Casal
já ganha o equivalente a R$ 142 mil ao mês do governo e deverá receber
mais com a nova gestação; Cheryl e Robert nunca usaram camisinha em suas
relações, mas afirmam que não têm filhos de propósito
Um casal que já possui nove filhos e vive com a ajuda do
governo de Kent, na Inglaterra, revelou, nesta sexta-feira, que
aumentará ainda mais a família. Cheryl Prudham, de 32 anos, está grávida
novamente e espera gêmeos. As informações são do Daily Mail.
Cheryl e seu marido, Robert, de 29 anos, recebem 38.000
libras (cerca de R$ 142.540) em doações do governo para sustentar a
família. Com a nova gestação, o casal deve receber mais 1.400 libras
(cerca de R$ 5.200).
Eles afirmam que não têm filhos de propósito e que
tentam evitar a gravidez com pílulas anticoncepcionais. No entanto,
Cheryl diz que o remédio não causa efeito em seu organismo. Mesmo assim,
eles nunca pensaram em usar camisinha. "Eu e Rob nunca conversamos
sobre isso", disse a mãe da família.
Meses atrás, a família ganhou uma casa maior para
acomodar os filhos. Para incrementar a renda familiar, Cheryl e Robert
têm empregos de meio período, mas não ganham salários altos. Por terem
uma renda inferior à 1.400 libras por mês, eles não precisam declarar o
imposto de renda.
Nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se
registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás
na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países
estabelecem 18 anos como idade penal mínima
Por Frei Betto
Voltou à pauta do Congresso, por insistência do PSDB, a proposta de criminalizar menores de 18 anos via redução da maioridade penal.
De que adianta? Nossa legislação já responsabiliza toda pessoa acima
de 12 anos por atos ilegais. Segundo o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o menor infrator deve merecer medidas socioeducativas, como
advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à
comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. A medida é
aplicada segundo a gravidade da infração.
Nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou
redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão
de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18
anos como idade penal mínima.
O índice de reincidência em nossas prisões é de 70%. Não existe, no
Brasil, política penitenciária, nem intenção do Estado de recuperar os
detentos. Uma reforma prisional seria tão necessária e urgente quanto a
reforma política. As delegacias funcionam como escola de ensino
fundamental para o crime; os cadeiões, como ensino médio; as
penitenciárias, como universidades.
O ingresso precoce de adolescentes em nosso sistema carcerário só
faria aumentar o número de bandidos, pois tornaria muitos deles
distantes de qualquer medida socioeducativa. Ficariam trancafiados como
mortos-vivos, sujeitos à violência, inclusive sexual, das facções que
reinam em nossas prisões.
Já no sistema socioeducativo, o índice de reincidência é de 20%, o que indica que 80% dos menores infratores são recuperados.
Nosso sistema prisional já não comporta mais presos. No Brasil, eles
são, hoje, 500 mil, a quarta maior população carcerária do mundo.
Perdemos apenas para os EUA (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia
(740 mil).
Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, e não a causa. Ninguém
nasce delinquente ou criminoso. Um jovem ingressa no crime devido à
falta de escolaridade, de afeto familiar, e por pressão consumista que o
convence de que só terá seu valor reconhecido socialmente se portar
determinados produtos de grife.
Enfim, o menor infrator é resultado do descaso do Estado, que não
garante a tantas crianças creches e educação de qualidade; áreas de
esporte, arte e lazer; e a seus pais trabalho decente ou uma renda
mínima para que possam subsistir com dignidade em caso de desemprego.
Segundo o PNAD, o adolescente que opta pelo ensino médio, aliado ao
curso técnico, ganha em média 12,5% a mais do que aquele que fez o
ensino médio comum. No entanto, ainda são raros cursos técnicos no
Brasil.
Hoje, os adolescentes entre 14 e 17 anos são responsáveis por
consumir 6% das bebidas vendidas em todo o território nacional. A quem
caberia fiscalizar? Por que se permite que atletas e artistas de renome
façam propaganda de cerveja na TV e na internet? A de cigarro está
proibida, como se o tabaco fosse mais nocivo à saúde que o álcool.
Alguém já viu um motorista matar um pedestre por dirigir sob o efeito do
fumo?
Pesquisas indicam que o primeiro gole de bebidas alcoólicas ocorre
entre os 11 e os 13 anos. E que, nos últimos anos, o número de mortes de
jovens cresceu 15 vezes mais do que o observado em outras faixas
etárias. De 15 a 19 anos, a mortalidade aumentou 21,4%.
Portanto, não basta reduzir a maioridade penal e instalar UPPs em
áreas consideradas violentas. O traficante não espera que seu filho seja
bandido, e sim doutor. Por que, junto com a polícia pacificadora, não
ingressam, nas áreas dominadas por bandidos, escolas, oficinas de
música, teatro, literatura e praças de esportes?
Punidos deveriam ser aqueles que utilizam menores na prática de
crimes. E eles costumam ser hóspedes do Estado que, cego, permite que
dentro das cadeias as facções criminosas monitorem, por celulares, todo
tipo de violência contra os cidadãos.
Que tal criminalizar o poder público por conivência com o crime
organizado? Bem dizia o filósofo Carlito Maia: “O problema do menor é o
maior.”
Internautas foram intimados pela justiça após
espalharem mentiras sobre filho de Lula, como a que ele seria dono de
castelo e tinha negócios com a Friboi. Entre os acusados está Daniel
Graziano, gerente financeiro do Instituto Fernando Henrique Cardoso
(iFHC)
Foto da Escola Superior de Agricultura de
Piracicaba (Elsalq) foi divulgada na internet como sendo o “castelo do
filho de Lula” (Arquivo)
De acordo com reportagem publicada no jornal Brasil Econômico, o
filho do ex-presidente Lula, Fábio Luís Lula da Silva, pediu a abertura
de um inquérito no 78º DP, da cidade de São Paulo, para que sejam
identificados os responsáveis pela circulação de boatos contra ele
divulgados nas redes sociais. De acordo com internautas, Fábio da Silva
deveria “estar cuidando de suas fazendas ou administrando os negócios da
Friboi” ao invés de acompanhar o pai durante a entrevista.
