de condução coercitiva do réu que sequer havia sido intimado para depor, (iv) a “entrevista do power point” realizada por Deltan Dallagnol, (v) a “animosidade” entre julgador e a defesa, entre outros.

(i) Sobre o áudio vazado para a Rede Globo, Moro preferiu se justificar com os mesmos argumentos utilizados à época, quando o falecido ministro Teori Zavascki, então no cargo no STF, utilizou um discurso duro para condenar o que o magistrado fez com o sigilo telefônico dos ex-presidentes, expondo-os em rede nacional por uma conversa cujo conteúdo não teve consequência jurídica, mas que foi o suficiente para inflamar as manifestações pelo impeachment na derrocada final do governo Dilma.

Apesar do tom utilizado contra o magistrado, os ministros do STF quando julgaram a conduta de Moro proferiram uma contraditória decisão de devolver para o magistrado todo o processo, inclusive a interceptação tão contestada, para julgamento. Na sentença do Triplex, o magistrado ressalta que o fato da corte ter devolvido o processo a ele eliminaria qualquer alegação por parte da defesa.

Não satisfeito, o magistrado logo após enfrentar as críticas do Supremo em sua sentença, passa novamente a fazer considerações acerca do teor da conversa, reafirmando dessa vez sua convicção desfavorável em relação ao réu e favorável à sua conduta. Em outras palavras, pediu desculpas antes, mas depois justificou o que fez como se certo fosse, pois, nas suas palavras, o Judiciário não poderia ser guardião de “segredos sombrios”: “não deve o Judiciário ser o guardião de segredos sombrios dos Governantes do momento e o levantamento do sigilo era mandatório senão pelo Juízo, então pelo Supremo Tribunal Federal”.

Ao final, Moro escreveu sobre as conversas íntimas divulgadas que expunham a família de Lula. O caso mais notório ocorreu com a divulgação do áudio da ex-primeira dama Marisa Letícia que, em conversa telefônica privada com seu filho, manifestava repúdio aos paneleiros. Após o falecimento da primeira dama, aumentaram as críticas ao juiz em razão da desnecessidade dessa exposição gratuita da intimidade. Para Moro, contudo, “há, é certo, alguns diálogos que parecem banais e eminentemente privados, mas exame cuidadoso revela sua pertinência e relevância com fatos em investigação”.

(ii) Sobre o grampo no escritório de Advocacia Teixeira Martins, a defesa apontou como exemplo prático de lawfare o sistemático grampo nos telefones dos advogados. No caso, uma matéria da revista eletrônica Conjur, em março de 2016, apontava que todos os 25 advogados do Teixeira Martins – banca que advogava para o ex-presidente – foram grampeados no telefone central do escritório. Vale dizer que Roberto Teixeira, sócio do escritório, teve seu telefone pessoal interceptado.
Em sua defesa, Moro afirmou que não sabia que o telefone grampeado era da defesa do ex-presidente e que queria grampear apenas uma empresa de palestras que operaria no mesmo número e que, na sua opinião, tinha ligação com o crime investigado.

Ocorre que logo após a determinação do grampo, a Telefônica oficiou o juízo de Curitiba por duas vezes para alertar sobre gravidade da medida, afinal escritórios de advocacia são protegidos por lei, mas foi ignorada. Para os advogados de Lula, o grampo no escritório e no telefone pessoal do sócio foram parte de um monitoramento das estratégias que seriam utilizadas e configuraram em um grave atentado ao direito de defesa. 

Na sentença Moro afirmou que precisava investigar a empresa de palestras e que não se atentou aos ofícios da Telefônica, que não foram analisados com atenção ante as “centenas de processos complexos” julgados na Vara. Em resposta, a própria Conjur o lembrou de que ele tem uma equipe para julgar os casos e que, por determinação do TRF-4, ele não recebe nenhum outro processo que não seja ligado à operação.

Sobre o telefone pessoal, Moro justificou o grampo no celular do Advogado do Presidente Roberto Teixeira por ele ser, na visão do magistrado, suspeito pelo crime de lavagem de dinheiro. A última informação apurada pelo Justificando, no mês de junho, era no sentido de que grampo ainda está ativo por decisão judicial e, desde então não há notícia de sua revogação.

(iii) Sobre a condução coercitiva sem que houvesse uma intimação para depor, como evidente prática de lawfare, uma vez que formou-se um grande espetáculo em torno da oitiva de Lula, Moro negou que se tratava de uma perseguição contra o ex-presidente. Na época, o caso teve grande repercussão e críticas ao arbítrio do magistrado.

Em sua defesa, ao argumentar na sentença o juiz afirmou que a questão de levar coercitivamente quem sequer foi intimado é “polêmica” no direito. Ocorre que não se trata de uma polêmica, pois sequer há algum jurista que defenda a legalidade teórica de prática como essa, a não ser o próprio Juiz Federal e a força tarefa do MPF.

Em todo caso, ele justificou que, no contexto específico da Lava Jato, fazia sentido essa determinação, a fim de que agentes policiais não fossem expostos a algum risco. De outro lado, Moro argumentou que o tempo teria lhe dado razão, pois houve uma concentração de militantes no Aeroporto de Congonhas, para onde o ex-presidente foi levado por um grande aparato policial para ser ouvido.

