sábado, 27 de janeiro de 2018

Só acredito em você se você disser o que eu quero ouvir

27 JAN 2018 - 00:00 CET 
 
MICHAEL SHERMER 
 
 
Quando os dados contradizem nossas convicções, tendemos a ignorá-los ou manipulá-los
Assim fazem criacionistas, ativistas antivacina e ‘conspiranoicos’ do 11 de setembro
 
 
cambiar de opinión
Suposto OVNI avistado em Westall (Austrália) em 1966. UIG (Getty)
Já reparou como as pessoas sempre mudam de opinião quando confrontadas com dados que contradizem suas convicções mais profundas? Pois é, eu também nunca vi isso acontecer. E tem mais: a impressão que dá é que, ao ouvir provas esmagadoras contra aquilo que acredita, o indivíduo reafirma as suas opiniões. O motivo é que esses dados colocam em risco sua visão de mundo.

Os criacionistas, por exemplo, rejeitam as provas da evolução oferecidas por fósseis e pelo DNA, porque temem que os poderes laicos estejam avançando sobre o terreno da fé religiosa. Os inimigos das vacinas desconfiam dos grandes laboratórios farmacêuticos e acham que o dinheiro corrompe a medicina. Isso os leva a defender que as vacinas causam autismo, embora o único estudo que relacionava essas duas coisas tenha sido desmentido há bastante tempo, e seu autor tenha sido acusado de fraude. Quem defende as teorias da conspiração em torno dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos se fixam em minúcias como o ponto de fusão do aço nos edifícios do World Trade Center, porque acreditam que o Governo mentia e realizou operações secretas a fim de criar uma nova ordem mundial. Os negacionistas da mudança climática estudam os anéis das árvores, os núcleos do gelo e as ppm (partes por milhão) dos gases de efeito estufa porque defendem com paixão a liberdade, em especial a dos mercados e empresas, de agirem sem precisar se ater às rigorosas normas governamentais. Quem jurava que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos dissecava desesperadamente sua certidão de nascimento em busca de mentiras, porque estava convencido de que o primeiro presidente afro-americano dos EUA era um socialista empenhado em destruir seu país. Os defensores dessas teorias têm em comum a convicção de que seus adversários céticos colocam em risco sua visão de mundo. E rejeitam os dados contrários às suas posturas por considerarem que provêm do lado inimigo.

O fato de as convicções serem mais fortes que as provas se deve a dois fatores: a dissonância cognitiva e o chamado efeito contraproducente. No clássico When Prophecy Fails (“quando a profecia falha”), o psicólogo Leon Festinger e seus coautores escreviam, já em 1956, a respeito da reação dos membros de uma seita que acreditava em OVNIs quando a espaçonave que esperavam não chegou na hora prevista. Em vez de reconhecerem seu erro, “continuaram tentando convencer o mundo inteiro” e, “numa tentativa desesperada de eliminar sua dissonância, dedicaram-se a fazer uma previsão atrás da outra, na esperança de acertar alguma delas”. Festinger chamou de dissonância cognitiva a incômoda tensão que surge quando duas coisas contraditórias são pensadas ao mesmo tempo.

Em seu livro Mistakes Were Made, But Not By Me (“foram cometidos erros, mas não fui eu”, 2007), dois psicólogos sociais, Carol Tavris e Elliot Aronson (aluno de Festinger), documentam milhares de experimentos que demonstram que as pessoas manipulam os fatos para adaptá-los às suas ideias preconcebidas a fim de reduzirem a dissonância. Sua metáfora da “pirâmide da escolha” situa dois indivíduos juntos no vértice da pirâmide e mostra como, ao adotarem e defenderem posições diferentes, começam a se distanciar rapidamente, até que acabam em extremos opostos da base da pirâmide.

