sábado, 27 de fevereiro de 2016

Deputado divulga organograma das relações entre FHC, Globo e Mossack


Jornal GGN - O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) apresentou um organograma que traz conexões entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, as organizações Globo, a Brasif, a Fifa e a empresa Mossack Fonseca, que é apontada como criadora de empresas offshores que seriam utilizadas para lavar dinheiro e ocultar patrimônio. O deputado também pede que a Polícia Federal investigue os citados.
 
“Procuramos mostrar que existe uma conexão. Procuramos identificar benefícios que essas empresas possam ter obtidos de acordo com as relações”, afirma em entrevista coletiva em Brasília, nesta quinta (25).
 
“Em um escritório do Panamá, foram criados a Veine, uma outra empresa criada em parceria dos donos da Globo e uma de Paulo Roberto Costa [acusado de corrupção da Petrobras]. A mesma empresa utilizada por Paulo Roberto é usada pela família Marinho. No endereço de um consórcio da Veine aparece a empresa Brasif”.
 
Pimenta afirma que foram identificadas práticas de crimes e solicitou investigação do patrimônio da Veine, dos bens do Marinho e da Brasif.
 
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O organograma de Pimenta é baseada em matérias investigativas de sites independentes, como Diário do Centro do Mundo, Rede Brasil Atual, Cafezinho e também o Jornal GGN.
Confira aqui os documentos.

Fonte

 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Após reportagem do G1, perfil de jurista fictício na Wikipédia é apagado

24/02/2016 06h00 - Atualizado em 24/02/2016 09h40
Perfil de Carlos Mirandópolis foi criado como ‘pegadinha’ para estagiário.
'Jurista' acabou citado em decisão do TJ do Rio e trabalho de graduação.

Nathalia Passarinho 
Do G1, em Brasília


Imagem de página da Wikipedia que informa que a página do jurista fictício foi excluída nesta terça-feira (23) (Foto: Reprodução/Wikipedia)
Imagem de página da Wikipédia que informa que a página do jurista fictício foi excluída nesta
terça-feira (23) (Foto: Reprodução/Wikipédia)

O perfil do jurista fictício Carlos Bandeirense Mirandópolis foi apagado da enciclopédia virtual Wikipédia depois de reportagem do G1 ter mostrado que a página criada em 2010 para fazer uma “pegadinha” com um estagiário já foi citada em decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), em documentário de cinema e em trabalho acadêmico de graduação.

Desde o final da manhã desta terça-feira (23), ao procurar por Mirandópolis no Wikipédia, o leitor se depara – em vez da “biografia” do falso jurista – com a informação de que o perfil foi excluído em 23 de fevereiro, após ter permanecido cinco anos e cinco meses sem ser “detectado”.

O perfil de Carlos Bandeirense Mirandópolis foi criado em agosto de 2010 por dois advogados de São Paulo que queriam pregar uma peça num estagiário depois de perceberem que o estudante estava usando – sem checar – informações de internet como base das pesquisas do escritório.

Desde então, o conteúdo do perfil bem elaborado com fotos e detalhes biográficos, se espalhou pela internet, e o personagem passou a ser mencionado como se de fato existisse.

Página da Wikipedia com informações sobre a eliminação do perfil do jurista fictício Carlos Bandeirense Mirandópolis (Foto: Reprodução/Wikipedia)
Página da Wikipédia com informações sobre a eliminação do perfil do jurista fictício
Carlos Bandeirense Mirandópolis (Foto: Reprodução/Wikipédia)

Wikipédia
A Wikipédia é uma enciclopédia virtual de conteúdo aberto, ou seja, que permite a edição e inclusão de textos pelos próprios internautas.

Quem edita ou cria os perfis pode incluir links das fontes consultadas para a produção do conteúdo. A enciclopédia virtual foi criada pela Wikimedia, fundação internacional que, em sua página oficial, afirma que tem o objetivo de levar conhecimento gratuito às populações.

É quase impossível impedir por completo a ação de pessoas que queiram manipular o propósito da Wikipédia de ser uma fonte de conhecimento confiável e neutra". -- Wikimedia
Procurada por e-mail pelo G1, a Wikimedia destacou que os conteúdos das páginas da Wikipédia são monitorados pelos próprios internautas, que atuam como "editores voluntários".

“Um dos princípios fundamentais do Wikipédia é a presunção de boa fé. E a grande maioria dos editores operam em acordo com este princípio. No entanto, é quase impossível impedir por completo a ação de pessoas que queiram manipular o propósito da Wikipédia de ser uma fonte de conhecimento confiável e neutra”, disse a Wikemedia ao G1.