Quanto às argumentações, vale lembrar que Lula já foi ouvido por dezenas de vezes a convite do Poder Judiciário e nenhum episódio foi tão conturbado quanto a oitiva coercitiva e o interrogatório em Curitiba.

(iv) Sobre o famigerado power point, que gerou a denúncia que conseguiu a presente condenação, o magistrado argumentou que tal episódio não representa o “lawfare“, pois, na sua visão, ainda que a linguagem de Deltan Dallagnol e seu Power Point fossem criticáveis, tal fato não teria efeito prático para a ação penal, onde o que importaria seriam, em tese, as peças processuais produzidas.

O debate gira em torno do dia em que Deltan convocou toda a grande imprensa para, em rede nacional, fazer uma apresentação de slides de power point com uma série de adjetivações a Lula. “Ainda que eventualmente se possa entender que a entrevista não foi, na forma, apropriada, parece distante de caracterizar uma “guerra jurídica” contra o ex-Presidente”, afirmou o magistrado. 

Embora Moro tenha argumentado que a conduta do Procurador não influiu na ação penal, vale dizer que Deltan Dallagnol foi o Procurador responsável por acusar Lula até o fim do processo e já anunciou que vai recorrer da decisão para aumentar a pena.

v) Sobre a animosidade do Juízo frente aos advogados Moro aproveitou sua sentença para reclamar do comportamento da defesa. Na sua visão, foi rude: “este julgador sempre tratou os defensores com urbanidade, ainda que não tivesse reciprocidade” – queixou-se. Entretanto, as audiências mostraram o contrário, uma vez que raros foram os momentos nos quais a participação da defesa foi bem vinda, como ficaram nítidos em episódios marcantes, como quando ele debochou do ex-presidente nacional da OAB José Roberto Batochio para que ele fizesse concurso para juiz. 

Mas o mais rumoroso caso gira em torno da intervenção do advogado e assistente de acusação da Petrobrás René Ariel Dotti quando ele cassou, aos berros, a palavra da defesa que debatia com Moro sobre uma pergunta feita a Lula. Para o magistrado, a censura foi ótima, como pode ser lido na referência feita ao “renomado e veterano advogado criminal René Ariel Dotti. No meio jurídico, no entanto, o cenário foi outro: diversos criminalistas de renome fizeram um desagravo para os advogados Cristiano Zanin MartinsValeska Teixeira Martins e Fernando Fernandes, bem como foi publicado artigo do criminalista de renome mundial Juarez Cirino dos Santos em tom crítico às condutas de Moro e René.

Ao final desse trecho da sentença, Moro vangloriou-se de ter sido sereno, pois, na sua opinião, ele poderia se quisesse tomado “providências mais enérgicas”: “poderia o Juízo ter tomado providências mais enérgicas em relação a esse comportamento processual inadequado, mas optou, para evitar questões paralelas desnecessárias, prosseguir com o feito” – afirmou contra as alegações de lawfare.



Teses – 1. Competência da Ação

A supercompetência da Lava Jato é um tema técnico que lida com questões processuais penais de conexão e suscita críticas desde os primórdios da Operação e que ainda vai render muito debate. Resumindo o debate: diversos juristas contestam o tamanho da abrangência da competência de Moro, que julga processos de todo o país e os mais variados contextos de acusação de corrupção. O STF, ao julgar essa questão, afirmou que Moro somente pode julgar corrupção que tenha relação com a Petrobrás. Por isso, quando a força tarefa quer atrair um processo para Curitiba, eles reforçam a tese da super competência para lidar com o “maior esquema de corrupção da história”. Na visão da acusação e do juízo, ainda que a corrupção não tenha relação direta com a Petrobrás, presume-se muitas vezes essa conexão dado o suposto vasto tamanho da Operação e o fato de que o dinheiro, bem sobre o qual ela estaria montada, é fungível e de difícil rastreamento.

A questão foi evidentemente atacada pelos advogados do ex-presidente, uma vez que a relação na visão acusatória é entre Lula e Léo Pinheiro, da OAS, não havendo Petrobrás para justificar a ida do caso a Curitiba. No caso, o imóvel do Triplex é anterior à Lava Jato. Marisa firmou um carnê no sindicato dos bancários para pagamento de cota de um apartamento junto à Bancoop – cooperativa da categoria.

A Bancoop não teve fôlego para pagar e, em 2009, o imóvel foi passado à OAS. Nesse momento os moradores poderiam resgatar o valor que pagaram nas mensalidades ou continuar pagando mensalidade para aquisição do apartamento. Marisa e tantos outros não se pronunciaram e ficaram com o crédito do valor pago até então – por volta de R$ 200 mil (em 2015, ela ingressou no Judiciário para reaver o o dinheiro pago via Bancoop).

Anos se passam até que três promotores em São Paulo – que ficariam mais tarde conhecidos pelo pedido de prisão com base em Marx e Hegel – acusaram Lula e Marisa de ocultarem o imóvel que teriam recebido junto à Bancoop como produto de lavagem de dinheiro (a acusação, contudo, não apresenta registro do apartamento em nome de Lula ou de Marisa). 

