sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Sabe aquele papo de que não havia corrupção na ditadura militar? É mentira (e das mais descaradas)

Durante a ditadura houve repressão brutal contra opositores e imperava a censura, o que tornou o Brasil um lugar perfeito para a prática de corrupção.

Um boato muito difundido nas redes sociais é que supostamente haveria menos corrupção no antigo regime ditatorial do que nos dias de hoje. Qual é a base para essa afirmação?

É difícil entender como alguém é tão ingênuo para acreditar nessa afirmação. A ditadura dos generais tinha entre seus meios repressivos a censura prévia à mídia e produção cultural, assim como o financiamento público das mídias favoráveis aos governantes. Os juízes e Ministério Público tinham pouca ou nenhuma independência em relação ao governo federal. Congressistas podiam criar CPIs, mas os poderes absolutos da presidência, inclusive para fechar o Congresso e cassar congressistas, tornariam inútil tal iniciativa. As possibilidades de investigação criminal e divulgação jornalística dos casos de corrupção do regime ditatorial eram praticamente nulas.

E mesmo assim alguns casos acabaram emergindo. Entre 1982 e 1984, o jornalista e economista José Carlos de Assis publicou três livros, “A chave do tesouro”, “Os mandarins da república” e “A dupla face da corrupção”, relatando vários casos de corrupção na administração pública durante os Anos de Chumbo. Aparelhos repressivos clandestinos foram financiados por empresários, que em troca receberam favores econômicos dos ditadores. Ex-agentes militares e policiais da repressão política se tornaram os chefes do jogo do bicho no Rio de Janeiro e Espírito Santo, com a proteção dos governantes. Os métodos da repressão política se tornaram métodos do crime organizado.

Ponte Rio-Niterói: uma das obras faraônicas da ditadura militar com obras superfaturadas.


É verdade que os generais golpistas prometeram livrar o país da corrupção política. Imaginavam eles que a causa da corrupção é o corrupto apenas. Tinham uma visão moralista e individualista deste fenômeno. Assim, criaram uma Comissão Geral de Investigação, um tribunal administrativo subordinado à presidência da “república” para investigar casos de corrupção. O AI-5 dotou a CGI do poder de confisco de bens. Tudo isso foi inútil, porque a corrupção supõe, ao menos, um corruptor a um corrompido, um agente privado e um agente público, enriquecendo através de favores mútuos, às custas dos recursos públicos.

Vários grupos empresariais privados (nacionais, estrangeiros e mistos) apoiaram ativamente o golpe contra João Goulart e a instauração do Terrorismo de Estado. Este apoio empresarial foi recompensado com todo tipo de favorecimento econômico governamental para os grupos empresariais que financiavam a repressão política. Desta promiscuidade entre a burocracia ditatorial e os grupos empresariais privados, surgiram os “Filhotes da Ditadura”, que se tornaram os empresários e políticos mais ricos do país e donos de monopólios midiáticos, entre eles a família Marinho e o Senor Abravanel, mais conhecido como Silvio Santos.

A corrupção na ditadura beneficiou inclusive aqueles que chegaram a ser santificados
por muitos brasileiros, como é o caso do Silvio Santos.

 Há quem diga que os generais que ocuparam a presidência da ditadura morreram pobres. Acho difícil, pois nenhum deles chegou pobre ao cargo, e pelo menos um deles, Ernesto Geisel, se tornou um magnata do setor petroquímico, ao lado do seu ministro, Golbery do Couto e Silva. O que importa é que, mesmo que não tenham enriquecido ilicitamente, comandaram um regime de terror e corrupção generalizados. Um regime ditatorial que enriqueceu, protegeu e favoreceu os seus aliados, enquanto perseguia, torturava e matava os opositores.




quinta-feira, 24 de novembro de 2016

É cada vez maior a possibilidade do Capitalismo dar um desfecho trágico para a humanidade

A globalização, na prática, nada mais é que um malthusianismo moderno. Como nos diz o relatório Lugano, a redução da população dos indesejáveis é o “verdadeiro sentido da expressão 'desenvolvimento sustentável”. 

Seres Humanos Supérfluos: a economia exige que as minorias sem capacidade de consumo morram.

O capitalismo nasceu e se desenvolveu para o desfrute dos povos do norte da Europa e seus descendentes (o que já falamos a respeito aqui). Se outros povos se beneficiaram no processo, como os japoneses, foi mais por contingências do século XX, como a ameaça do socialismo na Ásia.

O plano dos anglo-americanos ao final da Segunda Guerra Mundial era o de transformar o Japão num país rural mais pobre do que o Vietnã. Mas a revolução chinesa não permitiu que esse plano fosse levado a cabo. Na verdade, os EUA representam bem o fato do capitalismo ser um sistema voltado a anglo-saxões e germânicos.

No século XIX, durante a grande diáspora europeia, havia cotas bem restritas para não germânicos e saxões entrarem nos EUA. Asiáticos eram impedidos de entrar e europeus do Sul eram vistos com extrema desconfiança, entre outras coisas por serem católicos. Italianos, espanhóis e outros não germânicos da Europa foram inclusive enforcados no Sul do EUA, como acontecia com os negros. Até mesmo no Brasil e na Argentina havia preferência por europeus do Norte. Mas como esses não se dispunham a vir para cá, deram preferência aos italianos do Norte, principalmente de Vêneto, por serem mais claros do que os sulistas. Isso não impediu as manifestações anti-italianas em São Paulo (1892, 1896, 1928) ou o massacre de italianos em Tandil, na Argentina, em 1872. Basicamente, brancos eram os europeus nortistas.

A linha entre quem é branco e quem não pode ser considerado dessa forma vem sendo usada desde o Iluminismo para separar aqueles que podem ser incluídos na lista de seres humanos de direito – ou seja, aqueles que podem ser incluídos na categoria de “homem”, como a vista na “declaração de direitos do homem e do cidadão” de 1789 – daqueles que devem ser considerados sub-humanos ou simplesmente não-humanos. Dessa forma, o título de brancura sempre foi disputado em diversas partes do mundo. Nos EUA, italianos, eslavos e irlandeses lutaram muito para poderem ser considerados brancos. Em Angola, há uma divisão social baseada no tom da pele: mulatos claros são considerados mais humanos do que os negros escuros. Entre os negros dos EUA, os negros mais claros e com traços mais europeizados chamavam os negros mais escuros e com traços mais africanos de jigaboos. Ingleses miseráveis não eram considerados brancos no início da Revolução Industrial. Hoje em dia, o padrão de beleza na Ásia entre as mulheres é aquele que mais se aproxima do padrão de beleza europeu. Nas redes sociais, brasileiros que se identificam como brancos mostram irritação quando estrangeiros dão a entender que, para eles, o Brasil seria um país formado por mestiços e negros. Dessa forma, podemos ver que a ideia de brancura não se limita apenas à aparência fenotípica. Há também uma grande dose de relações sociais de poder inserida nessa categoria de “branco”. No século XIX:

discutiam quais povos pertenceriam a quais raças e se certos grupos de habitantes da Europa podiam ser classificados como europeus ou não. Assim, havia dúvidas, por exemplo, se os mediterrâneos e alguns povos do Leste europeu podiam ser considerados brancos e se a constituição racial mista da França (germânicos, alpinos e mediterrâneos) seria um impedimento a seu progresso.” (BERTONHA, João. Os Italianos, p. 53)

Basicamente, foram, durante muito tempo, considerados “verdadeiros brancos” aqueles que nasceram ou descendiam de europeus do Norte. E o que essa construção social da suposta superioridade anglo-saxã e germânica tem a ver com os supérfluos do mundo? Tem a ver com o fato dos povos do Norte da Europa e seus descendentes estarem velhos e não terem mais filhos. Hoje, a média de idade entre os brancos dos EUA, de maioria anglo-saxã e germânica, é de 43 anos e cada mulher tem apenas 1,5 filho. Na Europa, a média de idade é de 42 anos com uma taxa de fertilidade de 1,6 filho por mulher (incluídas as minorias nessa média). Sem a Europa do Leste, a média sobe para 44 anos. Levando-se em consideração que as mulheres geralmente têm de 2 a 4 anos a mais do que os homens em média, isso significa que a maioria das mulheres nessas regiões já não mais terão filhos.



Mesmo em países de brancos latinos, a população que se identifica como branca é geralmente mais velha e tem menos filhos. No Brasil, mulheres que se identificam como brancas têm apenas 0,9 filho cada uma, ou seja, já não há, virtualmente, mais reprodução. Dados mostram que, em 2050, de cada 4 pessoas no mundo, 1 será africana. Na verdade, a África é a única região do mundo com uma taxa de fertilidade de mais de 2,2 filhos por mulher: são 4,71 filhos por mulher africana. Basicamente, se não fosse a taxa de fertilidade africana, a população mundial estacionaria em 2040, e em 2050 começaria a cair.