Corrigir uma falsidade pode reforçar as percepções equivocadas do grupo, porque coloca em risco a sua visão de mundo

Em outras experiências, os professores Brendan Nyhan, do Dartmouth College (EUA), e Jason Reifler, da Universidade de Exeter (Reino Unido), identificaram um fator relacionado a essa situação: o que chamaram de efeito contraproducente, “pelo qual, ao tentar corrigir as percepções equivocadas, estas se reforçam no grupo”. Por quê? “Porque colocam em perigo sua visão de mundo ou de si mesmos.”

Por exemplo, os participantes do estudo foram apresentados a falsos artigos de imprensa que confirmavam ideias errôneas, porém muito difundidas, como a de que havia armas de destruição em massa no Iraque antes da invasão norte-americana de 2003. Quando confrontados posteriormente com um artigo que explicava que na verdade essas armas nunca haviam sido encontradas, os que se opunham à guerra aceitaram o novo artigo e rejeitaram o anterior. Entretanto, os partidários do conflito bélico argumentaram que o novo artigo os deixava ainda mais convictos da existência das armas de destruição em massa, pois seria uma prova de que o ex-ditador Saddam Hussein havia escondido ou destruído seu arsenal. Na verdade, dizem Nyhan e Reifler, entre muitos destes últimos participantes “a ideia de que o Iraque tinha armas de destruição em massa antes da invasão encabeçada pelos Estados Unidos persistiu até bem depois de que o próprio Governo de George W. Bush chegasse à conclusão de que não era assim”.

Se os dados que deveriam corrigir uma opinião só servem para piorar as coisas, o que podemos fazer para convencer o público sobre seus equívocos? Pela minha experiência, aconselho manter as emoções à margem; discutir sem criticar (nada de ataques pessoais e nada de citar Hitler); ouvir com atenção e tentar expressar detalhadamente a outra postura; mostrar respeito; reconhecer que é compreensível que alguém possa pensar dessa forma; tentar demonstrar que, embora os fatos sejam diferentes do que seu interlocutor imaginava, isso não significa necessariamente uma alteração da sua visão de mundo.

Talvez essas estratégias nem sempre sirvam para levar as pessoas a mudarem de opinião, mas é possível que ajudem a que não haja tantas divisões desnecessárias.


Michael Shermer é fundador e diretor da revista ‘Skeptic’. Este artigo foi publicado em 2017 na ‘Scientific American’



 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Sistema do TRF-4 aponta que desembargador-revisor acelerou processo de Lula

Sistema do TRF-4 aponta que desembargador-revisor acelerou processo de Lula
  Foto: Reprodução

Quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O sistema informatizado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), marcava no dia 13 de dezembro de 2017 que havia 257 processos na fila para revisão do desembargador Leandro Paulsen, quando ele pediu data para julgar o caso de Lula, depois de apenas seis dias úteis examinando o caso – embora seja um processo com dezenas de milhares de páginas e enorme volume de vídeo de audiência. 

A lista, acessada pelo Justificando, mostra que todos os processos preteridos são mais antigos do que o do ex-presidente e muitos versam sobre o mesmo crime. Pelo sistema público do TRF-4, foi confirmado novamente que os estavam listados estavam conclusos ao revisor no dia 13 de dezembro.


Leandro Paulsen. Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

Ou seja, pelo sistema informativo do próprio Tribunal, é possível constatar que o revisor participou do processo de aceleramento do julgamento da apelação de Lula, além do que foi apontado na conduta do próprio relator. 

Ao começar a sessão Paulsen, que também é presidente da Turma, pediu a palavra para justificar a celeridade do caso com suposta base nas metas do CNJ, para 2018, que tratariam processos sobre corrupção como prioridade.

No entanto, conforme apurado pelo Justificando, a resposta de Paulsen não encontra amparo na realidade, uma vez que as metas do CNJ dizem respeito às ações penais distribuídas até 31/12/2015, ou seja, anteriores à Lava Jato e se aplicam a todos os processos de corrupção. Vale dizer que o processo contra o ex-presidente foi colocado em celeridade inclusive em comparação aos que também versam sobre esse crime.