De outro lado, ávidos para entrarem no caso, os Procuradores da força tarefa repudiaram a ação dos promotores paulistas. Para atrair a competência a Curitiba e tirar o processo da competência de São Paulo, o MPF teve que ligar o Triplex à Petrobrás e para isso utilizou a narrativa do “maior esquema de corrupção no mundo” – tese praticamente “copia e cola” em todos os casos que eles, procuradores da Lava Jato, puxam para acusar. Essa tese e essa prática contam com a anuência e entusiasmo do Juiz Federal.

Logo, pela nova história da acusação e do juiz, o Edifício foi transferido pelo Bancoop à OAS e esta teria dado um imóvel mais caro e feito reformas para o ex-presidente como forma de corrupção. De início, há a contradição entre histórias conflitantes.
“Ou você diz que a Bancoop deu a Lula o tríplex antes de 2009, ou você diz que a OAS deu a Lula o tríplex depois disso. Inferir as duas coisas ao mesmo tempo não faz o menor sentido”, questiona o Advogado Márcio Paixão.
Outro ponto levantado na questão da competência é que a tese de “maior esquema de corrupção no mundo” ainda não foi julgada no Supremo Tribunal Federal e a ratificação de que Lula estaria envolvido nisso, ainda que em tese, depende ainda dessa análise, para ser afirmada em sentença penal. A defesa pediu para que o processo do Triplex fosse adiado até que fosse julgado esse inquérito no Supremo que apura esse suposto esquema, mas o pedido foi indeferido.

2. Delações Premiadas, ou quase

Outro ponto que Moro discutiu por diversas páginas em sua sentença diz respeito às delações premiadas. O Justificando já apresentou uma série de críticas que esse instituto recentemente importado para o Brasil traz ao processo penal, tais como a voluntariedade do delator em falar o que o acusador/juiz querem ouvir, como também a prática reiterada de “prende para delatar” e “solta porque delatou”, dentre outras questões que são recorrentemente tratadas. Moro cuidou de defender seu ponto de vista pela legalidade e valor das delações, algo fundamental neste caso para condenar Lula, uma vez que a acusação e a sentença estão amparadas quase que exclusivamente nas palavras de Léo Pinheiro, dono da OAS, e de outros delatores.

Protagonista da principal prova testemunhal, Léo Pinheiro negociou delação por duas vezes. A primeira delação, na qual ele inocentava Lula, foi cancelada pelo Procurador da República Rodrigo Janot, pois, segundo a narrativa oficial do MPF, a Revista Veja vazou o conteúdo da delação que apontava para o ministro do STF Dias Toffoli (até então, vazamento de delações não era considerado uma nulidade, sendo admitido em inúmeras circunstâncias anteriores). 

Em seguida, após ter a primeira delação cancelada, Léo Pinheiro é preso por decisão de Sérgio Moro e depõe no caso do Triplex, quando então ele troca de advogado, muda a versão, acusa Lula – que ele havia primeiramente inocentado – e se torna a grande peça para acusação. Para evitar esses questionamentos, argumentos de Moro em favor da delação premiada permeiam toda a sentença.

Um detalhe importante é que a delação premiada de Léo Pinheiro sequer foi homologada, mas teve o maior destaque para condenação, ocupando dezenas de páginas na sentença. Ao final, mesmo sem acordo homologado com o Ministério Público, Moro o reconhece como delator, transformando seu depoimento como réu no primeiro acordo de delação premiada informal da história.

3. Propriedade do Apartamento – 5 parágrafos para a tese de defesa

“Essa é a questão crucial neste processo”, afirma o próprio Sérgio Moro na sentença. A questão é justamente de quem é o apartamento no Guarujá – pois afinal, se Lula está sendo acusado de ter recebido um imóvel em troca de corrupção, o lógico seria que, pelo menos, o imóvel fosse dele ou que a OAS podia dele dispor para entregá-lo a alguém.

Ocorre que no imóvel não tem nem uma coisa, nem outra. O registro do apartamento está em nome da OAS e o imóvel está hipotecado para um fundo da Caixa Econômica Federal, banco público que emprestou dinheiro para a construtora, mas exigiu uma série de garantias, dentre eles o Condomínio Solaris e tantos outros.

Soma-se a isso o próprio processo de recuperação judicial da Construtora. Em casos como esse existe uma lista de credores que decide em assembleia o destino dos imóveis da empresa em recuperação judicial. Em outras palavras: (i) o imóvel não está no nome de Lula, (ii) a OAS não pode dispor dele para outra finalidade que não seja a venda e, mesmo se pudesse, ainda assim (iii) a operação de venda ou entrega teria que ser aprovada em assembleia de credores.

Em cinco parágrafos, Moro, contudo, desconsiderou toda a documentação, pois “isso não é suficiente para a solução do caso”.

Em contrapartida, ele dedica incontáveis páginas na sentença para valoração de papéis que não indicam compra, propriedade, posse, ou qualquer coisa que seja. Um dos exemplos levantados foi o documento de “proposta de adesão sujeita à aprovação”, não assinada por Lula, no valor de R$ 200 mil, como se fosse uma intenção de adquirir o imóvel. Nesse documento, há uma rasura escrita “TRiPLEX”. Essa seria a prova documental. Como apontam inúmeros criminalistas, não é possível ignorar toda a documentação de garantia e propriedade do imóvel para canalizar a condenação com base em um documento que não tem qualquer valor de propriedade, muito menos está assinado e, não bastasse, é uma rasura.