Mas o que isso significa? Significa que até 2050, pessoas que se identificam como brancas serão a minoria absoluta da população mundial e a grande maioria nesse grupo de pessoas que se consideram brancas terá mais de 40 anos – e aqui deixo claro que essas pessoas se identificam como brancas, pois, como já falado, a ideia de brancura não se limita à aparência física, mas também tem relação com questões ligadas a classes sociais, privilégios, riqueza, origem étnica, etc.

De qualquer forma, esses dados mostram que a juventude do mundo já é majoritariamente negra, parda ou, em menor escala, asiática, já que nos países asiáticos a população já está envelhecendo e tendo poucos filhos – na China, a média de idade já está na casa dos 38 anos por conta da política de um filho por casal. Além disso, a taxa de fertilidade na Ásia do Leste é de 1,5 filho por mulher.
Quando Trump dizia “fazer a América grande novamente”, parte de seus eleitores escutava “fazer dos EUA novamente uma potência industrial sem concorrentes” enquanto outra parte ouvia “fazer dos EUA novamente um país anglo-germânico”. Basicamente Trump misturou a revolta contra a globalização e o neoliberalismo com os medos de uma população branca vivendo num país onde a juventude torna-se cada vez mais latina ou negra – a média de idade entre os latinos dos EUA é de 27 anos, entre imigrantes não latinos é de 23 anos e entre os negros de 33 anos. Daí vem a seguinte pergunta: se o sistema se desenvolveu tendo como base os europeus do Norte, e estes e seus descendentes estão caminhando para, literalmente, o desaparecimento, o que vai acontecer agora em relação ao cuidado com as pessoas não brancas e com o mundo?

Trump e o negacionismo da mudança climática: os não brancos como herdeiros de um mundo em chamas

Trump, durante sua campanha, repetiu diversas vezes que aquecimento global é um hoax criado por chineses. Eu não sei se ele realmente acredita nessa insanidade, ou se era apenas retórica de campanha para agradar o eleitor preocupado com seu emprego na indústria ou com seu automóvel 4×4. Descobriremos nos próximos quatro anos se Trump é realmente um psicótico ou apenas um cara muito esperto, o qual sabe falar o que seu eleitor quer escutar. De qualquer forma, parece que as políticas necessárias para barrar o aquecimento global não serão postas em prática nos próximos anos. Hoje, se não fosse a necessidade do lucro trazido pela indústria do petróleo, painéis solares seriam capazes de gerar 10 vezes mais energia do que o mundo precisa – claro que no começo do processo de instalação, o petróleo seria necessário para gerar a energia que possibilitaria a produção das primeiras remessas de painéis solares.
 
Óbvio que  o petróleo não é usado apenas para se produzir combustível, mas para muitas outras coisas. Contudo, sabe-se que ele pode ser substituído como matéria prima das indústrias nas quais é usado por outros materiais, como óleo de cannabis. Mas infelizmente a base instalada da indústria petrolífera, ou seja, todo o capital que já foi gasto com a mesma, é essencial ao funcionamento do capitalismo. Não é apenas força de vontade que pode mudar esse quadro. O próprio sistema depende da indústria do petróleo. A única maneira de deter a dependência pelo ouro negro é mudando todo o sistema social. Imaginar que possa ser sustentável um sistema que se baseia na produção de lucro financeiro é pura ilusão de leftlibs hipsters que frequentam o Starbucks.
 
De qualquer forma, as mudanças climáticas já estão aí. Em Outubro de 2016 o Ártico estava 3 graus mais quente do que deveria estar. São Paulo, que já foi a terra da garoa, agora é a terra das estiagens seguidas de fortes tempestades. E como o Dr. Igor Semiletov já alertou, se apenas 5% dos gases presos no Permafrost escaparem, a coisa vai ficar feia para nós. Levando em conta que 40% da população do planeta já enfrenta escassez de água, que as devastações ambientais aumentaram os riscos de doenças e que as abelhas, essenciais à agricultura e ao equilíbrio ecológico, enfrentam um processo de extinção que os cientistas ainda não sabem explicar, percebemos que as expectativas não são muito animadoras para as próximas gerações (e nem para a nossa, para falar a verdade).
 
 

Mas quem vai herdar o planeta? Negros, pardos e árabes. Essa é a verdade. Os brancos, que se beneficiaram da destruição ambiental para seu conforto durante mais de 200 anos, não vão passar o perrengue futuro. A menos que algo muito improvável aconteça, como os brancos da Austrália (média hoje de 38 anos contando as minorias), EUA, Europa e Canadá (média hoje de 43 anos cotando as minorias) começarem a procriar como coelhos nos próximos anos, a perspectiva é de que até 2020 a população branca do mundo pare virtualmente de crescer e comece o processo de rápido desaparecimento. Hoje, a taxa de natalidade na Europa já é menor do que a de falecimentos. Além disso, há mais idosos com mais de 65 anos no continente do que jovens com menos de 14 anos. O mesmo já acontece com os brancos dos EUA. E o quadro de envelhecimento é muito pior para as mulheres. Na Rússia, a média de idade entre as mulheres é 6 anos maior do que a dos homens. Isso quer dizer que, virtualmente, mulheres no ápice do período fértil nos países de maioria branca já estão se tornando a minoria da população. Além disso, os casamentos interétnicos estão se tornando cada vez mais comuns nessas regiões e as minorias geralmente têm taxas de fertilidade maiores. Isso significa que aqueles considerados brancos fizeram a festa no mundo e quem vai herdar os problemas serão negros, pardos, árabes, indianos, etc. Isso é claro, se nada for feito.

E, para que os jovens de hoje não herdem um mundo em chamas, a única solução é a mudança em todo o sistema socioeconômico da Terra. Mudar de um sistema que obedece à lógica do dinheiro fazer mais dinheiro para um no qual o que importe é a produção daquilo essencial à vida.

O Relatório Lugano: a ficção real

O relatório Lugano, publicado na França em 1999 e lançado em português no Fórum Social de Porto Alegre em 2002, constitui um eloquente alerta para os efeitos excludentes da globalização atual: na ‘mesa do banquete”, países e grupos sociais crescentes deverão ser rapidamente excluídos a fim de que o capitalismo do século XXI sobreviva às suas cruciais e inerentes contradições; a atual crise do capitalismo internacional encaminha-se claramente para o que o livro aponta como inexorável – o extermínio progressivo dos excluídos. Como enfatizado por Laymert Garcia dos Santos, em sua apresentação à edição em português, a autora aponta com acuidade e clarividência a lógica da globalização – ou seja, a lógica do extermínio.” (PATARRA, 2003)

Tal relatório levanta questões urgentes a respeito da maneira pela qual o sistema em que vivemos trata dos considerados indesejáveis: aqueles que simplesmente não conseguem mais se inserir na economia de mercado e, dessa forma, não são nem vendedores de sua força de trabalho e nem consumidores de mercadorias. Essas pessoas são tratadas como um problema para o sistema social, e, dessa forma, passam a cada vez mais entrar na categoria de “matáveis”.
 
No Brasil, as ações das forças policiais nas favelas, habitadas por uma maioria negra e parda, são uma pequena mostra desse fato: assassinatos contra moradores das favelas não são punidos e a classe média aplaude. No nosso sistema, quem não pode ser vendedor e comprador de mercadorias, é, por definição, um não humano. E como aprendemos, a categoria de não humano está ligada à categoria de não branco. Por acaso seria coincidência que as maiores atrocidades nos EUA são cometidas contra negros e pardos? Por acaso seria coincidência que o Ocidente aqueça seu mercado de armas distribuindo-as na África e Oriente Médio para que o povo dessas regiões se mate depois do próprio Ocidente ter fomentado os conflitos nessas regiões?
 
A violência dos que se consideram brancos num mundo onde os pardos e negros estão se tornando a maioria vai ficar cada vez pior, pois o ódio gerado pelo medo por ver um mundo cada vez mais multicultural, como o que domina o coração de muitos brancos nos EUA, se mistura a um menor peso na consciência na hora de “limpar o terreno” daqueles que já não têm nenhum papel dentro das relações de mercado – nem para baixar os salários e enfraquecer os direitos trabalhistas daqueles que ainda conseguem vender sua força de trabalho. A tristeza é que o verdadeiro empoderamento dentro do nosso sistema só pode ser exercido com efetividade por quem tem o poder social dentro da carteira: o dinheiro. Uma coisa é a Beyonce, com seus milhões de dólares, cantando “All the Single Ladies” com um turbante na cabeça. Outra é uma menina negra e pobre tentando fazer isso. Empoderamento no sistema do mercado é dinheiro, é capacidade de consumo. O resto é conversa de quem acredita em capitalismo com rosto humano. Não digo que as minorias não devam lutar por representatividade, mas deve-se ter em conta que poder no sistema do mercado é poder de compra. Capacidade de negociar, de vender e comprar. Nem que seja vender a força de trabalho. Se nem isso alguém consegue, então tem poder nenhum e passa a ser uma vida que não merece ser vivida de acordo com as regras do sistema.