Abaixo, a lista verificada pelo Justificando de processos que foram preteridos por Leandro Paulsen, o qual votou pela condenação:








Fonte

 

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

A música era melhor em 1987? Pare de repassar bobagens

Recentemente, muita gente no Facebook anda repassando essa imagem:
 


A imagem ainda questiona: Atrofia cultural? Ferrugem Intelectual? Alienação Midiática? Não, queridos amigos. A resposta é: mau-caratismo para ganhar “likes”, disfarçado de pseudo-intelectualismo. E você não deveria estar repassando isso. Eu entendo a crítica e entendo a sua intenção e sua “indignação”, mas sua motivação está errada. Assim, no fim das contas, em vez de passar como “erudito”, conhecedor da discografia do Zé Ramalho, você passa como pedante e bobo, como o criador dessa imagem e dessas listas. Explico.
 
A primeira coisa que você tem que questionar — e na Internet, meu amigo, você tem que questionar tudo — é qual a origem dessas listas. No Brasil não temos uma entidade que lista isso oficialmente. Quer dizer, poderíamos ter, mas se você perguntar a qualquer artista o que ele acha da OMB (Ordem dos Músicos do Brasil) ou do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), a referência em ambos os casos não é muito boa. Das duas, o ECAD seria a entidade mais indicada para cuidar disso, mas sua história é complicada. É um escritório criado pelo Governo Federal (Lei 12.853/2013, que é um complemento da Lei 9.610/1998), mas é uma entidade privada. Daí imaginam-se os problemas.

O que sobram? Os mecanismos populares. E é aí que você tem que começar a questionar. Se o termômetro é os Melhores do Ano do “Domingão do Faustão”, você já começou errado. Bem errado. E não é porque é o Faustão não. Como exemplo, um desses medidores muito populares foi um programa exibido pela Rede Globo entre 1972 e 1990 chamado “Globo de Ouro”.
 

 
Esse programa teve uma reedição em 2016, que passa no canal Viva (também do grupo Globo), mas não é o caso. Vamos para o original. No início, a ideia do programa era fazer uma parada de sucesso mensal, apresentando os 10 artistas mais tocados nas rádios. Em pouco tempo, o programa se tornou semanal. E você sabe qual a prática mais comum para os atores serem tocados nas rádios? Chama-se “Jabá”.
 
Para você entender melhor o que é o Jabá, vou te recomendar o livro “Do Vinil ao Download” do André Midani, que vai nos servir também em outro momento adiante. Midani é uma figura icônica na música brasileira, foi executivo de grandes gravadoras como Odeon, Phonogram e WEA, além de ser um personagem único. No livro, Midani conta a origem do Jabá (que não é brasileira, acredite) e uma curiosíssima história sobre o Dick Asher, presidente da CBS que lançara o disco “The Wall”, do Pink Floyd (você deve ter ouvido falar) e sua aventura contra a Máfia, que controlava o que tocava nas rádios. Ele conta:
“Ao saber que o Dick tinha instruído os colaboradores a não pagar para a execução da música do Pink Floyd, o pessoal da máfia solicitou um encontro com ele. Diante de sua recusa em recebê-los, a máfia deixou o seguinte recado: a música passaria, na semana seguinte, para a 10ª colocação, na outra cairia para a 50ª, na outra semana, para a 94ª, até desaparecer para sempre, apesar da demanda do público.”
(Midani, André. Do vinil ao download. Nova Fronteira.)
 