Além disso, Moro argumentou que Marisa não reviu o dinheiro investido no carnê do Bancoop, quando tiveram opção de resgatar dinheiro ou continuar contribuindo, e que tal apartamento nunca esteve à venda, pois estava reservado ao casal. A narrativa que torna Marisa e Lula proprietários do Triplex também se vale de uma matéria do jornal O Globo que afirmou que em 2010 o Triplex pertencia a Lula. A matéria, contudo, além de se equivocar quanto à propriedade quando diz que Lula é proprietário sem que haja o registro do imóvel, comete um erro crasso ao dizer que Lula declarou o imóvel em nome de Marisa, quando na verdade ele declarou o valor recolhido na cota junto ao Bancoop. Entretanto, apesar de erros identificáveis com facilidade, Moro cita essa matéria para fundamentar a condenação em nove passagens, tratando como se prova documental fosse.

O magistrado descreveu a série de reformas que a OAS fez no imóvel e uma conversa entre Léo Pinheiro e Paulo Gordilho, Diretor de Engenharia e Técnica da OAS Empreendimentos, onde eles tratavam do chefe [que seria Lula], da madame [que seria Marisa] e Fábio, filho do casal. Na conversa, Paulo disse a Léo que o imóvel estava pronto para eles visitarem e Léo Pinheiro foi avisado sobre reformas feitas para agradarem o ex-presidente, para que ele, então, ficasse com o apartamento. O que ficou claro pelos depoimentos é que Léo Pinheiro de fato pretendia que Lula ficasse com o imóvel e até tentou adaptá-lo para servi-lo melhor, mas não ficou comprovado a compra, o usufruto ou a entrega do bem.

Nas audiências, Lula afirmou que chegou a visitar o imóvel uma única vez, mas decidiu não comprá-lo, apesar da intenção da construtora. Marisa visitou outra vez o apartamento e também nunca mais voltou.

A questão jurídica, como aponta o criminalista Fernando Hideo Lacerda, não permite que o juiz conclua que Lula tem esse imóvel. O especialista explica que Moro sustentou que Lula e Marisa eram “Proprietários de Fato”, isto é, que eles receberam um imóvel por corrupção de forma oculta. Ocorre que a propriedade é determinada no Código Civil pelo registro do imóvel e, fora isso, o ordenamento também prevê a posse, que também não cabe, já que ele foi ao imóvel apenas uma vez e nunca mais voltou.

4. Tese de corrupção

O tipo penal da corrupção dispõe a conduta como “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Como explica o criminalista Fernando Hideo, é necessária a aceitação da promessa ou efetivo recebimento da vantagem indevida e a contrapartida do funcionário público. Moro sustenta que o ex-presidente foi condenado “pelo recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás”.

Entretanto, explica o criminalista: “o pressuposto mínimo para essa condenação seria a comprovação (a) do recebimento da vantagem (a tal “propriedade de fato” do apartamento); e (b) da contrapartida sobre o contrato do Consórcio CONEST / RNEST com a Petrobrás”. 

Moro não argumenta sobre nada disso. Aliás, para escapar desse beco sem saída, o magistrado afirmou que “basta para a configuração que os pagamentos sejam realizadas em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam” – escreveu na sentença, como lembrado por Lacerda.

Em seguida, na sentença, o magistrado reconhece que não comprova o ato de corrupção: “Na jurisprudência brasileira, a questão é ainda objeto de debates, mas os julgados mais recentes inclinam-se no sentido de que a configuração do crime de corrupção não depende da prática do ato de ofício e que não há necessidade de uma determinação precisa dele”.

O Criminalista Márcio Paixão também aponta uma série de questões que Moro não responde e que impedem a condenação pelo crime de corrupção: “muito embora se esforce bastante, Moro não conseguiu esclarecer, em nenhum momento:

(i) a data em que Lula teria recebido o tríplex, dito algo como “é meu, muito obrigado”;
(ii) o local em que Lula estava quando recebeu o tríplex;
(iii) as circunstâncias em que Lula recebeu o tríplex.
As primeiras duas informações são hiper relevantes – a primeira vai estabelecer o marco inicial da prescrição, a segunda vai estabelecer qual juiz é competente para julgar o caso (competência territorial). O que há na sentença é algo como ‘Lula recebeu esse tríplex em algum momento, em algum local, em circunstâncias desconhecidas'”.

Vale lembrar que o Direito Penal é regido por princípios jurídicos, dentre os quais o da taxatividade, que impede que o magistrado aplique a lei para condenar ampliando a interpretação do texto do tipo penal. Em outras palavras, não há base jurídica para condenação por corrupção sem um ato comprovado que tenha beneficiado a OAS, como também não é possível condenar sem que exista a vantagem indevida.