Entre os vários boatos que têm o filho do ex-presidente como alvo, o
mais conhecido é o de que ele seria dono de um “castelo” (foto acima),
quando, na verdade, o imóvel que ilustra a foto é a Escola Superior de Agricultura
(Elsalq), de Piracicaba (SP). Outras postagens dão conta de que Fábio
da Silva é dono de aviões, empresas e grandes lotes de terra.
Até o momento, seis internautas já foram convocados para depor,
deles, apenas um ainda não compareceu: trata-se de Daniel Graziano,
gerente administrativo e financeiro do Instituto Fernando Henrique
Cardoso (iFHC). Roger Lapan, Adrito Dutra Maciel, Silvio Neves, Paulo
Cesar Andrade Prado e Sueli Vicente Ortega já foram interrogados, e
declararam que acreditavam serem verdadeiras as histórias a respeito das
posses do filho de Lula e que “não pensaram” na hora de fazer as
postagens.
O advogado de Fábio Luís Lula da Silva declarou que vai aguardar o
resultado das investigações para então decidir se vai propor uma ação
contra as pessoas que difamaram o seu cliente.
O que estamos vendo por aí, quanto ao caso do menino amarrado ao
poste e à Rachel Sheherazade, é um apanhado de polêmicas, piadas, memes e
discussões sem origem nem fim. Mesmo que nenhum de nós simples
internautas sejamos mestres ou doutores, e temos nossas experiências de
vida e opiniões formadas para argumentar, a favor ou contra, algum
assunto. Só que, de vez em quando, aparece alguém que pode colocar
algumas coisas em perspectiva. Foi o que tentou o Professor David
Borges, da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), em um post no
Facebook. Ele usou argumentos claros e replicou pensamentos de grandes
nomes da filosofia para argumentar contra a atitude de Raquel, e dos so called justiceiros, confira:
Para quem tem dificuldade de entender o motivo pelo qual Rachel Sheherazade recebeu tantas críticas:
1 – O pensamento dela parte de uma visão distorcida de um
filósofo chamado Thomas Hobbes (1588-1679). Resumidamente falando,
Hobbes afirmava que o ser humano em “estado de natureza” (sem uma
estrutura política que o limite) iria sempre perseguir a satisfação de
seus desejos, o que resultaria em incessantes conflitos entre as pessoas
quando o desejo de um entrasse em conflito com o do outro. Isso
resultaria em uma “guerra de todos contra todos”, e daí deriva a
necessidade de um estado forte – e absolutista – que através de sua
enorme força repressiva conseguisse limitar os conflitos e assim
preservar a integridade física das pessoas – ao custo de sua liberdade. O
erro de Rachel Sheherazade nesse aspecto: Hobbes nunca defendeu que os
cidadãos seriam capazes de executar “justiça” por conta própria – pelo
contrário, considerava que a população em geral é intelectualmente
incapaz para discernir sobre questões de justiça, e que todos (sem
exceção) possuem o mesmo potencial para serem violentos e despóticos em
relação aos seus pares.
2 – Quando ela fala sobre o governo ter desarmado os cidadãos e
sobre o grupo de justiceiros estar usando de “legítima defesa”, está
usando uma interpretação igualmente distorcida de outro filósofo do
período moderno, chamado John Locke (1632-1704). Locke afirmava que todo
cidadão deveria possuir meios de defender suas propriedades. Mas para
Locke a PRINCIPAL propriedade de um ser humano é seu próprio corpo, e
este é inviolável – com esse argumento Locke se opôs fortemente à
tortura, à pena de morte, a castigos físicos em prisioneiros e à
escravidão como fora praticada nas Américas (ele admitia a possibilidade
de trabalhos forçados como reparação para crimes contra indivíduos). Na
verdade, para Locke o direito à propriedade material nada mais é do que
uma “extensão” dos direitos de se auto-possuir (ou seja, propriedade
sobre o próprio corpo), então os bens materiais são secundários em
relação à integridade física, que seria INVIOLÁVEL. O pensamento de
Locke é a base sobre a qual começou a ser construída a noção de direitos
humanos, que pessoas como Rachel Sheherazade – e aqueles que a aplaudem
– rejeitam (mesmo sem saberem do que se trata).
3 – Quando ela defende que alguém seja capaz de determinar quem é
culpado ou inocente, julgar qual seria a pena aplicável e executá-la,
está violando um dos fundamentos mais básicos de toda a organização
política ocidental: a divisão de poderes. Essa noção se iniciou com
Locke (já citado) mas foi aprimorada por um pensador chamado Montesquieu
(1689-1755). Para Locke, quanto mais “fraco” for o estado, menor a
possibilidade dele se tornar tirânico e abusar do cidadão (o que é uma
crítica ao que Hobbes, também já citado, defendia). Montesquieu formulou
que o estado deveria, portanto, ser dividido em três seções distintas,
cada uma com função diferente: aquela que faz leis, aquela que julga as
relações entre cidadãos de acordo com as leis já existentes, e aquela
que executa as leis e os julgamentos. Aquilo que hoje chamamos de
Legislativo, Judiciário e Executivo, respectivamente. Ao defender a
atitude dos justiceiros (ou de policiais que realizam execuções sumárias
– coisa que ela também já defendeu), ela está eliminando essa divisão
de poderes: o mesmo que determina regras, julga; o mesmo que julga,
executa. A consequência, clara, é a de que alguém que faça essas três
coisas ao mesmo tempo passa a ter poder de vida ou morte sobre outro
cidadão, sem necessariamente ter preparo ou legitimidade para isso – ou
seja, nada mais é do que um déspota. E não faltam exemplos históricos
disso: todas as ditaduras da história se basearam na falta de limites
entre essas três funções.