Beyonce cantando Single Ladies em um dos seus shows: uma coisa é falar de
emponderamento tendo milhões de dólares na conta bancária, outra bem
diferente é uma garota da periferia tentar fazer o mesmo.
Esse extermínio, claro, não se dá apenas ativamente. Ele também pode ser do tipo, “não mato, mas deixo morrer”. Por exemplo, o baixo nível de investimento em infraestrutura de saneamento básico e saúde em países periféricos ou nas áreas habitadas por negros e pardos nos países centrais. No Brasil, o Estado gasta 1/10 do que deveria em saneamento e as maiores vítimas são exatamente os moradores de regiões mais pobres. Não há preocupação das indústrias farmacêuticas em pesquisar curas para doenças de regiões pobres e o sexo sem proteção é estimulado na África para que o HIV possa se espalhar mais facilmente – o que tem o “efeito colateral” de aumentar a taxa de fertilidade, mas as crianças nascidas provavelmente estarão contaminadas por falta de atendimento necessário durante a gravidez. Há também as tais vacinas esterilizantes que seriam aplicadas em pessoas pobres, cuja existência ou não ainda é assunto de muita polêmica. De qualquer forma, pode-se estimular conflitos para que os “indesejáveis” sejam assassinados ou pode-se deixar que simplesmente morram por falta de cuidados. Essa é a premissa dessa ficção real escrita por Suzan George.
 

E, se observarmos bem, o neoliberalismo nada mais seria do que um malthusianismo moderno, no qual domina a ideia do “cada um por si, todos são inimigos de todos”. Nesse mundo, até mesmo alguns que antes eram considerados brancos estão perdendo esse status. Os pobres da Europa já são chamados de vagabundos naturais, sem qualquer tipo de salvação, burros por natureza, pesos mortos do continente, etc. Essa retirada do status de branco é direcionada principalmente aos europeus do Sul, como italianos e espanhóis sulistas, gregos, portugueses, romenos, franceses de regiões mais pobres etc, porém, até mesmo os quase transparentes irlandeses estão tendo seu status de branco revogado, sendo novamente considerados a “privada da Inglaterra” conforme sua dívida se torna mais impagável. Dessa forma, podemos dizer que o malthusianismo está vivo e ganhando força. Como nos diz o relatório Lugano, a redução da população dos indesejáveis é o “verdadeiro sentido da expressão ‘desenvolvimento sustentável”.

Referências
• Multiciência – O Relatório Lugano (PDF)
• New Republic – Five Charts That Show Why a Post-White America Is Already Here
• The Economist – The young continent
• Revista Continentes – O Antropoceno como fetichismo (PDF)

domingo, 16 de outubro de 2016

Como identificar a veracidade de uma informação e não espalhar boatos

Ana Freitas - 11 Out 2016 (atualizado 13/Out 19h58)

Notícias falsas têm potencial devastador. Há algumas técnicas para tentar evitá-las. Aqui estão elas


Foto: Yukiko Matsuoka/Flickr/Alguns direitos reservados

'Na dúvida, achei melhor compartilhar': será que essa é a melhor abordagem?  O serralheiro carioca Carlos Luiz Batista, de 39 anos, viu sua vida virar de cabeça para baixo em poucos dias em razão de um boato compartilhado nas redes sociais. Uma mensagem, acompanhada de sua foto, dizia que o serralheiro era “estuprador e sequestrador de crianças”.

Batista, que começou a receber ameaças, agora tem medo de sair de casa. Não é o primeiro caso do tipo: em 2014, uma mulher foi espancada até a morte no Guarujá, litoral paulista, depois de ser acusada, em boatos em redes sociais, de que estuprava e sequestrava crianças. No entanto, nem sequer existiam denúncias do tipo na região.

Esses casos demonstram o que acontece a indivíduos, em casos extremos, quando o compartilhamento de informações mentirosas sai do controle. Essa prática, comum em um mundo no qual todos são consumidores e produtores de conteúdo, também pode ter impactos políticos e sociais - na medida em que informações falsas ajudam as pessoas a construir opiniões.

Nos últimos anos, a crise política escancarou esse cenário no Brasil. De acordo com um levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso a Informação da USP, na semana em que a Câmara autorizou a abertura do impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, em abril, três das cinco matérias mais compartilhadas no Facebook no Brasil eram falsas.
 
 
Por que as pessoas compartilham informações sem checá-las?
 
“A dinâmica [de compartilhamento de boatos] é um efeito da polarização do debate político, mas também é muito marcada pelo viés de confirmação”, disse ao Nexo Marcio M. Ribeiro, professor da USP e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso a Informação da universidade.

O viés de confirmação é uma tendência cognitiva que faz com que nós tenhamos mais propensão de lembrar, pesquisar informações ou interpretar fatos de maneira que eles confirmem nossas crenças ou hipóteses.

Na dinâmica da comunicação digital e dos algoritmos que mostram apenas aquilo que queremos ver, o viés de confirmação cria uma “bolha” de visão de mundo que exclui aqueles que pensam diferente - o chamado “filtro bolha”.

Quando recebemos, por meio das redes sociais, o link de uma matéria que confirma nossa visão de mundo, temos mais chances de ignorar possíveis evidências de que ela seja falsa.

“Na dinâmica das redes sociais, as pessoas têm tanta ou mais responsabilidade que os veículos em determinar qual conteúdo terá mais ou menos visibilidade por meio do compartilhamento”, diz Ribeiro. Por isso, cabe também aos usuários garantir que a informação compartilhada seja verdadeira.
 
 
Como identificar notícias falsas e matérias inverídicas

Abaixo, o Nexo reuniu um conjunto de boas práticas que podem ser aplicadas de maneira rápida, no dia a dia, por qualquer pessoa. Geralmente, o ideal é usar mais de uma técnica - e, se tiver tempo, todas elas.

10 boas práticas para o consumo de informações na web

Cruzamento de fontes
É simples: basta jogar as informações-chave relacionadas à notícia em questão no Google e verificar se outros veículos também falaram dela, e em quais termos. Caso você encontre apenas uma fonte para aquela informação, vale desconfiar. Se encontrar várias fontes, mas todas elas forem cópias de apenas um veículo, também é razoável considerar a matéria com cautela.

Buscar a fonte original
Uma notícia ou print mostra que uma figura pública disse ou fez alguma coisa. Confira nos canais oficiais daquela pessoa se o print é verdadeiro, ou se há uma entrevista original, publicada em um veículo de confiança, que exiba a declaração em questão. Também é importante ficar atento a perfis falsos - muitas vezes, prints de declarações polêmicas têm origens em perfis não-oficiais, às vezes criados com propósitos humorísticos, outras para difamar alguma figura pública.

Credibilidade de quem publica
Verifique o histórico do veículo que publicou a informação. Redações com jornalistas profissionais, sejam de veículos tradicionais ou novos, mantêm critérios de checagem em suas reportagens. E quando há erro, essas redações costumam corrigi-los. Isso não quer dizer que sites e blogs pequenos, além de posts no Facebook ou em outras redes sociais, não tragam bons conteúdos. Basta que você conheça o histórico desses canais.

Adjetivos demais são suspeitos
O excesso de adjetivos para difamar ou exaltar alguém ou algo, ou seja, um viés muito claro de acusação ou defesa no texto, também merecem sinal amarelo (especialmente em textos noticiosos).

Faça uma busca reversa da imagem
Muitas fotos que circulam nas redes sociais são montagens. Antes de compartilhar a suposta foto da capa da revista “Time” que mostra uma reportagem bombástica sobre o Brasil, confira no próprio site do veículo - ou faça uma busca reversa, que procura a imagem no Google e encontra outros lugares em que ela (ou versões parecidas) foram publicadas. Para fazer isso, basta acessar a busca de imagens do Google. Então, clique no ícone de câmera dentro do campo de busca e transfira a imagem que gostaria de pesquisar.

Há gente que se dedica a achar boatos
Para qualquer tipo de informação recebida via Whatsapp e Facebook, há sites dedicados exclusivamente a pesquisar e confirmar (ou não) os boatos espalhados nas redes. Dois dos mais famosos são o E-Farsas e o Boatos.org. Uma visita rápida pode evitar o compartilhamento de uma informação falsa.

Verifique a data da publicação
Em um contexto e data diferente, uma notícia antiga pode servir a uma narrativa atual completamente diferente daquela em que ela estava inserida no passado. Por isso, é comum que links antigos ganhem novas ondas de compartilhamento anos depois de publicados. Para evitar que uma informação fora de contexto contamine seu julgamento, adquira o hábito de checar a data de publicação de uma matéria antes de compartilhá-la. Geralmente, essa informação se encontra embaixo do título.

