Cloviomar Caranine, economista da entidade, comenta sobre o documento lançado no final de janeiro
Governo estuda privatizar Eletrobrás / Marcos Santos/USP Imagens |
O
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese) lançou, no final de janeiro, uma nota técnica sobre o impacto
das privatizações na economia, explorando a importância das empresas
públicas em diversos países do mundo. Batizado de “Empresas estatais e desenvolvimento”, o documento não só faz análises históricas, como também aborda as medidas do governo Michel Temer na área.
O estudo foi preparado pela equipe do Dieese no Rio de Janeiro,
reunindo especialistas em temas como saneamento, petróleo e produção
energética. Ao Brasil de Fato, Cloviomar Caranine,
economista da entidade e um dos integrantes do grupo que formulou a
nota, explica que no contexto atual há uma ofensiva das empresas sobre
setores públicos, decorrente do excesso de liquidez financeira. Ou seja,
uma busca do setor privado em converter dinheiro em bens.
A busca por empresas públicas, segundo Caranine, tem uma razão óbvia:
elas são lucrativas. Entre 2002 e 2016, as empresas públicas federais
retornaram em média R$ 19 bilhões anualmente ao estado brasileiro em
dividendos.
“Não é verdade que as empresas privadas são mais eficientes que as
públicas. A gente mostra isso. Como os outros países, até mesmo os de
orientação neoliberal, tratam suas empresas estatais e qual o papel
delas lá? Elas são importantes e esses países têm elas enquanto
estratégicas. Ela pode ser usada como política do governo para fazer
avançar o atendimento à população e também como uma importante alavanca
de desenvolvimento. Alguns países que lá atrás tomaram a decisão de
privatizar alguns setores, agora estão reestatizando”, diz.
Um dos exemplos de reestatização que vem ocorrendo no mundo é o de
fornecimento de água e saneamento, o que põe o país na contramão
mundial. “O mundo está estatizando, o Brasil está privatizando”, resume
ele.
O economista cita uma série de razões para manutenção de empresas
públicas, relacionadas à soberania nacional. Segundo ele, investimentos
de longo prazo não são assumidos pela iniciativa privada, como a
construção de usina hidrelétricas e a pesquisa que levou à descoberta do
pré-sal. Outro elemento é garantir os serviços essenciais à vida, como
saúde, educação, água e energia. O último ponto trazido por Caranine é a
possibilidade de evitar monopólios privados, como no setor bancário.
Conjuntura
O integrante do Dieese rebate os argumentos do Planalto para realizar
as privatizações. Além das já realizadas, o governo federal tem em sua
agenda a privatização da Eletrobras, estatal de energia.
"O que está acontecendo é que o governo vive uma dificuldade em
relação ao ajuste fiscal. Há menor arrecadação e seus gastos se mantendo
ou crescendo. Há, portanto, déficit. Como saída, o governo Temer faz
uma opção de, por um lado, tentar estimular o investimento privado e,
por outro, aumentar a arrecadação vendendo as empresas estatais. Como
efeito, há forte redução da presença de empresas estatais e públicas na
prestação de serviços à sociedade. Isso já está acontecendo. Segundo,
uma maior dependência de investimento, recurso e até produtos e serviços
estrangeiros”, diz.
Na questão da dependência, ele cita o exemplo dos derivados do
Petróleo, que gera consequências diretas ao consumidor. “O Brasil está
tomando a decisão de reduzir a Petrobras, reduzir seu refino e a oferta
de derivados do petróleo, para atrair empresas, que vão importar. Um dia
desses teve um furacão nos Estados Unidos e o preço da gasolina subiu
no Brasil e houve risco de faltar gasolina. O Brasil está importando e
poderia estar refinando”, aponta.
Caranine afirma que é cedo para apontar todos os possíveis efeitos
das privatizações promovidas por Temer, mas afirma que historicamente
elas sequer resolvem os problemas fiscais citados pelo governo. Ele
lembra que em 1995 a dívida pública representava 28% do Produto Interno
Bruto. Em 2003, após o processo de privatizações no governo FHC, a
dívida atingiu o patamar de 52%.
Em sua visão, isto ocorre pois as privatizações não tocam o rentismo,
principal problema econômico do país. A lógica é simples: com o aumento
de 1% na taxa de juros, diz ele, a dívida aumenta em um ano o
equivalente ao valor de uma empresa pública.
Edição: Simone Freire