4 – Quando ela afirma que o fato do rapaz ter fugido
imediatamente ao invés de ter prestado queixa é um indício de que ele
era culpado de algo, está simplesmente sendo burra: após ser espancado,
ter sua orelha arrancada e ser acorrentado nu a um poste – pelo pescoço –
alguém em sã consciência iria permanecer no local? Ainda mais sabendo
que os mesmos a quem ele deveria reclamar poderiam fazer a mesma coisa
novamente, ou podem ter sido coniventes com o que já havia ocorrido? E o
fato de que os agressores provavelmente estavam nas redondezas?
Qualquer um fugiria correndo em pânico assim que a corrente fosse
serrada.
5 – A frase “o contra-ataque aos bandidos é o que chamo de
legítima defesa coletiva de uma sociedade sem estado contra um estado de
violência sem limite” é ABSURDAMENTE parecida com as frases usadas por
alguns dos movimentos mais violentos da história. Cito como exemplos a
Ku Klux Klan (que existe até hoje) e os Nazistas à época da Segunda
Guerra Mundial – podem procurar vídeos a respeito no youtube. TODOS os
movimentos de “limpeza social” se justificam afirmando que estão apenas
se defendendo contra uma ameaça externa. Inúmeros grupos terroristas
islâmicos emitem exatamente o mesmo tipo de discurso, e se justificam da
mesma forma. A ditadura no Brasil também foi instaurada para
supostamente livrar o país da “ameaça” do “comunismo” – e, até onde
sabemos, deixou 20 anos de repressão, 457 mortos (confirmados) e pelo
menos mil outros “desaparecidos” políticos, além de um grande número de
exilados.
6 – Em seu discurso ela propôs que fossem jogados fora todos os
fundamentos da constituição brasileira, além de nossos códigos penal,
processual e civil.
7 – Ela não atentou para o fato de que os “justiceiros” também
cometeram vários crimes graves, e que por isso são potencialmente tão
perigosos para a sociedade quanto o homem que “puniram”.
8 – Quando falou sobre defensores dos direitos humanos,
demonstrou não conhecer SEQUER o conceito de “direitos humanos”. Ela e
seus admiradores acreditam que “direitos humanos” é o nome de alguma
coisa genérica que só aparece em casos que envolvem criminalidade, e
sempre para defender a parte “errada” da história. Desconhece, por
exemplo, que é por causa do conceito de direitos humanos que as pessoas
não podem mais ser escravizadas, que é proibido chicotear alguém para
que trabalhe mais, que jornadas de trabalho são limitadas a um
determinado número de horas, que ninguém pode ser preso sem
justificativa, que todos devem ter direito a um julgamento justo e a
ampla defesa, que tortura não é aprovada como método de interrogatório,
que o governante não pode ordenar a execução sumária de alguém que não
goste, que o estado deve providenciar o mínimo necessário para a
sobrevivência e a educação das crianças, que jovens menores de idade não
podem ser vendidas para casar, que o governante não pode exigir de um
casal recém-casado que a mulher passe a noite de núpcias com ele… coisas
que afetam o cidadão comum, que poderia ainda estar sendo vítima disso
tudo – como já aconteceu em outros momentos históricos.
Ou seja, a mentalidade de Rachel Sheherazade precisa alcançar, NO
MÍNIMO, o século DEZESSETE. E eu nem entrei em outros pormenores, como
os fundamentos da ética kantiana (que também é base da concepção de
direitos humanos), da ética cristã (ela alega ser cristã), dos crimes
que ela cometeu ao falar aquelas barbaridades em rede nacional
(incitação ao ódio e apologia ao crime), do fato de que a criminalidade é
fruto de condições sociais e por isso o indivíduo que se torna
criminoso não tem total controle sobre sua escolha (coisa que se sabe
desde o século XIX), que o sentimento de revanchismo pode levar a
população a um “comportamento de massa” que resulte em um movimento
totalitário (fenômeno que ocorreu na Segunda Guerra Mundial, mas só foi
explicado academicamente na década de 50), e assim sucessivamente.
No final das contas, quando você concorda com Rachel Sheherazade isso diz muito mais a seu respeito do que a respeito dela.
É algo para nos fazer pensar, não? Afinal de contas, também não dá
pra endemonizar uma pessoa por todo um pensamento que vem sendo
replicado há anos de forma errada. Dá?
Em 1964, um golpe de estado que derrubou o presidente João
Goulart e instaurou uma ditadura no Brasil. O regime autoritário militar
durou até 1985. Censura, exílio, repressão policial, tortura, mortes e
“desaparecimentos” eram expedientes comuns nesses “anos de chumbo”.
Porém, apesar de toda documentação e testemunhos que provam os crimes
cometidos durante o Estado de exceção, tem gente que acha que naquela
época “o Brasil era melhor”. Mas pesquisas da época – algumas divulgados
só agora, graças à Comissão Nacional da Verdade – revelam que o período não trouxe tantas vantagens para o país.
Nas últimas semanas, recebemos muitos comentários saudosistas em
relação à ditadura na página da SUPER no Facebook. Em uma época em que
não é incomum ver gente clamando pela volta do regime e a por uma nova
intervenção militar no país, decidimos falar dos mitos sobre a ditadura
em que muita gente acredita.
1. “A ditadura no Brasil foi branda”
Foto: Auremar de Castro/DEDOC Abril
Pois bem, vamos lá. Há quem diga que a ditadura brasileira teria sido
“mais branda” e “menos violenta” que outros regimes latino-americanos.