Qualquer um pode se tornar voluntário – não é preciso autorização da fundação internacional – e iniciar modificações para aperfeiçoar as páginas da Wikipédia.

Os editores podem se comunicar entre si por fóruns de discussão que existem em todos os perfis da enciclopédia.

Os usuários mais antigos da Wikipédia adquirem, com o tempo, poder de administrador para fazer modificações consideradas mais sérias, como a retirada de um perfil do ar. Em casos graves ou que gerem ações judiciais, gestores da Wikimedia atuam.

No caso do perfil de Carlos Bandeirense Mirandópolis, a página foi excluída pelo usuário Leon Saudanha, um dos membros da comunidade brasileira de editores voluntários.

“A Wikipédia possui milhares de artigos e é mantida por voluntários, sendo que o único modo de identificar artigos falsos é checando as fontes, e isso não é feito de maneira ostensiva. Além do que, não possuímos supervisão editorial, ficando a tarefa de confirmar a veracidade ou não do que é posto nos artigos sob total responsabilidade de quem edita-os, cabendo a nós, administradores apenas agir quando solicitados”, disse Leon Saudanha em email encaminhado ao G1.

A Wikipédia possui milhares de artigos e é mantida por voluntários, sendo que o único modo de identificar artigos falsos é checando as fontes, e isso não é feito de maneira ostensiva" -- Leon Saudanha, membros da comunidade de editores da Wikipédia.
 
Carlos Bandeirense Mirandópolis
Na Wikipédia, Mirandópolis era apresentado como catedrático da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Foi perseguido durante a ditadura militar (1964-1985) e se exilou em Paris.

Segundo a enciclopédia virtual, na Europa, o jurista fictício conheceu Chico Buarque de Hollanda e inspirou o compositor na música "Samba de Orly", uma parceria entre o próprio Chico, Toquinho e Vinícius de Moraes.

“Segundo ele [Chico Buarque], a composição de Mirandópolis era muito mais bela, porém este nunca permitiu que fosse gravada, pois não queria perpetuar na partitura a tristeza do exílio!", dizia o texto, com toque poético.

Procurada pelo G1, a assessoria de Chico Buarque disse que o compositor não conhece o "jurista". A PUC-SP informou que nunca teve em seus quadros um professor com o nome de Carlos Bandeirense Mirandópolis.

O texto do Wikipédia também dizia que o jurista fictício retornou ao Brasil na década de 1980 e atuou ativamente no comício das Diretas Já.

Decisão do TJ
A participação nos protestos das Diretas Já, que obviamente nunca existiu, é citada em uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 10 de novembro de 2014.

Mirandópolis é mencionado pela relatora de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que pedia a derrubada da lei estadual que proibiu o uso de máscaras em manifestações.

A lei foi aprovada após a onda de protestos de rua em 2013 e determinou que as máscaras podem ser usadas em eventos culturais, mas, se uma pessoa for presa com o rosto coberto em uma manifestação de rua, deverá ser encaminhada a uma delegacia.

A desembargadora Nilza Bittar negou o pedido para declarar a lei inconstitucional e destacou, no voto, que Carlos Bandeirense Mirandópolis não usou máscara quando participou do comício das Diretas Já, assim como personalidades como Ulysses Guimarães, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro disse que a menção feita pela desembargadora a Carlos Bandeirense Mirandópolis teve como fontes a página do núcleo de memória da PUC do Rio de Janeiro e o filme "Diretas Já".

O Tribunal afirmou ainda que a menção teve caráter meramente ilustrativo, não exercendo qualquer influência ou contribuição jurídica para o embasamento da decisão.

Arte - citação a juiz fictício, Carlos Bandeirense Mirandópolis - Vale este (Foto: Arte/G1)


Citação acadêmica
Carlos Bandeirense Mirandópolis também aparece em um trabalho acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sobre produções artísticas censuradas na ditadura militar.

A estudante, do curso de arquivologia, menciona que Chico Buarque se tornou amigo de Mirandópolis, em viagem à França. O jurista também é citado em um documentário sobre as Diretas Já e em diversos outros sites sobre a ditadura militar e a redemocratização.

A 'criação'
O G1 localizou os “criadores” de Carlos Bandeirense Mirandópolis, os advogados Victor Nóbrega Luccas e Daniel Tavela.

Eles contaram que perceberam uma “dinâmica” entre os estagiários de usar informações da internet para fazer as pesquisas jurídicas.