Aqui no Brasil, a “Máfia” era representada pelos donos das rádios, DJs e pessoal correlato. Pra ter uma ideia, em uma entrevista para a Playboy em Fevereiro de 2006 (edição 368), Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o popular “Tutinha”, dono da Rádio Jovem Pan AM/FM (e criador do incrível Djalma Jorge, vale lembrar), disse (entre outras coisas):
“Sou o mais temido, lógico. Sou assim mesmo. Se não tocar na minha rádio, a Jovem Pan, o artista não estoura. E não sou bonzinho.(…) Me chamem do que quiser. Na minha rádio tem nota fiscal, tô pouco me danando. O cara para entrar no Fantástico também paga. Jabá é quando você faz ilegalmente na empresa. O que eu faço são acordos comerciais.(…) Por exemplo: hoje chegam 30 artistas novos por dia na rádio. Por que eu vou tocar? Eu seleciono dez, mas não tenho espaço para tocar os dez. Aí eu vou nas gravadoras e para aquela que me dá alguma vantagem eu dou preferência.(…) Se você tem um produto novo, você paga pra lançar. Era isso o que eu fazia. Eu tocava, mas queria alguma coisa. Promoção, dinheiro. Ah, bota aí 100 mil reais de anúncio na rádio.”
Deu pra entender, né? Você ainda acredita nas listas do Faustão e outras de mesma natureza? Bem, então vamos partir para o que seria o segundo mecanismo: as vendas de discos. Eis um termômetro que não serve de parâmetro para nada. Basta lembrar que “Xou da Xuxa 3” ainda é um dos discos mais vendidos da nossa história (3 milhões e 216 mil cópias — dados da TV Pesquisa da PUC-Rio), e se você juntar toda a “obra” musical da Xuxa, ela já vendeu mais que a Beyoncé — o que poderia ser algum tipo de orgulho nacional mas não é, uma vez que todos nós sabemos que a Xuxa não é “cantora”. Mas se isso ainda não é argumento para você, vamos voltar à imagem e ao ano de 1987.
 
O “artista do ano” de 1987 (segundo a lista da imagem) foi o Rei, Roberto Carlos. Neste ano, ele lançou o disco “Águia Dourada”, cuja principal música de trabalho foi “Tô chutando lata”. Vamos ouvir essa preciosidade:
  
 
 
 
Digamos que apesar dos bons arranjos, não é assim um dos grandes momentos do Rei. Olha essa letra:
“Que coisa boa você me telefonar Eu ‘tava aqui querendo mesmo te chamar Que coincidência, você me telefonou Na hora exata
Sei que não tenho tido muito tempo pra nós dois Mas de repente deixei tudo pra depois E ‘tô à toa, ‘tou aqui sem fazer nada
Tô chutando lata Vem ficar comigo Tô chutando lata Tô à toa”
O disco é uma sequencia de músicas mais ou menos, como “Águia Dourada”, “O Careta”, “Menina”, “Ingênuo e Sonhador” e tantas outras que já não figuram no set list do Rei há um bom tempo.
 
Já o segundo lugar (ainda segundo a lista da imagem, lembre-se) ficou com o sempre excelente Djavan, e o ótimo “Não é azul mas é mar”. Inquestionável. Só seria melhor se fosse o merecido primeiro lugar, o que sabemos ser impossível em tempos de Roberto Carlos em alta — e aí eu recomendo outro livro, “Pavões Misteriosos” do jornalista André Barcinski, onde ele conta a história de como o Tim Maia contou pro Ritchie como o Rei acabou com ele, apenas pelo fato de “Menina Veneno” ter vendido mais que Roberto Carlos:
“Depois do sucesso de Vôo de Coração, ele nunca mais teria um LP entre os 50 mais vendidos do ano no Brasil. Quando foi gravar o segundo disco, ‘E a Vida Continua’, o cantor sentiu certa má vontade por parte da CBS. ‘Eles não divulgaram o disco, não pareciam interessados’ (…) Não entendia como havia passado, em tão pouco tempo, de prioridade a um estorvo na CBS. Até que leu uma entrevista de Tim Maia à revista IstoÉ, em que o Síndico afirmava que Roberto Carlos, o maior nome da gravadora, havia ‘puxado o tapete’ de Ritchie. ‘Eu não podia acreditar. O Roberto sempre foi muito carinhoso comigo, sempre fez questão de me receber no camarim dele, sempre me tratou muito bem. Até hoje, não acredito que isso tenha partido do Roberto’.
Um dia, Ritchie foi cumprimentar Tim Maia depois de um show no Canecão. O camarim estava lotado. Assim que viu Ritchie, Tim gritou: ‘Agora todo mundo pra fora, que vou receber meu amigo Ritchie, o homem que foi derrubado da CBS pelo Roberto Carlos’.”
(Barcinski, André. Pavões Misteriosos. Três Estrelas.)
 