Países como Argentina e Chile, por exemplo, teriam sofrido muito mais em “mãos militares”. De fato, a ditadura nesses países também foi sanguinária. Mas repare bem: também foi. Afinal, direitos fundamentais do ser humano eram constantemente violados por aqui: torturas e assassinatos de presos políticos – e até mesmo de crianças – eram comuns nos “porões do regime”. Esses crimes contra a humanidade, hoje, já são admitidos até mesmo pelos militares (veja aqui e aqui). Para quem, mesmo assim, acha que foi “suave” a repressão, um estudo do governo federal analisou relatórios
e propõe triplicar a lista oficial de mortos e desaparecidos políticos
vítimas da ditadura militar. Ou seja: de 357 mortos e desaparecidos com
relação direta ou indireta com a repressão da ditadura (segundo a lista
da Secretaria de Direitos Humanos), o número pode saltar para 957
mortos.
2. “Tínhamos educação de qualidade”
Naquele época, o “livre-pensar” não era, digamos, uma prioridade
para o regime. Havia um intenso controle sobre informações e ideologia –
o que engessava o currículo – e as disciplinas de filosofia e
sociologia foram substituídas por Educação, Moral e Cívica e por OSPB
(Organização Social e Política Brasileira, uma matéria obrigatória em
todas as escolas do país, destinada à transmissão da ideologia do regime
autoritário). Segundo o estudo “Mapa do Analfabetismo no Brasil”, do
Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do
Ministério da Educação, o Mobral (Movimento Brasileiro para
Alfabetização) fracassou. O Mobral era uma resposta do regime militar ao
método do educador Paulo Freire – considerado subversivo -,
empregado, já naquela época, com sucesso no mundo todo. Mas os problemas
não paravam por aí: com o baixo índice de investimento na escola
pública, as unidades privadas prosperaram. E faturaram também. Esse
“sucateamento” também chegou às universidades: foram afastadas dos
centros urbanos – para evitar “baderna” – e sofreram a imposição do
criticado sistema de crédito.
3. “A saúde não era o caos de hoje”
Se hoje todo mundo reclama da “qualidade do atendimento” e das “filas
intermináveis” nos hospitais e postos de saúde, imagina naquela época.
Para começar, o acesso à saúde era restrito: o Inamps (Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) era responsável
pelo atendimento público, mas era exclusivo aos trabalhadores formais.
Ou seja, só era atendido quem tinha carteira de trabalho assinada. O
resultado era esperado: cresceu a prestação de serviço pago, com
hospitais e clínicas privadas. Essas instituições abrangeram, em 1976, a
quase 98% das internações. Planos de saúde ainda não existiam e o saneamento básico chegava a poucas localidades, o que aumentava o número de doenças. Além disso, o modelo hospitalar adotado relegava a assistência primária a segundo plano, ou seja, para os militares era melhor remediar que prevenir.
O tão criticado SUS (Sistema Único de Saúde) – que hoje atende cerca de
80% da população – só foi criado em 1988, três anos após o fim da
ditadura.
4. “Não havia corrupção no Brasil”
Arquivo Editora Bloch/Veja Rio/DEDOC Abril
Uma características básica da democracia é a participação da
sociedade civil organizada no controle dos gastos, denunciando a
corrupção. E em um regime de exceção, bem, as coisas não funcionavam exatamente
assim. Não havia conselhos fiscalizatórios e, depois da dissolução do
Congresso Nacional, as contas públicas não eram sequer analisadas,
quanto mais discutidas. Além disso, os militares investiam bilhões e
bilhões em obras faraônicas – como Itaipu, Transamazônica e Ferrovia do
Aço -, sem nenhum controle de gastos. Esse clima tenso de “gastos
estratosféricos” até levou o ministro Armando Falcão, pilar da ditadura,
a declarar que “o problema mais grave no Brasil não é a subversão. É a
corrupção, muito mais difícil de caracterizar, punir e erradicar”. Muito pouco se falava em corrupção. Mas não significa que ela não estava lá. Experimente
jogar no Google termos como “Caso Halles”, “Caso BUC” e “Caso
UEB/Rio-Sul” e você nunca mais vai usar esse argumento.
5. “Os militares evitaram a ditadura comunista”
É fato: o governo do presidente João Goulart era constitucional.
Seguia todo à risca o protocolo. Ele chegou ao poder depois da renúncia
de Jânio Quadros, de quem era vice. Em 1955, foi eleito vice-presidente
com 500 mil votos a mais que Juscelino Kubitschek. Porém, quando Jango
assumiu a Presidência, a imprensa bateu na tecla de que em seu governo
havia um “caos administrativo” e que havia a necessidade de
reestabelecer a “ordem e o progresso” através de uma intervenção
militar. Foi criada, então, a ideia da iminência de um “golpe comunista”
e de um alinhamento à URSS, o que virou motivo para a intervenção.
Goulart não era o que se poderia chamar de marxista. Antes de ser
presidente, ele fora ministro de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek e
estava mais próximo do populismo. Em entrevista inédita recentemente divulgada,
o presidente deposto afirmou que havia uma confusão entre “justiça
social” – o que ele pretendia com as Reformas de Base – e comunismo, ideia que ele não compartilhava: “justiça social não é algo marxista ou comunista”, disse. Há também outro fator: pesquisas feitas pelo Ibope às vésperas do golpe,
em 31 de março, mostram que Jango tinha um amplo apoio popular,
chegando a 70% de aprovação na cidade de São Paulo. Esta pesquisa,
claro, não foi revelada à época, mas foi catalogada pela Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP).
6. “O Brasil cresceu economicamente”
Um grande legado econômico do regime militar é indiscutível: o aumento da dívida externa, que permaneceu impagável por toda a primeira década de redemocratização.
Em 1984, o Brasil devia a governos e bancos estrangeiros o equivalente a
53,8% de seu Produto Interno Bruto (PIB). Sim, mais da metade do que
arrecadava. Se transpuséssemos essa dívida para os dias de hoje, seria
como se o Brasil devesse US$ 1,2 trilhão, ou seja, o quádruplo da atual
dívida externa. Além disso, o suposto “milagre econômico brasileiro” –
quando o Brasil cresceu acima de 10% ao ano – mostrou que o bolo crescia sim, mas poucos podiam comê-lo.