Vá além do título
É relativamente comum o compartilhamento de informações por Whatsapp e Facebook apenas com base no título do link. O título, no entanto, pode ser modificado: além de o Facebook permitir isso na publicação do conteúdo, também é possível usar ferramentas que mudem o título exibido quando o link é compartilhado. Por isso, evite compartilhar material sem ler o conteúdo completo.

Sem fonte, não confie
Em muitos casos, textos ou vídeos compartilhados por mensagens do Whatsapp vêm sem uma fonte - ou, então, mencionam fonte sem um link para ela. Cheque sempre, usando o Google, se a informação é verdadeira e está mesmo disponível na fonte mencionada. Se o conteúdo vier sem fonte, é muito improvável que seja real. Além disso, ligue o radar diante de vídeos ou áudios gravados por completos desconhecidos. Qualquer um pode fazer um vídeo ou áudio de Whatsapp e dizer o que quiser, e já temos provas suficientes de que muita gente inventa informações falsas para compartilhar nessas redes.

Na dúvida, pense duas vezes
“Na dúvida, achei melhor compartilhar.” Você já deve ter lido a frase por aí. No entanto, embora a abordagem seja muitas vezes bem intencionada, ela pode ter efeitos trágicos - como aqueles mencionados nos primeiros parágrafos deste texto. Caso não consiga obter confirmação de uma informação que consumiu na internet, recomendamos que considere não compartilhá-la.
 
ESTAVA ERRADO: A versão inicial deste texto sugeria ser necessário usar o navegador Google Chrome para executar uma busca reversa de imagens, quando na verdade isso pode ser feito de outras maneiras. A informação foi corrigida às 18h17 do dia 13 de outubro de 2016.


 

sábado, 24 de setembro de 2016

Eugênio Aragão: Como foi construído o castelo teórico que condenou José Genoíno, um inocente

24 de setembro de 2016 às 11h42
 

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O risco dos castelos teóricos do ministério público em investigações complexas

por Eugênio José Guilherme de Aragão, no Conversa Afiada

Was nicht passt, wird passend gemacht
(O que não cabe, ajeita-se para caber)
– Dito popular alemão

É absolutamente legítimo, numa tentativa mais exata de explicar fatos complexos, isto é, fatos que não são apreensíveis intuitivamente em toda a sua extensão, que se busque a respeito deles construir um modelo teórico. Sugerem-se uns postulados, constroem-se hipóteses sobre suas causas e seus efeitos, que, uma vez testadas, se transformam em assertivas teóricas supostamente consistentes, ou seja, isentas de contradições entre si. No seu conjunto, essas assertivas formam uma teoria.
 
Teorias são por natureza transitórias, porque construídas sobre assunções que podem mudar com a construção de novas teorias que as falseiam. A falseabilidade é, segundo Karl Popper (in: A lógica da pesquisa científica; São Paulo: Cultrix, 1993), a característica essencial das teorias e, uma vez falseadas, elas seriam substituídas por novas teorias, assim provocando o avanço da ciência. Essa dinâmica pressupõe, é claro, cientistas honestos, aqueles que vestem as sandálias da humildade e se reconhecem falhos, abrindo mão, com modéstia, de suas hipóteses tão custosamente testadas.
 
Para outro estudioso da teoria da ciência, Thomas Kuhn (in: The Structure of Scientific Revolutions, 2ª ed., enlarged; Chicago and London: University of Chicago Press, 1970), o avanço científico se daria não por esse automático falseamento sucessivo de teorias, mas, sim, por seu abandono, quando uma nova visão do fenômeno estudado sugere novas linhas de pesquisa. É o que ele chama de “mudança de paradigma” teórico, não deixando de a teoria antiga a continuar de pé, mas com pouca serventia para o que mais recentemente interessa. Assim, a física newtoniana não perdeu sua validade, mas não resolve problemas que podem ser melhor tratados com a teoria da relatividade.
 
Ainda outro estudioso do tema da evolução das teorias, Paul Feyerabend (in: Contra o método; Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1977), qualificado de anarquista gnosiológico, sugere que cientistas não são santos. Estão longe de se equipararem a carmelitas de pés descalços. Eles padecem dos vícios muito encontradiços em outros seres humanos, dentre os quais a vaidade e a soberba. Longe de abrirem mão de suas teorias, quando suspeitam de seu falseamento, promovem puxadinhos de novas hipóteses por testar, sempre no esforço, não de desistir da teoria, mas de camuflar suas inconsistências. Se necessário, até por meio de falácias ocultas. E isso torna todo castelo teórico muito frágil, prestes a ruir a toda hora e só mantido inteiro a custas de estacas de sustentação.
 
O agir de investigadores criminais, quando lidam com ilícitos de maior complexidade, envolvendo organizações e processos tortuosos de captação e irrigação de ganhos, parece não ser muito diferente. A polícia se serve muito de organogramas e fluxogramas, tentando estabelecer relações entre fatos e pessoas. O ministério público, sem deixar, também, de fazer uso desses instrumentos, vai além, porque tem que elaborar uma teoria que sustente a acusação.
 
Esse tipo de técnica foi largamente usado na denúncia da APn 470-DF, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, conhecida como o caso do “mensalão”. Os procuradores que elaboraram o libelo, partiram, a priori, da existência de uma organização criminosa, que carreava recursos para distribuí-los a partidos e parlamentares da base de sustentação de governo, seja para remunerar seu apoio em votações de projetos de lei estratégicos para o governo, seja para amortecer dívidas de campanha.
 
Os recursos, no caso, eram definidos como públicos, supostamente advindos de bonificações da Visanet ao Banco do Brasil e de sobrepreços em contratos de publicidade, tudo disfarçado, também supostamente, como ativos de contratos de financiamento entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Banco Rural, que, ao ver dos acusadores, seriam simulados. Para realizar todo esse complexo intento, os atores envolvidos, ligados a empresas, bancos, governo e partidos, se organizariam, na teoria posta, de forma complexa em núcleos com diferentes atribuições. Haveria um “núcleo operacional”, um “núcleo financeiro” e um “núcleo político”, todos articulados entre si para permitir o funcionamento do esquema de desvio de ativos para a empreitada da garantia da governabilidade.
 
A experiência do uso do modelo teórico foi tão bem recebida por uma mídia comercial, ávida por uma versão que comprometesse todo governo do PT, que virou uma coqueluche nas rodas de procuradores da república. E logo se realizou, já na gestão de Rodrigo Janot como procurador-geral, curso de “mensalão” na Escola Superior do Ministério Público da União, para os colegas aprenderem a montar seus castelos teóricos como rotina acusatória.
 
O problema central de teorias investigativas é que, se forem estáticas, elas incidem sobre grave violação do princípio da presunção de inocência. O processo existe como uma sucessão de atos tendentes a criar uma sólida teoria sobre um acontecimento qualificado como crime. Nessa sucessão de atos, se dá às partes, acusação e defesa, a oportunidade de promoverem “provas”, isto é, demonstrações empíricas sobre a correção de suas hipóteses que são diametralmente opostas.
 
Toda suposição prévia sobre o acontecimento (hipótese por demonstrar) é, assim, provisória e o ministério público não pode ter o compromisso inabalável com seu acerto definitivo, eis que, se constatar que sua hipótese era falsa, deverá rejeitá-la, para defender a inocência do réu. Ele é fiscal da lei e não ferrabrás implacável.
 
No entanto, como humanos que são, incide sobre os investigadores o problema apontado por Feyerabend. Longe de terem a disposição de rever suas hipóteses quando falseadas por contra-hipóteses ou de abandonarem aquelas com sua substituição por um novo paradigma teórico, eles insistem até o fim na sua tese inicial e, se necessário for, fazem um puxadinho cá, um puxadinho lá, para, mantendo a teoria em suas linhas mestras, esconderem eventuais inconsistências decorrentes de contradições constatadas ao longo da instrução criminal. Assim, o construto mental inicial, mesmo que não plenamente provado, é apresentado como um fato definitivo.
 
As provas que vão chegando ao processo são empurradas, piladas, socadas para dentro das categorias pré-concebidas, para que se adaptem ao todo previamente desenhado, bem como sugere o dito popular alemão: “was nicht passt, wird passend gemacht“, ou “o que não cabe, ajeita-se para caber”. Não interessam as demonstrações de inocência provável do investigado/acusado, porque são antiestéticas. Sacrifica-se, com arrogância moralista, essa inocência pelo amor ao castelo teórico montado.
 