No livro a história segue, contando que Ritchie também comprou briga com outro Rei, desta vez, o Rei do Jabá: Chacrinha. E, bem… Acabou o Ritchie.
 
Daí você já entendeu que as vendas são manipuladas pelas gravadoras, o que invalida novamente nosso termômetro. E assim, espero que já tenhamos invalidado a lista de 1987. Mas se ainda sobrar dúvidas, perceba que a terceira colocada da lista é a Marisa Monte, cujo primeiro álbum só saiu em 1989, e só era sucesso para o público e crítica que assistiu ao seu show “Veludo Azul” (dirigido pelo Nelson Motta, já que falamos em Jabá), pois antes disso ela estava na Itália.
 
Mas eu falei que entendia a crítica da lista, e realmente entendo. A qualidade da música caiu, e isso não é um efeito brasileiro, é mundial. Estamos esperando os próximos Lennon e Mccartney, Jobim e Vinícius, mas eles não vem. E você acha que a culpa é de quem? Pablo Vittar? Anitta? Nego do Borel? Eis a grande revelação: A CULPA É SUA. Sim, sua. Você que está lendo. Explico.
 
Eu não gosto de Pablo Vittar. Nem de Anitta. Nem de “É o Tchan” ou “Molejo”, que — Deus sabe lá porque, está na moda, graças a Internet. Nem de “Raça Negra”, “Leandro e Leonardo”, “Falamansa” e vários outros que já foram “Artistas do Ano” por listas tão questionáveis quanto esta que estão divulgando. Porém, eu não gosto pelo motivo mais simples possível: não é meu estilo musical. E é só isso. Não sou de uma raça superior, erudito como quem pensa que está sendo repassando essa lista. Os artistas que citei cumprem um papel importante chamado “entretenimento”. Em sua maioria são músicas esquecíveis, que servem para um momento. Ou você conhece alguma outra música além de “Tá tranquilo, tá favorável” do MC Bin Laden? Ou viu alguma aparição recente do Falamansa onde não tocaram o “Xote da Alegria”?
 
E eis o segundo item que você deve questionar: qual a relação da música com a sociedade HOJE. Em 1987, se você ia dar uma festa e fosse cuidadoso, no máximo gravava os melhores Hits em Fitas BASF/TDK de 90 minutos, para trocar poucas vezes durante a festa (se seu Tape Deck fosse bom, a fita até virava sozinha, 90 minutos de música sem parar!), ou ainda levava todos os seus discos (LP, vinil). Eu sou desse tempo. Lembro que ia comprar os discos (poucos, porque eram caros) na Galeria do Rock em São Paulo, e vinha dentro do ônibus já lendo os encartes para saber as letras. Sabia de cor e salteado o que tinha do Lado A e do Lado B. Conhecia cada detalhe da capa, e tudo isso antes mesmo de ouvir o disco. E isso era outro ritual. Colocar o disco, acompanhando as letras, decorando as músicas. “Apreciar” a música.
 
Hoje a música é “consumida” — uma palavra que está em moda. E isto remete exatamente ao que é a música neste cenário — um item de consumo. Sempre foi. Sim, sei que para você a música é mais do que isso, é profunda, toca a alma, como fazem as obras de arte. Mas é um produto, e hoje isso é muito mais claro. Hoje você procura o artista no Spotify e escuta toda a sua discografia. Se estiver dando uma festa, pode deixar tocando por dias, pois o Spotify procura artistas semelhantes (na opinião dele) e você pode dar uma rave de três dias sem mexer no player. O que talvez você não saiba, é que esse tipo de serviço de streaming, como o Spotify, termina de matar os pequenos e novos artistas, pois para conseguir algum retorno financeiro, suas músicas tem que ser executadas muitas vezes. Mas muitas mesmo. Pra ter uma ideia, a Taylor Swift retirou toda sua discografia do Spotify, alegando que o serviço estava minando o ganho do artista (está no Wall Street Journal, escrito pela mesma). Sabe quanto ela estava ganhando? 6 MILHÕES DE DÓLARES (de acordo com o Spotify). Aí eu te pergunto: se está ruim pra Taylor Swift, imagina para o cara que ninguém conhece, que recebe em média entre US$ 0.006 e US$ 0.0084 por cada stream?
 