5. Tese de Lavagem de dinheiro

De acordo a acusação e o juiz, a lavagem de dinheiro consiste na “ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”. Ou seja, Lula teria recebido o apartamento como decorrência de corrupção, o fato de não estar no nome dele seria ocultação do apartamento e consequente lavagem. Como explica Lacerda, é “juridicamente ridículo” sustentar isso, já que a lavagem pressupõe transformar um dinheiro sujo em limpo para reintrodução do bem no mercado.

Pela ótica da acusação, não houve incorporação do patrimônio aos bens de Lula. Logo, sequer em tese há a lavagem ou limpeza do bem. Para Lacerda, a ocultação defendida pela retórica acusatória faz parte da conduta de corrupção e que não faria sentido lógico em se conceber a lavagem para algo que permanece oculto.

“Lavagem é dar aparência de licitude a um capital ilícito com objetivo de reintroduzir um dinheiro sujo no mercado. Isso é “esquentar o dinheiro”. Exemplo clássico: o cara monta um posto de gasolina ou pizzaria e nem se preocupa com lucro, só joga dinheiro sujo ali e esquenta a grana como se fosse lucro do negócio” – explica o criminalista.

6. Penas

(i) Léo Pinheiro
“Questões novas demandam soluções novas”. Dessa forma Sérgio Moro conseguiu o feito de unir todas as penas de Léo Pinheiro, que foi condenado em outra ação penal, totalizadas em mais de 30 anos, para determinar que ele cumpra apenas dois anos e seis meses de reclusão no regime fechado. Léo Pinheiro recebeu o tratamento privilegiado concedido a delatores, embora ele não tenha homologado seu acordo de delação no processo do Triplex.

O problema maior em reconhecer a colaboração é a falta de acordo de colaboração com o MPF. A celebração de um acordo de colaboração envolve um aspecto discricionário que compete ao MPF, pois não serve à persecução realizar acordos com todos os envolvidos no crime, o que seria sinônimo de impunidade”, afirmou Sérgio Moro na sentença. Para ele, no entanto, esse problema poderia ser resolvido com uma solução inédita de estabelecer que Léo Pinheiro no máximo dois anos e meio, considerando a condenação por outro processo que não estava em julgamento.

(ii) Lula
Considerando a culpabilidade extrema, Moro elevou as penas base para nos crimes de lavagem e de corrupção para chegar a 9 anos e 6 meses de prisão em regime inicial fechado, além do pagamento de multa. Um detalhe curioso é a determinação do sequestro do Triplex da OAS, que lista o imóvel na lista de credores na recuperação judicial, bem como da Caixa, que tem as garantias sobre o imóvel. Ou seja, além do apartamento não ser de propriedade de Lula, tanto o banco público, como também os credores da recuperação judicial da OAS tiveram diminuição patrimonial e não poderão mais contar com o imóvel, em que pesem dívidas e acordos celebrados em torno do bem.
Moro, ao final, mostra sua benevolência ao dizer que “até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, mas que a “prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação”.



quinta-feira, 13 de julho de 2017

Os efeitos negativos da religião na sociedade


 
"Se as pessoas são boas porque temem uma punição ou porque esperam uma recompensa, então somos todos, de fato, uma espécie lamentável" ~ Albert Einstein
A religião é como um lento veneno. A assim como um veneno mata seu corpo, da mesma forma a religião mata sua alma. Há apenas uma diferença: a religião parece com um medicamento e quando você acha que ele está lá para seu próprio benefício, ele secretamente te mata. E antes mesmo de você tomar conhecimento dela, a religião já o transformou em uma alma sem vida.
 
Os efeitos negativos da religião na sociedade são enormes. Aqui estão as principais formas nas quais a religião está destruindo a vida das pessoas:
 

Religião é encher as pessoas com medo

Religião é uma das principais razões pela qual as pessoas têm medo de viver. E quando eu digo "viver" não me refiro apenas a sobreviver. Sobreviver é uma coisa, até mesmo as pedras fazem isso, mas viver é uma coisa completamente diferente. Viver significa ser sensível, significa sentir-se, crescer, descobrir seu potencial e atingir novos patamares a cada momento.
 
O ponto de partida da religião é o medo. A religião está baseada na ideia de pecado: Todos nascem pecadores, as almas impuras, se não se purificarem em breve estarão condenadas ao inferno por Deus, onde eles vão arder no sofrimento eterno.
 
A fim de evitar o inferno, a religião exige que as pessoas provem a Deus de que elas são dignas do céu. Como? Seguindo o dogma da religião. Naturalmente quando as pessoas são postas em tal situação, elas se encontram em um estado contínuo de medo. Elas estão sempre com medo de que suas ações não estejam de acordo.
 
Quando você acredita que está sendo perpetuamente vigiado por um olho que tudo vê, você acaba por agir de determinadas maneiras para agradar a Deus. O medo do inferno está continuamente em sua mente, o enchendo com preocupação e ansiedade e isso não permite que você viva espontaneamente. Como resultado, a maioria das pessoas religiosas tornam-se neuróticas e em alguns casos até mesmo esquizofrênicas.
 