Foi assim que José Genoíno entrou na APn 470: apesar de nada haver contra ele a não ser duas assinaturas em contratos de financiamento com o Banco Rural, que foi obrigado, como dever estatutário de seu ofício de presidente do Partido dos Trabalhadores, a avalizar, foi socado no “núcleo político” para, ali, se desenhar uma quadrilha e chegar a José Dirceu. Todos sabiam da fragilidade da prova contra Genoíno, distante de ser “beyond any reasonable doubt”, além de qualquer dúvida razoável, a ponto de uma magistrada tê-la expresso, mas votando pela condenação desse réu “porque a doutrina lhe permitia”.
 
Esses castelos teóricos são de uma perversão desumana intolerável. O destino daquele sacrificado, publicamente exposto e estigmatizado como “corrupto”, pouco interessa. Pouco interessa que José Genoíno sempre morou na pequena casa geminada na divisa de São Paulo e Osasco, área de classe média baixa, com uma vizinhança composta de garçons e motoristas de táxi, que nunca adotou hábitos extravagantes, andando na capital de metrô e, quando em Brasília, pedindo aos amigos para buscá-lo no aeroporto para levá-lo a um dos mais baratos hotéis da capital, onde era freguês cativo.
 
A ninguém interessou, naqueles dias, o tanto que Genoíno colaborara, na Constituinte de 1987-1988, com o lobby do ministério público para criar um órgão forte e eficiente. Ninguém se lembrou que era uma pessoa festejada por todos os procuradores-gerais, inclusive aquele que pediu sua prisão, sabendo-o inocente. O trabalho de se ter montado o “esquema” do “mensalão” era mais importante, até porque a imprensa já o havia disseminado e o relator no STF já havia publicamente destratado os colegas que pudessem estar em dúvida a respeito.
 
Piores ainda são os castelos construídos por “task forces”, forças tarefas, criadas por polícia e ministério público, com todo o estardalhaço e defendidas com unhas e dentes pelo juiz, pelo Conselho Nacional do Ministério Público que a premia e, claro, pela mídia interessada no desgaste desse ou daquele ator político alvo das operações. É que a montagem de uma força tarefa é feita com tanto rapapé que ela fica sob permanente pressão de apresentar resultados. Ninguém cria força tarefa para arquivar um inquérito.
 
Esse estardalhaço, por si só, fere mortalmente a presunção de inocência e vai consolidando na opinião pública, como um enredo de novela de fim previsível, a certeza do acerto da teoria inicial sobre o envolvimento dos atores escolhidos nos fatos supostamente ocorridos. O castelo teórico montado em força tarefa tem frequentemente como fundamento delações premiadas levadas a cabo com enorme pressão psicológica exercida sobre os potenciais delatores, direcionadas a alvos previamente escolhidos pelos investigadores e pelo juiz para dar contornos de solidez ao modelo teórico concebido sobre os fatos em investigação.
 
Torna-se, pois, esse castelo, inexpugnável e a teoria, por mais canhestra, passa a ser tratada como infalseável. Troca-se a ciência na investigação pela ideologia doutrinária, que vê em tudo corrupção como mal a ser extirpado, custe o que custar. Passam-se a adotar até doutrinas estrangeiras fora de seu contexto e completamente deturpadas de seu significado original, como o instituto do domínio do fato (“Tatherrschaft”), concebido por Claus Roxin: aquilo que foi imaginado como um instrumento para medir o grau de culpabilidade de cada um num concurso eventual de agentes, num sistema que, diferentemente do nosso, trata cada tipo de concurso (coautoria, participação, instigação) de forma diferenciada, foi transmutado num instrumento de atribuir crime por responsabilidade objetiva. Mas não interessa. Isso é só mais um “legítimo” puxadinho para dar aparência de consistência ao construto mental a priori dos acusadores.
 
As forças tarefas revelam, no entanto, outro problema sério, afora a deficiência dos castelos teóricos. Esse problema é tão grave, que, definitivamente, mostra a desumanidade de seu uso pela polícia e pelo ministério público. É que elas são um instrumento que incorporam a própria falta de accountability de seus atores, extraordinariamente empoderados no sistema constitucional brasileiro.
 
Diferentemente de outros modelos organizacionais, encontradiços no direito comparado, no Brasil, a polícia, o ministério público e o juiz são personagens do processo penal que não sofrem maior supervisão sobre a substância de seu trabalho. Na Europa continental, a polícia é supervisionada pelo Ministério do Interior, que exerce sobre ela um poder de mando. Elas são “weisungsgebunden“, vinculadas à determinação ministerial. O mesmo ocorre com o ministério público, sujeito à supervisão concreta do Ministério da Justiça, a cuja estrutura pertence. E o juiz, por sua vez, está sujeito à autoridade disciplinar do presidente do tribunal, escolhido pelo Ministro da Justiça. Já entre nós, cada um desses atores bate com a mão no peito e se gaba de sua independência funcional, numa extensão exagerada que se consolida nos respectivos imaginários corporativos.

Não percebem, porém, nossos personagens públicos do processo penal, que sua independência é adequadamente calibrada na constituição, na lei e em regulamentos. A do juiz se restringe claramente aos limites da lide. O juiz é independente para transitar no espectro entre a tese do autor e a do réu. Ele não tem liberdade de decidir extra petita. O ministério público tem outro tipo de independência, que não é uma prerrogativa funcional, mas, conforme prevê o art. 127 da Constituição, é um “princípio institucional”, ou seja, uma diretriz de organização interna do órgão. Nem poderia ser diferente, já que o ministério público, ao deter a iniciativa de ação, não tem sua independência balizada pela lide já construída pelas partes. A se imaginar uma tal independência sem balizamentos que há para o exercício da jurisdição, cada membro do ministério público se converteria numa metralhadora giratória, cuspindo bala para todas as direções. E nenhum estado poderia conviver com isso.

Por isso, a independência funcional como princípio institucional encontra seus limites nos outros princípios institucionais mencionados no mesmo artigo: a unidade e a indivisibilidade do ministério público (solenemente ignorados por grande parte de seus membros). Por estes princípios pressupõe-se que o ministério público aja concertadamente em todas as instâncias e em todos os campos de atribuições. A independência funcional passa a ter um caráter negativo: ela só existe para que o membro individualmente não seja coagido a se posicionar contra sua convicção. Havendo uma tese coletivamente acertada na instituição, da qual ele venha a discordar, tem o direito de pedir a redistribuição do feito para não atuar nele contrariando a unidade de ação da instituição. E nada mais.

A polícia, por outro lado, não tem independência funcional nenhuma. Seus agentes estão sob plena supervisão de suas estruturas internas e, no caso da polícia federal, também do Ministério da Justiça. Ocorre que se consolidou o costume regulamentar de se respeitar o trabalho individual de cada delegado, com o imaginário corporativo de que essa “independência” decorrente de tal costume se equipara à do ministério público. Mas isso, repito, é só o imaginário corporativo.

No entanto, ninguém nega que, no Brasil, principalmente no plano federal, a polícia detém um poder significativo de pressão que dirige contra o legislativo, onde dispõe de bancada própria, e contra o executivo: é mais fácil o Ministro da Justiça cair por conta de um conflito com o diretor-geral da polícia federal, do que o contrário. Paulo Brossard foi nomeado para o Supremo como meio de tirá-lo do ministério, onde entrara em confronto com o diretor-geral Romeu Tuma.
 
Com atores tão poderosos, muitas vezes, na prática, além do que a lei lhes garante, o processo penal, para resguardar os direitos do investigado/acusado, tem que se organizar de outra forma, criando um sistema de “checks and balances” entre os três órgãos públicos envolvidos na persecução penal. Basicamente, se a polícia, na investigação, comete algum abuso, este pode ser prontamente corrigido pelo ministério público, que exerce o controle externo da atividade policial; se o ministério público se houver além dos limites legais, recorre-se ao juiz, que devolverá o processo ao seu leito natural e, se o juiz praticar ilegalidade, tem a segunda instância para corrigi-lo. Cada um no seu quadrado.

Por essa razão, não há previsão constitucional de investigação criminal pelo ministério público, para que as atribuições não se misturem. Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar, com repercussão geral, o RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, julg. 14.5.2015) tem admitido excepcionalmente essa investigação pelo parquet, quando motivos extraordinários o recomendem (por ex. omissão da polícia ou envolvimento da polícia no crime). O que o acórdão deixou de enfrentar é que, se essa investigação é excepcional, deve ser motivada e a motivação submetida previamente ao juiz, que reconhecerá, ou não, a hipótese de excepcionalidade.

Esse controle é essencial para se ter transparência e “accountability” por parte do ministério público. Depois de autorizada a investigação, ela deve seguir o rito do inquérito policial, com remessa, a cada 30 dias, dos autos para o juiz, para que ele supervisione a atuação dentro do sistema de “checks and balances”. Isso pressupõe que o juiz não seja parceiro do ministério público, combinando com este “o jogo”, sob pena de colocar em sério risco as garantias fundamentais do investigado/acusado.