A distribuição de renda se polarizou: os 10% dos mais ricos que tinham
38% da renda em 1960 e chegaram a 51% da renda em 1980. Já os mais
pobres, que tinham 17% da renda nacional em 1960, decaíram para 12% duas
décadas depois. Quer dizer, quem era rico ficou ainda mais rico e o pobre, mais pobre
que antes. Outra coisa que piorava ainda mais a situação do população
de baixa renda: em pleno milagre, o salário mínimo representava a metade
do poder de compra que tinha em 1960.
7. “As igrejas apoiaram”
Sim, as igrejas tiveram um papel destacado no apoio ao golpe. Porém,
em todo o Brasil, houve religiosos que criaram grupos de resistência,
deixaram de aceitar imposições do governo, denunciaram torturas, foram
torturados e mortos e até ajudaram a retirar pessoas perseguidas pela
ditadura no país. Inclusive, ainda durante o regime militar, uma das
maiores ações em defesa dos direitos humanos – o relatório “Brasil:
Nunca Mais” – originou-se de uma ação ecumênica, desenvolvida por dom
Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor presbiteriano
Jaime Wright. Realizado clandestinamente entre 1979 e 1985, gerou uma
importante documentação sobre nossa história, revelando a extensão da
repressão política no Brasil.
8. “Durante a ditadura, só morreram vagabundos e terroristas”
Esse é um argumento bem fácil de encontrar em caixas de comentário da
internet. Dizem que quem não pegou em armas nunca foi preso, torturado
ou morto pelas mãos de militares. Provavelmente, quem acredita nisso não
coloca na conta o genocídio de povos indígenas na Amazônia durante a
construção da Transamazônica. Segundo a estimativa apresentada na
Comissão da Verdade, 8 mil índios morreram entre 1971 e 1985.
Isso sem contar as outras vítimas da ditadura que não faziam parte da
guerrilha. É o caso de Rubens Paiva. O ex-deputado, cassado depois do
golpe, em 1964, foi torturado porque os militares suspeitavam que,
através dele, conseguiriam chegar a Carlos Lamarca, um dos líderes da
oposição armada. Não deu certo: Rubens Paiva morreu durante a tortura. A
verdade sobre a morte do político só veio à tona em 2014. Antes disso,
uma outra versão (bem mal contada) dizia que ele tinha “desaparecido”. Para
entrar na mira dos militares durante a ditadura, lutar pela democracia –
mesmo sem armas na mão – já era motivo o suficiente.
9. “Todos os militares apoiaram o regime”
Ser militar na época não era sinônimo de golpista, claro. Havia uma
corrente de militares que apoiava Goulart e via nas reformas de base um
importante caminho para o Brasil. Houve focos de resistência em São
Paulo, no Rio de Janeiro e também no Rio Grande do Sul, apesar do
contragolpe nunca ter acontecido. Durante o regime, muitos militares
sofreram e estima-se que cerca 7,5 mil membros das Forças Armadas e bombeiros foram perseguidos, presos, torturados ou expulsos
das corporações por se oporem à ditadura. No auge do endurecimento do
regime, os serviços secretos buscavam informações sobre focos da
resistência militar, assim como a influência do comunismo nos
sindicatos, no Exército, na Força Pública e na Guarda Civil.
10. “Naquele tempo, havia civismo e não tinha tanta baderna como greves e passeatas”
Estudantes que participavam de uma reunião da UNE são presos no interior de São Paulo. Foto: Cristiano Mascaro/DEDOC Abril
Quando os militares assumiram o poder, uma das primeiras medidas que
tomaram foi assumir a possibilidade de suspensão dos diretos políticos
de qualquer cidadão. Com isso, as representações sindicais foram
duramente afetadas e passaram a ser controladas com pulso forte pelo
Ministério do Trabalho, o que gerou o enfraquecimento dos sindicatos,
especialmente na primeira metade do período de repressão. Afinal, para
que as leis trabalhistas vigorem, é necessário que se judicializem e que
os patrões as respeitem. Com essa supressão, os sindicatos passaram a
ser compostos mais por agentes do governo que trabalhadores. E os
direitos dos trabalhadores foram reduzidos à vontade dos patrões.
Passeatas eram duramente repreendidas. Quando o estudante Edson Luísa de
Lima Souto foi morto em uma ação policial no Rio de Janeiro, multidões
foram às ruas no que ficou conhecido com o a Passeata dos Cem Mil. Nos
meses seguintes, a repressão ao movimento estudantil só aumentou. As ações militares contra manifestações do tipo culminaram no AI-5. O que aconteceu daí para a frente você já sabe.
Mas, se você já esqueceu ou ainda não está convencido, confira uma linha do tempo da ditadura militar nesse especial que a SUPER preparou sobre o período. Não deixe de jogar “De volta a 1964″, o jogo que mostra qual teria sido sua trajetória durante as duas décadas do regime militar no Brasil.
Fontes: Folha, Estadão, EBC, Brasil Post, Pragmatismo Político, O Globo, R7
Fernando Nakagawa* - Correspondente - O Estado de S.Paulo
LONDRES - A milhares de quilômetros de Nova York, uma
agência de classificação de risco vê o Brasil em posição muito mais
confortável do que a Standard & Poor's, a Moody's e a Fitch. Para a
chinesa Dagong Global Credit Rating, o Brasil tem rating "A-". Assim, a
agência de classificação de risco estatal da China coloca o Brasil três
patamares acima da avaliação anunciada na segunda-feira pela Standard
& Poor's.
Ao contrário dos comentários duros contra o governo brasileiro, a
Dagong tem avaliação mais amena. A última revisão da nota brasileira
ocorreu em janeiro, quando reafirmou a nota "A-" e disse que o ambiente
para a dívida brasileira é relativamente estável. "A situação política
basicamente estável do Brasil e a vantagem da atual presidente Dilma
Rousseff na eleição presidencial são fatores favoráveis para a
continuidade e estabilidade das políticas", diz relatório divulgado em
Pequim.