Religião é transformar as pessoas contra si mesmas

 
As exigências que a religião coloca sobre as pessoas são irrealistas. A religião, por um lado ensina que todos nascem pecadores. É de pecado que somos feitos e tudo que nós seres humanos estamos fazendo é obrigado a ser corrompido, de uma forma ou de outra. Porém, por outro lado, a religião ensina as pessoas a se comportarem da melhor maneira possível – em outras palavras, sermos perfeitos, como anjos. Mas infelizmente, as pessoas não são anjos, então como elas podem agir assim, de forma tão antinatural?
 
Mas isso tem muitas consequências graves. Quando você deixa de fazer o que Deus ordenou, você começa a odiar-se. Você começa a aceitar a ideia de que você é realmente uma má pessoa, corrompida e não é digna como um ser humano. E uma vez que você fizer isso, sua vida enche de amargura raiva e ressentimento – um verdadeiro inferno na terra.
 

Religião é transformar as pessoas, uma contra as outras

O outro é apenas uma projeção de si mesmo, um espelho, no qual você pode ver o seu próprio reflexo.
Uma vez que você começa a odiar a si mesmo, você é obrigado a começar a odiar os outros também. Quando você aceita a ideia de que você é um pecador, você começa a ver aqueles ao seu redor como pecadores. E quando se acredita que os outros são pecadores, sempre há um medo profundamente enraizado dentro de você de que os outros são corrompidos, estão cheios de má vontade, querem te prejudicar e sobretudo são um inimigo.
 
Além disso, você não vai tolerar ideologias religiosas diferentes da que você segue. É por isso que vemos as religiões lutando uma contra as outras. Da mesma forma os religiosos lutando contra os não religiosos. Uma ideologia religiosa é identificada como o único e verdadeiro caminho, o que leva a tremenda consequências negativas - o ódio, racismo e todo o tipo de violência. Basta pensar em quantas guerras foram travadas ao longo da história em nome de Deus e da religião.
 

Religião é manter as pessoas na ignorância

 
Viver significa aprender, e a vida é fuma lição contínua. Quando, no entanto, você tem crescido condicionado a acreditar o que é certo e errado de acordo com a religião e te disseram que duvidar da religião significa ir para o inferno, naturalmente você fica com medo de buscar o verdadeiro conhecimento. Você não pesquisa para encontrar a verdade, para aprender e, portanto não cresce como ser humano.
 

Conclusão

Como você pode ver, os efeitos negativos da religião na sociedade são enormes. Seguir cegamente uma religião, ou qualquer outra ideologia, simplesmente significa restringir sua percepção para suprir-se e viver na hipocrisia – em outras palavras, viver em sofrimento e miséria.
 
Muitas pessoas preferem seguir a religião mesmo sofrendo com essa escolha, simplesmente porque a religião os liberta da responsabilidade pessoal. Para viver espontaneamente, o indivíduo teria que assumir a responsabilidade por si mesmo, e isso é certamente doloroso. A vida é feita de escolhas e fazer escolha certas nem sempre é fácil. Sendo assim, as pessoas preferem não fazer escolhas para si, preferem que os outros escolham para eles. 
 
As pessoas preferem andar em caminhos feitos por outros, em vez de criar seus próprios caminhos.
 
Mas mesmo que deixássemos de ter uma autoridade para nos dizer o que fazer e o que não fazer, nunca seremos livres. E mesmo se um dia nos tornássemos livres, nunca seremos felizes ou pacíficos.
"Só ovelhas precisam de um pastor." ~ Voltaire
Fonte


domingo, 7 de maio de 2017

O nazismo era um movimento de esquerda ou de direita?




7 maio 2017

Em meio a crise econômica e política na Alemanha, nazismo trazia ideia de "revolução social",
mas só para os "arianos".  Direito de imagem Getty Images  

"Cara, cai na real! Ser de esquerda é ser a favor de milhares de mortes causadas pelo comunismo e nazismo no mundo. Reflita!", diz uma mensagem de janeiro no Twitter. "O socialismo/comunismo é uma ideologia de esquerda irmã do nazismo", diz outra do final de abril. Outro participante da rede social pergunta: "Quantas pessoas será que estão em grupos de libertários no Facebook discutindo se nazismo é esquerda ou direita neste exato momento?".

A discussão sobre se o movimento nazista alemão - cujo governo matou milhões de pessoas e levou à Segunda Guerra Mundial - teria as mesmas origens do marxismo ferve nas redes sociais há alguns meses, com a crescente polarização do debate político no Brasil.

Mas historiadores entrevistados pela BBC Brasil esclarecem o que dizem ser uma "confusão de conceitos" que alimenta a discussão - e explicam que, na verdade, o movimento se apresentava como uma "terceira via".

"Tanto o nazismo alemão quanto o fascismo italiano surgem após a Primeira Guerra Mundial, contra o socialismo marxista - que tinha sido vitorioso na Rússia na revolução de outubro de 1917 -, mas também contra o capitalismo liberal que existia na época. É por isso que existe essa confusão", afirma Denise Rollemberg, professora de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF).

"Não era que o nazismo fosse à esquerda, mas tinha um ponto de vista crítico em relação ao capitalismo que era comum à crítica que o socialismo marxista fazia também. O que o nazismo falava é que eles queriam fazer um tipo de socialismo, mas que fosse nacionalista, para a Alemanha. Sem a perspectiva de unir revoluções no mundo inteiro, que o marxismo tinha."