Forças tarefas que envolvem trabalho conjunto de polícia com ministério público na montagem do castelo teórico e na sua solidificação, sob a suspeita imiscuição do juiz em todas as etapas, são, por isso, inconstitucionais. Porque, se os três atores públicos se mancomunam, ao invés de se controlarem sucessivamente, o jurisdicionado fica sem ter a quem recorrer contra eventuais abusos articulados. Isso viola o princípio do amplo acesso à justiça (nenhuma lesão de direito poderá ser subtraída da apreciação do judiciário) e inviabiliza a garantia do devido processo legal. Forças tarefas podem ser legitimamente constituídas entre órgãos da mesma administração: polícia e previdência social ou polícia e receita federal, mas jamais em atuação conjunta com órgão parajurisdicional ou jurisdicional, pois quebra a dinâmica do controle sucessivo.

O que se percebe, hoje, na força tarefa da operação Lava Jato é precisamente isso: polícia, ministério público e juiz como parceiros de uma mesma empreitada, protegendo-se reciprocamente, tudo em nome da necessidade de rigor no combate à corrupção. Expõem-se castelos teóricos para o público que não são em absoluto conferíveis em suas premissas, para chegar a conclusões antecipadamente postuladas, por exemplo, de que Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente, era o chefe de uma organização criminosa instalada em seus governos.

Nenhuma prova sólida é apresentada, mas apenas suposições baseadas em duvidosas declarações de terceiros, muitos, verdadeiras testemunhas de “hearsay”, sem credibilidade, todas socadas nos “escaninhos” teóricos prévios. E, como dita o teorema de Clavius (Lex Clavius), na lógica silogística, ex falso sequitur quodlibet: do falso pode-se deduzir qualquer coisa. Se as premissas são falsas, a conclusão pode ser falsa ou verdadeira, isto é, ela será indecisível (afinal, se todos chineses falam português e Michel Temer é chinês, Michel Temer fala português…).

Mas fazem-se coletivas de imprensa em salas de conferências de luxo, alugadas com dinheiro público, para apresentação de vistosos gráficos de Powerpoint de impressionante fragilidade, sempre em prol de uma teoria prévia, que desconhece a dignidade humana e a presunção de inocência do investigado exposto, por darem-se como definitivos os pressupostos hipotéticos dessa teoria montada.

Para encerrar, é importante advertir que não se deve desconsiderar que o uso desse método de procurar explicar fatos complexos por uma série de hipóteses a serem testadas para formarem uma consistente teoria do crime atribuído ao investigado/acusado é um instrumento válido e legítimo, desde que, na busca da melhor verdade, se tenha flexibilidade no falseamento ou na refutação de uma ou outra hipótese e, com isso, permitir o reconhecimento da inocência de um ou outro implicado.
Importa, isto sim, os investigadores vestirem as sandálias da humildade e reconhecerem suas próprias limitações. O método não pode servir de “fait accompli”, fato consumado, anulando o esforço da defesa. Por essa razão, os três poderosos atores público têm que ficar, cada um, em seu quadrado, agindo discretamente para evitar expectativas públicas por esse ou aquele modelo hipotético e para tornar real a flexibilidade do falseamento teórico ou a superação da teoria posta, por outra, com fundamentos diversos, compondo novo paradigma. Só assim se garante ao jurisdicionado um “fair trial”.

Eugênio José Guilherme de Aragão: Doutor em direito pela Ruhr-Universität de Bochum (Alemanha), mestre (LL.M.) em direito internacional dos direitos humanos pela University of Essex (Reino Unido), foi Ministro de Estado da Justiça do governo Dilma e exerce, hoje, os cargos de Subprocurador-Geral da República no Ministério Público Federal e de Professor Adjunto na Universidade de Brasília.
 
 

 

terça-feira, 17 de maio de 2016

A estratégia das falsas soluções

Artigo de Bráulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba", em 15/04/2010 (Campina Grande-PB).




 
Circula na Internet um documento atribuído ao linguista Noam Chomsky, um conhecido crítico das políticas dos EUA. O documento que circula talvez seja apócrifo, mas não importa. O autor enumera e comenta algumas das estratégias utilizadas pelos governos e pelas corporações para manter o controle ideológico da população e impedir que suas ações sejam questionadas.

Tudo isto faz parte do modelo de ação das atuais ditaduras, que, diferentemente das ditaduras violentas e repressivas do século 20, as que eu chamo de Ditaduras do Chicote, são ditaduras gratificadoras e dissipativas, o que chamo de Ditaduras do Chiclete. “Gratificadoras” porque perceberam (como no famoso prefácio de Aldous Huxley ao seu Admirável Mundo Novo) que dominar pelo prazer é mais eficaz do que pela violência e pelo medo; “dissipativas” porque ao invés de reprimir e perseguir as idéias que lhes são contrárias elas as dissipam e diluem numa enxurradas de idéias contraditórias, irrelevantes e neutralizadoras.

O documento atribuído a Chomsky refere o que chama de “Estratégia de Falsas Soluções”, que consiste no seguinte: “Criar problemas, depois oferecer soluções. Este método também é chamado ‘problema-reação-solução’. Cria-se um problema, uma ‘situação’ prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.”

As ditaduras atuais procedem assim, e não me refiro à Coréia do Norte ou à China. Ditaduras do Chiclete são a quase totalidade dos governos ocidentais e modernos. (Este “quase” entra aqui como ressalva retórica, mas se me pedirem uma exceção que o justifique eu não vou saber dizer.) No caso do Brasil, por exemplo, a ditadura não é Lula, não é o PT. O poder republicano de Brasília é um enorme aparato teatral de muita agitação e pouca eficácia, montado para distrair a atenção do público enquanto a verdadeira ação do poder (a ação econômica) se desenvolve em segundo plano.

Na “Estratégia das Falsas Soluções”, ninguém responsabiliza as grandes corporações pela criminalidade nas ruas: responsabiliza a prefeitura, o governo do Estado, e mais remotamente o governo federal. Os problemas não precisam ser criados por esse “governo invisível”, em geral eles são apenas efeitos colaterais de sua ação (exploração predatória de recursos naturais, desemprego em massa por fechamento de fábricas, etc.). Quando aparecem, no entanto, são úteis para ele, porque desviam na direção do “governo visível” a atenção da população e da imprensa, que cobra medidas para amenizar os efeitos, sem questionar as causas.

Fonte


 

sábado, 23 de abril de 2016

A razão real que os inimigos de Dilma Rousseff querem seu impeachment

David Miranda

Corrupção é só um pretexto para os ricos e poderosos que falharam em derrotá-la nas eleições 

• Para ler este artigo em Inglês, clique aqui

Friday 22 April 2016


Dilma Rousseff
Dilma Rousseff: the target of the rich and powerful.
Photograph: Fernando Bizerra/EPA
A história da crise política no Brasil, e a mudança rápida da perspectiva global em torno dela, começa pela sua mídia nacional. A imprensa e as emissoras de TV dominantes no país estão nas mãos de um pequeno grupo de famílias, entre as mais ricas do Brasil, e são claramente conservadoras. Por décadas, esses meios de comunicação têm sido usados em favor dos ricos brasileiros, assegurando que a grande desigualdade social (e a irregularidade política que a causa) permanecesse a mesma.
Aliás, a maioria dos grandes grupos de mídia atuais – que aparentam ser respeitáveis para quem é de fora – apoiaram o golpe militar de 1964 que trouxe duas décadas de uma ditadura de direita e enriqueceu ainda mais as oligarquias do país. Esse evento histórico chave ainda joga uma sombra sobre a identidade e política do país. Essas corporações – lideradas pelos múltiplos braços midiáticos das Organizações Globo – anunciaram o golpe como um ataque nobre à corrupção de um governo progressista democraticamente eleito. Soa familiar?

Por um ano, esses mesmos grupos midiáticos têm vendido uma narrativa atraente: uma população insatisfeita, impulsionada pela fúria contra um governo corrupto, se organiza e demanda a derrubada da primeira presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff, e do Partido dos Trabalhadores (PT). O mundo viu inúmeras imagens de grandes multidões protestando nas ruas, uma visão sempre inspiradora.
Brazilian president Dilma Rousseff faces impeachment - video explainer


Mas o que muitos fora do Brasil não viram foi que a mídia plutocrática do país gastou meses incitando esses protestos (enquanto pretendia apenas “cobri-los”). Os manifestantes não representavam nem de longe a população do Brasil. Ao contrário, eles eram desproporcionalmente brancos e ricos: as mesmas pessoas que se opuseram ao PT e seus programas de combate à pobreza por duas décadas.

Aos poucos, o resto do mundo começou a ver além da caricatura simples e bidimensional criada pela imprensa local, e a reconhecer quem obterá o poder uma vez que Rousseff seja derrubada. Agora tornou-se claro que a corrupção não é a razão de todo o esforço para retirar do cargo a presidente reeleita do Brasil; na verdade, a corrupção é apenas o pretexto.