E aí, anda escutando muito artista novo? Apoiando seu trabalho? Comprando seu CD? Aliás, quanto tempo faz que você não compra um CD? Ou um DVD do seu artista? “Ah, mas eu vou nos shows” — você pode dizer. E aí você cai no mesmo lugar de quem escuta Pablo Vittar: você vai ao show para se divertir, não para ouvir as músicas. Porque se você não é o operador de som do show, meu amigo, você não escuta as músicas.
 
“Arte” para ser “Arte” precisa de três elementos: o artista, o “objeto” artístico e o apreciador. E é por isso que arte nunca é igual para ninguém: cada apreciador recebe a arte de um jeito. E isso não é só com a música. Ou você acha que o filme da Mulher Maravilha ou do Homem-Aranha é uma “obra de arte”? É arte voltada para o entretenimento. Como existe na música. A qualidade musical, em geral, caiu? Caiu. Não discordo disso. As referências vão ficando mais rasas — e quem gosta de música acaba voltando muito no tempo por conta disso, a busca da qualidade. Mas isso é outro assunto.
 
A questão aqui, na divulgação dessa lista, nunca foi se Pablo Vittar é “pior” que Roberto Carlos, citando o seu timbre (que de repente apareceu muito especialista por aí). Mesmo porque o Rei pode ser um grande intérprete e compositor, mas grande “cantor” é questionável. Mas — na minha visão — é muito mais o que Pablo Vittar representa hoje, e não apenas na música. No fim das contas, a lista parece mesmo um “preconceito” meio velado, meio disfarçado. Mas sem politizar a discussão, vamos falar somente de música.
 
O que talvez precisamos compreender é que a relação com a música mudou. Como disse, hoje a música é “consumida”, pois o mundo ficou mais rápido, o acesso ficou mais simples. Muitas vezes, você dá play no seu stream e não sabe o nome da música, do álbum. Muitos desses “MCs” nem lançam disco completo, mas apenas músicas que fazem parte de coletâneas, pois eles vendem entretenimento. Vale assistir ao programa “A Liga”, exibido pela Bandeirantes em Junho de 2010 com o tema “Da Favela à Fama” pra entender como essas músicas são compostas, gravadas e promovidas (aqui tem uma primeira parte, mas você encontra o programa inteiro com relativa facilidade):
 
 
 
 
Repare que eu não estou falando da qualidade musical, mas sim da função social da música. E — assim como eu — a mídia vê isso. As gravadoras, as rádios (que ainda existem, mesmo sem a força de antes), as emissoras de TV sabem o que vende, melhor que você. O que você esquece, é que faz parte disso. Insisto: quanto tempo faz que você não apoia efetivamente os artistas que você gosta? E ainda: qual o seu “guilty pleasure”? Porque você tem, vai. Confesse. Eu conto o meu: eu gosto de “Ace of Base”, uma cópia ruim do ABBA, com músicas disco de qualidade bem duvidosa (aliás, como o ABBA). Nunca fui a um show (nem sei se teve no Brasil), mas comprei um CD certa vez, quando eu já sabia que música além de arte é diversão.
 
Esse tipo de lista, apesar da crítica válida, acaba sendo uma análise muito rasa de todo um comportamento. Não é o retrato de uma geração, é o retrato de um mercado. Quer deixar o cenário equilibrado? Apoie os artistas que você gosta. Mas propagar esse tipo de lista é só mostrar que você é alienado (calma, não é um xingamento). Pare de prestar atenção em quem está cantando, e passe a prestar atenção a quem está ouvindo, e você vai entender. E isso vale pra você também.
 
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