O projeto do movimento nazista, segundo Rollemberg, previa uma "revolução social para os alemães", diferentemente do projeto dos partidos de direita da época, "que vinham de uma cultura política do século 19, de exclusão completa e falta de diálogo com as massas".

Mesmo assim, ela diz, seria complicado classificá-lo no espectro político atual. "Eles rejeitavam o que era a direita tradicional da época e também a esquerda que estava se estabelecendo. Eles procuravam um terceiro caminho", afirma.

Direito de imagem Reprodução Twitter
Direito de imagem Reprodução Twitter


Nacionalismo
A ideia de uma "revolução social para a Alemanha" deu origem ao Partido Nacional-Socialista alemão, em 1919. O "socialista" no nome é um dos principais argumentos usados nos debates de internet que falam no nazismo como um movimento de esquerda.

"Me parece que isso é uma grande ignorância da História e de como as coisas aconteceram", disse à BBC Brasil Izidoro Blikstein, professor de Linguística e Semiótica da USP e especialista em análise do discurso nazista e totalitário.

"O que é fundamental aí é o termo 'nacional', não o termo 'socialista'. Essa é a linha de força fundamental do nazismo - a defesa daquilo que é nacional e 'próprio dos alemães'. Aí entra a chamada teoria do arianismo", explica.

De acordo com Blikstein, os teóricos do nazismo procuraram uma fundamentação teórica e filosófica para defender a ideia de que eles eram descendentes diretos dos "árias", que seriam uma espécie de tribo europeia original.

"Estudiosos na Europa tinham o 'sonho da raça pura' nessa época. Quanto mais próximos da tribo ariana, mais pura seria a raça. E esses teóricos acreditavam que o grupo germânico era o mais próximo. Daí surgiu a tese de que, para serem felizes, tinham que defender a raça ariana, para ficar longe de subversões e decadência. (Alegavam que) a raça pura poderia salvar a humanidade."

A ideia de uma defesa do povo germânico ganhou popularidade em um momento de perda de territórios, profunda recessão e forte inflação após a Primeira Guerra Mundial - e tornou-se o centro do movimento nazista.

"Era preciso recuperar a moral do pobre coitado, que não tinha dinheiro e era 'massacrado pelos capitalistas'", explica Blikstein. Nesse contexto, afirma, o nazismo vendia a ideia de "reeguer o orgulho da nação ariana. O pressuposto disso seria eliminar os não arianos. E essa teoria foi aplicada até as últimas consequências".


 
Segundo especialistas, judeus eram perseguidos por simbolizarem dois "inimigos" do nazismo:
o capitalismo liberal e o socialismo marxista.
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'Marxistas e capitalistas'
Mesmo propagando a ideia de que o nazismo planejava uma revolução que garantiria justiça social na Alemanha - o que incluía, por exemplo, maior intervenção do Estado na economia -, o partido fazia questão de deixar clara sua oposição ao marxismo.

"Os comícios hitleristas eram profundamente antimarxistas", disse à BBC Brasil a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, que é estudiosa de movimentos neonazistas.

"O nazismo e o fascismo diziam que não existia a luta de classes - como defendia o socialismo - e, sim, uma luta a favor dos limites linguísticos e raciais. As escolas nacional-socialistas que se espalharam pela Alemanha ensinavam aos jovens que os judeus eram os criadores do marxismo e que, além de antimarxistas, deveriam ser antissemitas."

Os judeus, aliás, tornaram-se o ponto focal da perseguição nazista porque representavam tanto o socialismo como o capitalismo liberal, mesmo que isso possa parecer antagônico nos dias de hoje.
"Havia uma simbologia do judeu como representante, por um lado, do socialismo revolucionário - porque Marx vinha de uma família judia convertida o ao protestantismo, assim como muitos bolcheviques", diz a historiadora Denise Rollemberg.

"Por outro lado, os judeus eram associados ao capitalismo financeiro porque os judeus assimilados (que assumiram as culturais de outros países, para além da nação religiosa) que viviam na Europa tinham uma tradição de empréstimos de dinheiro e de negócios."

'Precisão científica'
A "precisão científica" do extermínio de judeus na Alemanha nazista também dificulta as comparações com a perseguição política no regime socialista soviético, na opinião de Izidoro Blikstein.

"Há muitos genocídios pelo mundo, mas nenhum igual ao nazismo, porque este era plenamente apoiado por falsa teoria científica e linguística e levada até as últimas consequências. A União Soviética também tinha campos de trabalhos forçados, mas não existia uma doutrina para justificar isso", afirma.

"Mas há traços comuns entre o nazismo o regime (soviético) de Stálin. A propaganda, por exemplo, e o fato de que ambos eram regimes totalitários, que controlavam e legislavam sobre a vida pública e também privada do cidadão", admite.

Além dos judeus, o regime nazista também perseguiu democratas liberais, socialistas, ciganos, testemunhas de Jeová e homossexuais - algo que, nos dias de hoje, associa o movimento a partidos de extrema-direita que pregam contra a comunidade LGBT, contra imigrantes e contra muçulmanos, por exemplo.

