Em 30 de março de 2020
por Vera Lúcia do Amaral
Um dos sintomas mais caros da psicopatologia, quando se estuda as
psicoses, é o delírio. Esse é o sintoma mais importante dessas
enfermidades mentais.
Popularmente, quando dizemos que uma pessoa “está delirando”,
geralmente nos referimos àquelas pessoas que estão falando coisas sem
sentido ou absurdas.
O delírio é um pouco isso mesmo, mas é mais que isso. O delírio
define a psicose porque é a interpretação que o psicótico faz sobre o
seu entorno. No entanto, essa interpretação não condiz em nada com a
realidade do mundo onde ele vive. Ou seja, o delirante fala de fato
coisas absurdas ou “loucas”, acha que o mundo o persegue ou acha que uma
pessoa específica é a causa de todos os problemas do mundo.
Quem já conviveu com psicótico sabe que não adianta argumentar e
contrariar o que ele está dizendo. Uma das características fundamentais
do delírio é a sua irredutibilidade à argumentação lógica. O pensamento
delirante é forte, é definitivo, é irremovível. E é assim porque o
delirante construiu o seu mundo dentro dessa realidade paralela. Esse é o
seu mundo, os outros é que estão interpretando tudo errado.
Assim, em psiquiatria aprendemos que não adianta em nada tentar
“tirar” dos psicóticos aquelas “ideias malucas”. Aquele é o mundo dele!
Ele não pode abrir mão daquelas idéeias sob pena de não saber mais
explicar o seu mundo, nada mais fazer sentido na sua realidade.
Bem, talvez aqui vocês já estejam compreendendo onde quero chegar: o
pensamento da extrema direita bolsonarista é em tudo semelhante ao
pensamento delirante. Através do discurso do seu chefe foi se
construindo, desde 2018, uma realidade paralela em que o grande
perseguidor é Lula, o PT e os “comunistas”. Essas ideias são de tal modo
arraigadas e tão fortemente compartilhadas que são – tal qual o delírio
– irremovíveis. Não adianta argumentar, não adianta mostrar a falta de
lógica do pensamento deles. Não há diálogo com delirantes.
Se o pensamento delirante de um indivíduo é forte, imagine se,
hipoteticamente, ele encontra eco e aceitação em um grupo. Isso não
acontecem bem com psicóticos, já que cada um tem seu mundo próprio. O
grupo passa a se retro-alimentar do delírio, um do outro, e se cria todo
um sistema delirante.
É isso que estamos vivendo com bolsominions que insistem em negar a cagada que fizeram.
Por isso, para sua própria saúde mental, não tente argumentar com um bolsominion. Não vai adiantar de nada.
VERA LÚCIA DO AMARAL é psiquiatra, professora universitária e doutora em educação pela UFRN