Os analistas chineses reconhecem, porém, que nem tudo são flores. "O
ambiente político interno complexo constrange as reformas estruturais de
longo prazo, que são repletas de grandes dificuldades."
Em um ponto Dagong e S&P concordam: a política fiscal. "O déficit
fiscal e a situação da dívida pioraram de forma consistente. Afetados
pelo gasto que aumentou significativamente, o déficit público aumentou
para o equivalente a 3% do PIB em 2013", diz a Dagong. Economistas da
agência preveem que a dívida pública subirá para 68,2% do PIB em 2014.
Criada em 1994 pelo governo, a Dagong é a resposta de Pequim às
agências ocidentais. Com critérios diferentes dos usados pelas
concorrentes, a agência se gaba de ter sido a primeira a rebaixar a nota
soberana dos EUA - movimento seguido por S&P, Moody's e Fitch.
Economia & Negócios | N° Edição: 2314
| 28.Mar.14 - 20:50
| Atualizado em 01.Abr.14 - 10:54
Agência Standard & Poor's rebaixa
nota de avaliação da economia brasileira, mas empresários, políticos e o
mercado financeiro não levam seus prognósticos a sério
Na
segunda-feira 24, um anúncio feito pela agência americana Standard &
Poor’s (S&P) surpreendeu até mesmo os críticos da política
econômica do governo Dilma Rousseff. A agência rebaixou a nota de
crédito do Brasil de BBB para BBB-. Em bom português significa que, para
a S&P, investir no Brasil passou a ser tão arriscado quanto colocar
dinheiro na Espanha, ainda mergulhada na crise financeira que varreu a
Europa, ou nas Filipinas, país sem relevância econômica global. “O
rebaixamento reflete a combinação de derrapagem fiscal, a perspectiva de
que a execução fiscal permanecerá fraca, em meio a um crescimento
moderado nos próximos anos”, justificou a agência. O diagnóstico
nebuloso, no entanto, provocou um efeito contrário no mercado financeiro
brasileiro. Nos dias seguintes à decisão, o real se valorizou e a bolsa
de São Paulo acumulou altas seguidas. O veredicto definitivo sobre o
rebaixamento da nota brasileira foi dado pelo empresário Abilio Diniz,
presidente do conselho de administração da BRF. “Isso, para mim (a
alteração da nota brasileira), não significa nada”, disse Abilio em um
seminário.
ANÁLISE INCONSISTENTE
Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o rebaixamento
não condiz com a solidez da economia brasileira
A indiferença de um empresário do porte de
Diniz pode ser explicada pela falta de credibilidade das agências de
classificação de risco. Nos últimos anos, elas mais erraram do que
acertaram. Quando erraram, foi para valer. A própria Standard &
Poor’s cometeu uma barbeiragem histórica. Ela não só foi incapaz de
prever a crise de 2008 como, ao contrário, avaliou de maneira positiva o
Lehman Brothers no mesmo mês em que o banco quebrou, levando consigo
uma série de outras empresas e desencadeando a crise das hipotecas
imobiliárias nos Estados Unidos. Não por acaso, economistas renomados, a
exemplo do Prêmio Nobel Paul Krugman, denunciam a promiscuidade e os
equívocos dessas agências. “As agências de rating começaram como
pesquisadoras de mercado, vendendo avaliações de dívida corporativa para
pessoas considerando a compra ou não dessa dívida”, escreveu Krugman em
artigo publicado em seu blog no site do jornal “The New York Times”.
“Entretanto, elas se transformaram em algo bastante diferente: empresas
contratadas pelas pessoas que vendem as dívidas para darem às dívidas um
selo de aprovação.” A análise é similar à do economista Luiz Gonzaga
Belluzzo.As agências de risco, diz ele, não têm nenhuma credibilidade
depois da crise de 2008. Na verdade, elas é que deveriam ser rebaixadas.
“O que vem a ser isso, essa decisão das agências? Que significado isso
tem? Isso é coisa de estelionatários”, disse Belluzo ao jornal “O Estado
de S.Paulo”.
Ao rebaixarem a dívida de um país ou de uma
empresa, as agências de classificação de risco praticamente os forçam a
pagar juros mais elevados ou até mesmo impedem que investidores comprem
seus títulos. Muitos fundos não podem, por determinação do estatuto,
colocar recursos em títulos que não tenham, ao menos, o selo de grau de
investimento de duas agências. Na prática, elas são capazes de tornar
real um cenário adverso mesmo se ele não existir, como o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso declarou tempos atrás em uma entrevista. “De
repente vem uma nota dessas e o mercado fica acanhado. Quando coincide
de algum dia depois ter outro acidente negativo, isso produz um
resultado catastrófico”, disse FHC. “E a base da avaliação às vezes é
subjetiva. Quem toma essa decisão sabe do impacto. Há o risco de haver
manipulação”, complementou. Para sorte brasileira, o diagnóstico da
Standard & Poor’s não foi acompanhado pelas principais concorrentes.
O rebaixamento do rating do País gerou
críticas do Palácio do Planalto. Para o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, a decisão da Standard & Poor’s se baseia em uma análise
“inconsistente”. Segundo ele, o rebaixamento não traduz a solidez e os
fundamentos da economia brasileira. “No ano passado, o País cresceu
2,3%, um desempenho superior ao da maioria dos países do G-20”, disse o
ministro. É inegável que o Brasil não vive uma fase de pujança
financeira. A inflação cresceu nos últimos meses, a indústria continua
sem acelerar e os investimentos não avançam no ritmo desejado. Isso é
suficiente para o País ser rebaixado? Há fatores positivos que não podem
ser desprezados. A dívida, por exemplo, está controlada na casa dos 60%
do Produto Interno Bruto (PIB), bem abaixo da de países como a França,
detentora da classificação AA e que deve o equivalente a 95,1% de tudo o
que produz. Afinal, para que serve a Standard & Poor’s?