O partido de Dilma, de centro-esquerda, conseguiu a presidência pela primeira vez em 2002, quando seu antecessor, Lula da Silva, obteve uma vitória espetacular. Graças a sua popularidade e carisma, e reforçada pela grande expansão econômica do Brasil durante seu mandato na presidência, o PT ganhou quatro eleições presidenciais seguidas – incluindo a vitória de Dilma em 2010 e, apenas 18 meses atrás, sua reeleição com 54 milhões de votos.

A elite do país e seus grupos midiáticos fracassaram, várias vezes, em seus esforços para derrotar o partido nas urnas. Mas plutocratas não são conhecidos por aceitarem a derrota de forma gentil, ou por jogarem de acordo com as regras. O que foram incapazes de conseguir democraticamente, eles agora estão tentando alcançar de maneira antidemocrática: agrupando uma mistura bizarra de políticos – evangélicos extremistas, apoiadores da extrema direita que defendem a volta do regime militar, figuras dos bastidores sem ideologia alguma – para simplesmente derrubarem ela do cargo.

Inclusive, aqueles liderando a campanha pelo impeachment dela e os que estão na linha sucessória do poder – principalmente o inelegível Presidente da Câmara Eduardo Cunha – estão bem mais envolvidos em escândalos de corrupção do que ela. Cunha foi pego ano passado com milhões de dólares de subornos em contas secretas na Suíça, logo depois de ter mentido ao negar no Congresso que tivesse contas no exterior. Cunha também aparece no Panamá Papers, com provas de que agiu para esconder seus milhões ilícitos em paraísos fiscais para não ser detectado e evitar responsabilidades fiscais.

É impossível marchar de forma convincente atrás de um banner de “contra a corrupção” e “democracia” quando simultaneamente se trabalha para instalar no poder algumas das figuras políticas mais corruptas e antipáticas do país. Palavras não podem descrever o surrealismo de assistir a votação no Congresso do pedido de impeachment para o senado, enquanto um membro evidentemente corrupto após o outro se endereçava a Cunha, proclamando com uma expressão séria que votavam pela remoção de Dilma por causa da raiva que sentiam da corrupção.

Como o The Guardian reportou: “Sim, votou Paulo Maluf, que está na lista vermelha da Interpol por conspiração. Sim, votou Nilton Capixaba, que é acusado de lavagem de dinheiro. ‘Pelo amor de Deus, sim!’ declarou Silas Câmara, que está sob investigação por forjar documentos e por desvio de dinheiro público.”

Mas esses políticos abusaram da situação. Nem os mais poderosos do Brasil podem convencer o mundo de que o impeachment de Dilma é sobre combater a corrupção – seu esquema iria dar mais poder a políticos cujos escândalos próprios destruiriam qualquer carreira em uma democracia saudável.Um artigo do New York Times da semana passada reportou que “60% dos 594 membros do Congresso brasileiro” – aqueles votando para a cassação de Dilma- “enfrentam sérias acusações como suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal, sequestro e homicídio”. Por contraste, disse o artigo, Rousseff “é uma espécie rara entre as principais figuras políticas do Brasil: Ela não foi acusada de roubar para si mesma”.

O chocante espetáculo da Câmara dos Deputados televisionado domingo passado recebeu atenção mundial devido a algumas repulsivas (e reveladoras) afirmações dos defensores do impeachment. Um deles, o proeminente congressista de direita Jair Bolsonaro – que muitos esperam que concorra à presidência e em pesquisas recentes é o candidato líder entre os brasileiros mais ricos – disse que estava votando em homenagem a um coronel que violou os direitos humanos durante a ditadura militar e que foi um dos torturadores responsáveis por Dilma. Seu filho, Eduardo, orgulhosamente dedicou o voto aos “militares de 64” – aqueles que lideraram o golpe.
Até agora, os brasileiros têm direcionando sua atenção exclusivamente para Rousseff, que está profundamente impopular devido a grave recessão atual do país. Ninguém sabe como os brasileiros, especialmente as classes mais pobres e trabalhadoras, irão reagir quando verem seu novo chefe de estado recém-instalado: um vice-presidente pró-negócios, sem identidade e manchado de corrupção que, segundo as pesquisas mostram, a maioria dos brasileiros também querem que seja cassado.
O mais instável de tudo, é que muitos – incluindo os promotores e investigadores que tem promovido a varredura da corrupção – temem que o real plano por trás do impeachment de Rousseff é botar um fim nas investigações em andamento, assim protegendo a corrupção, invés de puni-la. Há um risco real de que uma vez que ela seja cassada, a mídia brasileira não irá mais se focar na corrupção, o interesse público irá se desmanchar, e as novas facções de Brasília no poder estarão hábeis para explorar o apoio da maioria do Congresso para paralisar as investigações e se protegerem.

Por fim, as elites políticas e a mídia do Brasil têm brincado com os mecanismos da democracia. Isso é um jogo imprevisível e perigoso para se jogar em qualquer lugar, porém mais ainda em uma democracia tão jovem com uma história recente de instabilidade política e tirania, e onde milhões estão furiosos com a crise econômica que enfrentam.


Fonte



quinta-feira, 21 de abril de 2016

Deu no New York Times

Jornalista e Professor Dr. Lúcio Vilar (UFPB)

Fundado em 1851, o The New York Times é considerado ainda hoje o mais influente jornal dos Estados Unidos com ressonâncias planetárias, dada sua tradição de credibilidade que lhe conferiu lugar especial na história do jornalismo contemporâneo. Ao veículo críticas podem ser imputadas, menos de que tenha tido em algum momento de sua trajetória posicionamentos editoriais à esquerda. Quem derrubou Nixon, por exemplo, não foi o NYT, mas o Washington Post.

Pois é, dito isso, vamos ao que interessa: além dos igualmente relevantes jornais e veículos The Guardian (Inglaterra), El País (Espanha), CNN (EUA) e Der Spiegel (Alemanha), o NYT condenou, em editorial, o ‘golpe de abril’ transmitido em rede nacional no último domingo.

“Dilma, que foi reeleita em 2014 por quatro anos, está sendo responsabilizada pela crise econômica do país e pelas revelações das investigações de corrupção que envolve a classe política brasileira”, disse o jornal que já havia reiterado em matéria anterior a conduta de honestidade da presidenta da República.

Já o britânico The Guardian estampou: “Congresso hostil e manchado por corrupção”, enquanto o espanhol El País reforçou: “Deus derruba a presidente do Brasil”, citando os deputados que justificaram o voto pelo impeachment com argumentos de cunho religioso.

O espetáculo dantesco de pornografia política explícita - em nome de Deus e de torturadores - envergonhou o Brasil perante o mundo. Agora, somos a nova “república bananeira”.

Quem vai pagar por isso?!…



terça-feira, 19 de abril de 2016

IMPRENSA CENSURADA NA PARAÍBA: Jornalista tem coluna retirada da página já diagramada do jornal CORREIO

Publicado por: Gutemberg Cardoso -

lucio-vilarO jornalista e professor dr. Lúcio Vilar (UFPB), que assina há cerca de 15 anos no Correio da Paraíba coluna semanal intitulada “Caleidoscópio Midiático”, foi surpreendido na tarde de ontem com email do Chefe de Redação do referido jornal, comunicando que sua coluna havia sido retirada da página (já diagramada), num claro sinal de censura exercido pelo veículo. Sob a alegação de que a empresa havia decidido que conteúdos políticos não poderiam ser abordados nas páginas culturais, o Chefe de Redação justificou que a coluna (intitulada Deu no New York Times) estava, portanto, fora de contexto, e por essa razão foi excluído da edição desta quarta-feira.

Em resposta, o jornalista Lúcio Vilar reiterou:

“Portador não merece pancada, bem sei disso, mas não sejamos ingênuos; esse comunicado tem outro nome: censura. Até porque não recebi nenhum comunicado anterior da Editoria Geral de que não poderia falar de política. Aliás, conceber jornalismo cultural dissociado da política é um equívoco completo, sem falar do fato de que uma coluna é sempre a expressão última da opinião do colunista. No mais, para desmistificar, basta filtrar o colunismo social e rastrear os resíduos da política provinciana entranhados em palavras, gestos, caras, bocas e fotos…

Enfim, mas ‘isso não vem o caso’ como diria o juiz Sérgio Moro, né verdade? Só tenho a lamentar pela postura e, sobretudo, agradecer à empresa por esse espaço compartilhado durante todos esses anos em que não me pautei por um único tema, até porque os leitores não suportariam. Vida que segue.

Saudações democráticas a todos”.