"Todo esse projeto de repressão, censura, campos de concentração e extermínio nazista era direcionado a quem estava fora do que eles chamavam de 'comunidade popular', o povo alemão. Mas alemães que eram democratas liberais e socialistas também eram excluídos por serem contrários ao projeto nazista e colocarem em risco a comunidade popular", explica Denise Rollemberg.

No entanto, para Blikstein, a ideia de raça é tão central ao nazismo que, assim como não se pode usar o projeto de revolução social para classificá-lo como "esquerda", também é difícil defini-lo como "direita".

"Dizer apenas que Hitler era um político de direita é apequenar o nazismo. Foi mais do que direita ou esquerda. Foi uma doutrina arquitetada para defender uma raça, embora esse conceito seja discutível e pouco científico", diz. 

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'Crise de referências'
Uma recapitulação do projeto e do regime nazista, de acordo com os especialistas no assunto, aumenta a confusão: deveria haver igualdade social e distribuição de renda, mas imigrantes, judeus, opositores políticos e até filhos "não talentosos" de alemães seriam excluídos dela por serem "menos puros"; o Estado prometia interferir mais na economia para benefício dos cidadãos, mas empresas privadas tiveram os maiores lucros com a máquina de extermínio e de guerra nazista; o movimento dizia defender os trabalhadores, mas sindicatos trabalhistas foram extintos, assim como o direito de greve; o socialismo marxista era considerado ruim, mas o liberalismo também.

Como seria possível defender todas estas ideias ao mesmo tempo?

"Quando o partido foi constituído, ele tinha uma vertente mais à esquerda e uma mais à direita. No início, tinha um discurso bastante antiburguês. Mas ao assumir o poder na Alemanha, o grupo à direita foi fazendo mais alianças com a burguesia e expulsando o grupo à esquerda", diz a historiadora da UFF.

"Além disso, o nazismo nasce no meio de uma crise de referências muito grande após a Primeira Guerra. Muitos passaram de um lado para outro. Os valores muitas vezes vão se embaralhar, e esses conceitos de direita e esquerda atuais não resolvem bem o problema."

Entre historiadores, a tentativa de traçar paralelos entre o nazismo e o fascismo europeus e o regime stalinista na União Soviética também não é nova, segundo Rollemberg.

"Todos eles eram regimes totalitários, mas o totalitarismo pode estar de qualquer lado. Hoje entendemos que há o totalitarismo mais à direita, como o nazismo e o fascismo, e o de esquerda, como o da União Soviética."



 

sábado, 6 de maio de 2017

Professor da UFPB explica como a Rede Globo Manipula e influência desinformados

 
 
Segundo Paiva, a emissora arquiteta uma “construção falseada” da realidade do país 
 
 

O professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, Cláudio Paiva expôs, em cinco tópicos, a estratégia da Rede Globo em seus telejornais e novelas.

Segundo Paiva, a emissora arquiteta uma “construção falseada” da realidade do país “de acordo com os seus interesses mercadológicos e políticos”.

Leia:

Cinco teses sobre o paradoxo da Rede Globo. Telejornal fascista & minissérie "progressista":

1) O telejornal produz um "efeito de verdade" que convence o telespectador pouco informado, e a série (telenovela) aparece ao público como uma ficção descolada do real;

2) Nada escapa às garras da (no)velha indústria cultural, que transforma a memória dos "anos de chumbo" em mercadoria fascinante embalada em technicolor; essa mesma indústria usa uma "retórica da imagem" (Barthes) e agressivas técnicas de persuasão (e despolitização) no JN;

3) A descontextualização histórica e a espetacularização (Debord) das séries com temas complexos embaça a consciência social e política do televidentes. Logo, a narrativa da ditadura e repressão política se configura como algo ocorrido lá longe, num passado remoto, sem vínculos com os poderes dominantes contemporâneos. Enquanto isso, o telejornal - através de falas-textos-imagens - simula uma reportagem fidedigna aos acontecimentos narrados (news making, pós-verdade, etc);

4) No passado recente, o Jornal Nacional se desculpou pelas derrapagens na "narração dos fatos" (Muniz Sodré) referentes à vida social e política da nação. E, hoje, arquiteta um construção falseada da realidade brasileira, de acordo com os seus interesses mercadológicos e políticos;

5) Considerando a especificidade do atual momento histórico, a exibição na Globo da série "Os dias eram assim" funciona como uma espécie de álibi; a emissora mostra-se ética e responsável na denúncia dos crimes contra a humanidade, para uma platéia alienada, e além disso sabe que (se sobreviver) será cobrada pela sua manipulação dos fatos, no que concerne a esfera sócio-política e institucional recente. E, no âmbito do excessivo volume de informação (entrecortada por slogans publicitários), uma narrativa crítica (que mostra - por exemplo - a truculência policial) tende a se diluir, se desmanchar, neutralizando o potencial reflexivo dos telespectadores. Enfim, no estranho beco em que a cultura e a política se meteram, em que tudo nos aparece como simulação e simulacros (Baudrillard), talvez nos reste a alternativa de buscar informações na internet e redes sociais, um espaço dialógico e polifônico (Bakhtin), em que se agitam vozes dissonantes e quiça esclarecedoras, num tempo nublado.

Fonte