Em entrevista publicada pela revista IstoÉ do último sábado (29), Arup
Banerji reforça que os resultados positivos do programa são
cientificamente comprovado.
Brasília, 31 - O diretor global para Proteção Social
e Trabalho do Banco Mundial, Arup Banerji, afirmou em entrevista à
revista IstoÉ que o Bolsa Família não gera dependência e que o programa
permite que o pobre se veja como cidadão. “O cartão estabelece uma
relação legal e formal com o Estado. Equivale a dizer: ‘O País valoriza
você e sua família e por isso estamos repassando esses recursos.’”,
enfatizou. Para Banerji, os resultados positivos do Bolsa Família não
são apenas comentários, pois são comprovados cientificamente.
Confira a íntegra da entrevista publicada na edição de 26 de março da revista IstoÉ:
Arup Banerji
"O Bolsa Família não gera dependência"
O
diretor do Banco Mundial defende que os programas de transferência de
renda são fundamentais para garantir uma alimentação adequada e, assim,
um futuro às crianças
por Michel Alecrim (IstoÉ)
O
economista indiano Arup Banerji, 51 anos, construiu uma sólida carreira
no Banco Mundial acompanhando as políticas de proteção social e de
emprego em diferentes partes do mundo. Já atuou no Leste Europeu, no
Oriente Médio e na África, experiências que resultaram em livros sobre
questões econômicas desses lugares, entre outros trabalhos que publicou.
Agora, como diretor global para Proteção Social e Trabalho da
instituição sediada em Washington (EUA), onde mora, ele aposta no Bolsa
Família como forma eficaz de combate à pobreza e como solução para as
principais mazelas dos países em desenvolvimento. O programa, segundo
ele, tem resultados cientificamente comprovados e acerta ao escolher as
mulheres como gestoras do benefício dado pelo governo federal. Banerji
veio ao Brasil para o seminário “Fórum de Aprendizagem Sul-Sul 2014”, no
Rio de Janeiro, que reuniu representantes de 70 países, e falou com
exclusividade à ISTOÉ.
ISTOÉ -O programa Bolsa Família é eficiente no combate à pobreza?
ARUP BANERJI - Há muitos anos, o Banco Mundial vem avaliando o que
funciona ou não nas políticas de transferência de renda. O Bolsa Família
passou a ser uma experiência muito discutida por conta de alguns
aspectos importantes. Em primeiro lugar, porque foi ambicioso na escala
que tentou atingir. Muitos países que adotaram programas parecidos
usaram um esquema de cima para baixo. O Estado apenas se preocupa em
transferir dinheiro para os pobres. O Bolsa Família fez uma inversão,
pensando primeiro na pessoa. E os bons resultados estão sendo
comprovados através de pesquisas científicas. Não são apenas
comentários.
ISTOÉ -Por que frisa a importância de dar atenção à pessoa?
ARUP BANERJI -Vou dar um exemplo. Se você digitar Bolsa Família no
Google Imagens, a foto mais comum que vai aparecer é de uma pessoa
sorrindo e segurando o cartão do programa. Para muitas dessas pessoas
esse cartão mostra que estão vinculadas ao Estado pela primeira vez.
Pessoas pobres muitas vezes não se sentem parte de um país. São
subjugadas, tratadas como se fossem de fora. O cartão estabelece uma
relação legal e formal com o Estado. Equivale a dizer: ‘O País valoriza
você e sua família e por isso estamos repassando esses recursos.’ A
pessoa passa a ser cidadã de um país e, consequentemente, começa a
valorizar a educação dos filhos, a criá-los bem nutridos, e os filhos,
por outro lado, passam a cuidar mais de suas mães. Cria-se, assim, uma
relação de mútua responsabilidade. Esse é um dos aspectos centrais do
Bolsa Família.
ISTOÉ -Uma das principais críticas a esse tipo de programa é a dependência que supostamente gera, e não autonomia.
ARUP BANERJI -No caso do Brasil, eu não concordo com isso. Em outros
lugares do mundo, talvez. O que significa a dependência econômica? Em
poucas palavras, seria o seguinte: a pessoa que recebe ajuda chega à
conclusão de que é melhor não fazer nada o dia inteiro e não procurar
emprego porque o valor recebido compensa. O segredo do sucesso é que o
pagamento não seja tão alto que leve a esse tipo de situação nem tão
baixo que não dê nem para as famílias se alimentarem. É importante que o
benefício não chegue a um salário mínimo. Estudos comprovam: depois de
dez anos do Bolsa Família, não há dependência.
ISTOÉ -Qual é, hoje, a extensão de programas de transferência de renda no mundo?
ARUP BANERJI -Programas de transferência de renda de todos os tipos já
foram implementados em mais de 100 países em desenvolvimento. Mas como o
brasileiro, com responsabilidades compartilhadas, estão em cerca de 50
países. O maior foco é na educação e na saúde. Além de manter as
crianças na escola, devem vaciná-las e, em alguns casos, há necessidade
de as mulheres grávidas passarem por exames.
ISTOÉ -Pode dar exemplos?
ARUP BANERJI -Um dos primeiros foi na Turquia e começou dois anos
depois do Bolsa Família. Mas lá não foi um programa nacional. Foi
voltado para o lado leste do país, que é mais religioso e conservador. O
problema, lá, é que as meninas não iam para a escola. E a condição era
que não só os meninos, mas também as meninas fossem para a escola para o
pagamento ser liberado. Resultado: em três anos, a taxa de meninas que
frequentavam o ensino médio saltou de 38% para 50%. Na África, onde não
há uma estrutura estatal como a brasileira, optou-se por um controle
menos rígido porque não há quadros de funcionários para checar bem a
presença na escola, nem como fazer pagamentos com cartão. Mas, para
receber o auxílio, as mães precisam assistir a uma aula sobre a
importância da educação e da nutrição. Acabou dando certo também. É o
mesmo conceito e a mesma ideia, mas que se adaptam à realidade de cada
país.