Segue, abaixo, coluna (censurada no CORREIO), na íntegra, que o Polêmica Paraíba publica em primeira mão:
 
Deu no New York Times
 
Fundado em 1851, o The New York Times é considerado ainda hoje o mais influente jornal dos Estados Unidos com ressonâncias planetárias, dada sua tradição de credibilidade que lhe conferiu lugar especial na história do jornalismo contemporâneo. Ao veículo críticas podem ser imputadas, menos de que tenha tido em algum momento de sua trajetória posicionamentos editoriais à esquerda. Quem derrubou Nixon, por exemplo, não foi o NYT, mas o Washington Post.

Pois é, dito isso, vamos ao que interessa: além dos igualmente relevantes jornais e veículos The Guardian (Inglaterra), El País (Espanha), CNN (EUA) e Der Spiegel (Alemanha), o NYT condenou, em editorial, o ‘golpe de abril’ transmitido em rede nacional no último domingo.

“Dilma, que foi reeleita em 2014 por quatro anos, está sendo responsabilizada pela crise econômica do país e pelas revelações das investigações de corrupção que envolve a classe política brasileira”, disse o jornal que já havia reiterado em matéria anterior a conduta de honestidade da presidenta da República.

Já o britânico The Guardian estampou: “Congresso hostil e manchado por corrupção”, enquanto o espanhol El País reforçou: “Deus derruba a presidente do Brasil”, citando os deputados que justificaram o voto pelo impeachment com argumentos de cunho religioso.

O espetáculo dantesco de pornografia política explícita – em nome de Deus e de torturadores – envergonhou o Brasil perante o mundo. Agora, somos a nova “república bananeira”.

Quem vai pagar por isso?!…

Fonte: Polêmica

Créditos: Polêmica







segunda-feira, 4 de abril de 2016

'Panama Papers' atingem políticos de ao menos sete partidos brasileiros

PDT, PMDB, PP, PSB, PSD, PSDB e PTB são as legendas cujos integrantes aparecem na lista

Gil Alessi

São Paulo 4 ABR 2016 - 23:37 CEST

O deputado federal Newton Cardoso (PMDB-MG). Ag. Cam.

Políticos de ao menos sete partidos brasileiros têm contas em empresas offshores no exterior abertas pela companhia panamenha Mossack Fonseca, especializada em camuflar ativos usando companhias sediadas em paraísos fiscais. PDT, PMDB, PP, PSB, PSD, PSDB e PTB são as legendas cujos integrantes aparecem na lista batizada de Panama Papers, onde constam milhares de nomes de titulares de offshores. Os documentos foram obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo. No domingo, UOL, Estadão e Rede TV, veículos brasileiros ligados ao Consórcio, começaram a divulgar os nomes dos correntistas, com destaque para expoentes do PMDB: o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e o senador Edison Lobão (MA) – ambos investigados pela Operação Lava Jato. Ao menos 57 brasileiros já relacionados à investigação da Polícia Federal aparecem nos documentos, ligados a mais de cem offshores criadas em paraísos fiscais. Cunha e Lobão negam a titularidade das empresas.

 
Ainda é cedo para saber o impacto que estes vazamentos - e os que virão nos próximos dias - terão no já convulsionado cenário político brasileiro, uma vez que não está claro se as offshores localizadas são irregulares ou não. Isso porque ter conta ou empresa no exterior não é um crime de acordo com a legislação brasileira, mas os valores e operações financeiras precisam ser informados à Receita Federal para a tributação devida. Ainda não se sabe se os citados nos Panama Papers declararam estes ativos em outros países às autoridades. Frequentemente este tipo de operação envolvendo offshores é utilizada para pagamento ou recebimento de propina e lavagem de dinheiro por parte do crime organizado, empresários e políticos corruptos.
 

Até o momento, o PMDB do vice-presidente Michel Temer foi a legenda com mais integrantes mencionados nos documentos da empresa panamenha. O fato é que, ao menos por enquanto, o PT e o Planalto podem respirar aliviados, uma vez que nenhuma offshore no exterior foi atribuída até o momento a seus correligionários.

Nesta segunda-feira vieram à tona os nomes de outros políticos com contas no exterior. Novamente o PMDB ocupa lugar de destaque entre os dados divulgados. O deputado federal Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG) e seu pai, o ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso teriam usado empresas offshores abertas com a ajuda da Mossack Fonseca para comprar um helicóptero com valor estimado em 1,9 milhão de dólares (cerca de 8 milhões de reais) e um flat em Londres ao custo de 1,2 milhão de libras (6,3 milhões em valores corrigidos). Em nota ao Consórcio de Jornalistas, a assessoria dos Cardoso negou "veementemente" a titularidade de empresas ou contas no exterior.

Luciano Lobão, filho do senador Edison Lobão, também aparece na relação do Panama Papers. Ele teria usado uma offshore para comprar apartamento em Miami no ano de 2013. O imóvel foi adquirido por 600 mil dólares, e vendido um ano depois por 1 milhão de dólares. A mulher de Luciano, Vanessa Fassheber Lobão, também aparece nos documentos como dona da empresa. Além de ser dono da VLF International, o filho do senador é sócio de uma empreiteira é responsável por obras do Programa de Aceleração do Crescimento no Maranhão - a Hytec.


O tucano Sérgio Guerra, morto em 2014, aparece nos documentos. Ele é citado também na Lava Jato
O senador Lobão, que já é investigado pela Lava Jato por suspeita de ter sido beneficiado com o pagamento de propina para a construção da usina de Angra 3, aparece nos documentos vazados da empresa panamenha, mas suas supostas operações no exterior ainda não foram detalhadas. O que se sabe até agora corrobora parte da delação premiada de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras que disse à Justiça ter recebido ordens de Lobão para não "atrapalhar" um investimento do fundo de pensão da estatal petroleira no banco BVA. Um amigo do senador, José Augusto Ferreira dos Santos, é um dos donos do BVA, de acordo com o delator. Segundo os Panama Papers, Ferreira, por sua vez, é sócio de João Henriques, considerado operador do PMDB na Lava Jato, em uma empresa offshore e em uma conta na Suíça. A defesa do parlamentar afirmou ao jornalista Fernando Rodrigues, do UOL, que Lobão nunca foi acusado de ter contas ou empresas no exterior.
 

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que é réu no Supremo Tribunal Federal por seu envolvimento na Lava Jato e é acusado pela Procuradoria Geral da República de ter contas secretas no exterior, aparece nos Panama Papers como titular de ao menos uma offshore. Trata-se da Penbur Holdings, supostamente controlada pelo parlamentar mas que usaria dois panamenhos como 'testas de ferro' de forma a ocultar seu nome dos documentos. O peemedebista teria contado com a ajuda do empresário David Muino, ligado ao BSI, para abrir as contas. Por meio de sua assessoria, Cunha negou ser proprietário de qualquer empresa offshore, negativa que tem sido repetida pelo deputado desde que as autoridade da Suíça enviaram documentos assinados por ele que provam o contrário. “O presidente Eduardo Cunha desmente, com veemência, estas informações. O presidente não conhece esta pessoa [David Muino, intermediário de uma companhia que se chama Stingdale Holdings Inc] e desafia qualquer um a provar que tem relação com companhia offshore”.

O tucano Sérgio Guerra, ex-senador e ex-presidente nacional do PSDB morto em 2014 também aparece na lista da Mossack Fonseca. Ele já foi citado por delatores da Lava Jato como destinatário de propinas relacionadas ao esquema de corrupção da Petrobras. Segundo os documentos divulgados nesta segunda, Guerra adquiriu uma empresa offshore com a mulher, Maria da Conceição, e um dos filhos, Francisco. As atividades financeiras da companhia não foram detalhadas. O PSDB afirmou que não iria comentar as acusações.

O ex-deputado João Lyra (PSD-AL) é outro político que utilizou uma empresa offshore para abrir e manter uma conta no banco suíço Pictet Asset Management. Lyra foi eleito deputado federal em 2010 pelo PTB, e posteriormente se filiou ao PSD. A declaração de bens entregue pelo parlamentar à Justiça Eleitoral no ano em que ele disputou o pleito não fala sobre os ativos no exterior, mas apenas o cruzamento destes dados com as informações da Receita podem apontar se houve de fato alguma irregularidade.

Paulo Octávio, ex-vice-governador de Brasília pelo PP, também é citado nos documentos. Ele teria usado uma offshore aberta com ajuda da Mossack Fonseca para comprar um apartamento de 2,9 milhões de dólares em Miami em 2011. A reportagem não conseguiu entrar em contato com o empresário.

Alguns políticos que aparecem no banco de dados dos Panama Papers divulgaram para o Consórcio os documentos informações de suas declarações de imposto de renda como forma de atestar que as offshores em seus nomes foram devidamente declaradas. É o caso de Paulo Octávio, que foi vice-governador de Brasília pelo DEM na gestão de José Roberto Arruda, em 2006; e Gabriel Junqueira Pamplona Skaf, filho do presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf (PMDB).