ISTOÉ -Mas por que países africanos, mesmo com dificuldades, obtiveram resultados e em Nova York a proposta não vingou?
ARUP BANERJI -Em Nova York, implantaram o programa Opportunity, que
teve bons e maus resultados. O que realmente não deu certo foi
justamente algo que diz respeito a um ponto-chave do Bolsa Família:
enquanto no Brasil dão o dinheiro para a mulher, no Opportunity davam
para as crianças. A mãe costuma gerir melhor os problemas da família que
o pai. Uma criança pode estar fora da escola não só por questões
financeiras, mas também por ser rebelde ou porque a escola fica muito
longe. Em todas as situações é a mãe que tem que manejar isso dentro da
família. Também temos que olhar para a qualidade das escolas. Algumas
escolas de Nova York são muito violentas, com professores não tão bem
qualificados e com um entorno também problemático, com muitas tentações.
O programa, lá, ainda está fazendo análises, mas sabe-se que os números
não são muito bons. Agora estão vendo o porquê. Com certeza, um dos
motivos é terem dado o dinheiro para as crianças.
ISTOÉ -Os programas sociais teriam a ganhar se incluíssem metas de desempenho escolar?
ARUP BANERJI -O México fez essa mudança. O programa de lá começou
focando apenas na matrícula escolar. O Progresa foi até anterior ao
Bolsa Família. Mas logo concluíram que as famílias faziam a matrícula,
mas nem sempre os alunos compareciam. Aí, a presença virou condição
fundamental. A questão, agora, é se de fato estão aprendendo. O México é
o primeiro país que está começando a pensar nisso. Há muitos desafios
para se medir o aprendizado porque não é só verificar as notas. É
preciso pensar em avaliações de aprendizado. É recomendável fazer isso,
mas é preciso ter cuidado. A ideia é continuar fazendo o pagamento, mas
dar um adicional se a criança for bem nos estudos. Toda sociedade
precisa ter consciência de que não basta as crianças estarem na escola.
Precisamos saber se estão aprendendo. Mas para isso é preciso exigir que
as escolas sejam boas. Haja vista o exemplo de Nova York. É um processo
casado e, por isso, tão desafiador.
ISTOÉ -Os gastos com os grandes eventos são um desperdício diante das carências nos setores da educação e da saúde?
ARUP BANERJI -Só poderia comentar isso com base num estudo sobre o retorno desses investimentos, e não é minha especialidade.
ISTOÉ -A África do Sul, que sediou a Copa de 2010, continua com altas taxas de desemprego?
ARUP BANERJI -O desemprego na África do Sul já existia antes da Copa e
continuou. As razões não têm a ver com a falta de investimentos, mas com
questões históricas, por causa do apartheid. Por isso, tento separar
esses eventos particulares, como Copa ou Rio + 20, que são curtos, e
foco nas políticas de longo prazo. A própria África do Sul tem algumas
políticas de combate ao desemprego que não mudaram por causa da Copa. O
mesmo serve para o Brasil. O Bolsa Família não é tão duradouro que
possamos saber o que resultou para as crianças depois de adultas, mas no
México, que é o mais antigo, estamos encontrando os primeiros estudos.
Há sinais de que os beneficiados estão encontrando empregos com mais
facilidade e conseguindo salários melhores.
ISTOÉ -É porque eles têm mais escolaridade?
ARUP BANERJI -Não só por isso. Uma boa nutrição é o mais importante
para se prosperar. Descobertas científicas mostram que a maioria dos
neurônios do cérebro é formada nos dois primeiros anos de vida. Crianças
mal alimentadas nessa fase não têm o mesmo desenvolvimento neurológico.
Quando uma criança pobre recebe comida, acaba tendo suas funções
cerebrais equiparadas às outras. Por isso as políticas de longo prazo
são importantes.
ISTOÉ -Programas sociais têm reflexos no combate à violência?
ARUP BANERJI -É possível dizer que essas transferências de recursos são
importantes, mas não são suficientes para o combate à violência. O que
esses programas fazem é dar esperança, cidadania, mostrar que a pessoa é
importante para o Estado. Há um efeito psicológico, ou seja, eles agem
na redução das frustrações. Isso pode reduzir a violência. No entanto,
não podemos excluir os investimentos em policiamento, Justiça e no
combate às drogas. Mas estudos mostram que programas sociais reduzem a
violência doméstica. Há redução das agressões contra as mulheres que
recebem benefícios. Como elas recebem o dinheiro, ganham autoridade.
Isso foi comprovado em muitos países, como a Índia, de onde eu venho.
ISTOÉ -Que país é um bom exemplo de proteção social?
ARUP BANERJI -A Alemanha, país europeu que reagiu melhor à crise. Saiu
da recessão e lá o desemprego é baixo inclusive para os jovens. E o que
fizeram depois da crise? Diferentemente de outros países que tomaram
medidas que causaram demissões, a Alemanha adotou um sistema de work
sharing (trabalho partilhado), que mantém o trabalhador empregado em
meio expediente. A diferença é coberta pelo seguro-desemprego. É
interessante que uma economia bastante liberal tenha adotado uma
política, digamos, mais intervencionista por parte do Estado, e ainda
com a colaboração dos sindicatos. É um exemplo fantástico.
ISTOÉ
-Qual é a diferença entre países onde a previdência é controlada pelo
Estado e outros onde a responsabilidade é dos trabalhadores?
ARUP BANERJI -O que o Banco Mundial aconselha é um sistema que mescle
diferentes fontes de recursos para se alcançar a soma que uma pessoa
idosa precisa para sobreviver. Países como o Brasil, que têm uma massa
muito grande de jovens, costumam recolher contribuições desse grande
contingente para pagar de imediato as aposentadorias do pequeno
percentual de idosos. Mas esse sistema não tem como durar. Logo haverá
mais velhos que novos. Por isso, é preciso um sistema privado, em que os
trabalhadores economizem para a velhice.