Decidiram, então, pregar uma peça e mandaram que um dos jovens fizesse uma pesquisa sobre a teoria da Oferta Pública de Associação, que não existe. Para dar veracidade à história, criaram o perfil de Mirandópolis, que seria o autor da tese. “A ideia veio de uma experiência com um estagiário que eu e o Vitor tivemos, e a gente tinha identificado nele uma dificuldade em fazer pesquisa. Particularmente, por ele acreditar em tudo que aparecia na internet. Aí a gente resolveu criar esse personagem e fazer essa experiência didática com ele”, disse Daniel Tavela.

O que os advogados não esperavam era que o estagiário não seria o único a “cair" na brincadeira.
Victor Nóbrega diz que viu com “surpresa” a citação a Carlos Bandeirense Mirandópolis em uma decisão judicial.

“A coisa tomou uma proporção que a gente nunca imaginava. Eu esperava aparecer em alguns blogs, mas não em uma fonte mais séria. Eu gargalhei. Mas, se é engraçado por um lado, é triste por outro, porque as pessoas não estão usando a internet corretamente”, afirmou o advogado.

Segundo os advogados, a foto que ilustrava a página, e que seria uma imagem do suposto jurista, foi adicionada depois da criação do perfil de Mirandópolis, por uma outra pessoa. A produção da GloboNews apurou que a foto é do prefeito de Viena, na Áustria, Michael Häupl.

O que a gente tem que mudar é a gente poder checar a origem dos fatos, checar a origem das informações. E não ter aquilo que está na rede, só pelo fato de estar postado na internet, como verdadeiro" -- Ronaldo Lemos, especialista em internet
Especialistas
O G1 também ouviu especialistas sobre o uso de informações da internet. O professor Gilberto Lacerda Santos, da Universidade de Brasília (UnB), diz que o episódio mostra que a sociedade ainda não aprendeu a usar as informações disponíveis na rede.

“Nós estamos ainda tateando essas possibilidades novas e esses problemas, essas situações problemáticas que aparecem aqui e ali só revelam a fragilidade da nossa educação básica. Competiria às pessoas, a nós cidadãos dessa sociedade tecnológica, desenvolver mecanismos, estratégias, habilidades pra que saibamos separar o joio do trigo”, afirmou.

O professor Ronaldo Lemos, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, diz que a internet é um instrumento importante de pesquisa e comunicação. Mas ressalta que é preciso “desconfiar sempre” e checar as informações.

“A rede é assim, ela vai continuar assim, e não há muito o que a gente possa fazer para mudar isso. O que a gente tem que mudar é a gente poder checar a origem dos fatos, checar a origem das informações. E não ter aquilo que está na rede, só pelo fato de estar postado na internet, como verdadeiro”, afirmou.

“A gente tem que fazer algumas perguntas: quem escreveu essa informação? Quem confirma essa informação? Ela está presente em outras fontes também? É algo que é reconhecido por exemplo, por instituições científícas? É fundamental que essa educação para a mídia esteja presente na cabeça das pessoas”, disse.


domingo, 21 de fevereiro de 2016

Os impactos imediatos de uma mentira difundida na rede, por Leonardo Sakamoto

qui, 11/02/2016 - 14:14 - Atualizado em 11/02/2016 - 14:17



Do Blog do Sakamoto
Leonardo Sakamoto

Um jornal impresso de Minas Gerais estampou em sua manchete de capa uma foto minha e uma declaração atribuída a mim – mas que nunca dei – de que “aposentados são inúteis à sociedade''. Dentro, uma entrevista – que também nunca concedi – com várias barbaridades contra os aposentados que eu nunca falaria. Ao que tudo indica, alguém pegou um post meu do ano passado, inverteu o sinal de tudo e o transformou em entrevista.

O que acontece no período entre uma difamação ser lançada na rede e o jornal, no caso o “Edição do Brasil'', soltar uma nota informando que a entrevista era falsa?

Desta vez, tive a curiosidade de registrar passo a passo o que acontece. Agora trago um grande passeio pela natureza humana na web. Isso pode ser útil quando disserem a vocês algo do tipo: “Ah, relaxa, é só a internet! Não dá em nada.''

1) Pessoas que não conhecem as ideias deste autor começam a compartilhar o texto, indignadas.

2) Mensagens espumando de raiva chegam até mim. Muitas de aposentados. As mais leves, desejam muita dor e sofrimento.

Como a de Durval Alves Correia Alves, do Rio de Janeiro (RJ): “Seu verme. Deveria ter vergonha do seu pai e da sua mãe que os colocou no mundo. Deveria ter a sensibilidade de saber que o idoso contribui muito mais do que você como jornalista. Acredito que você deverá morrer antes dos seus 40 anos, senão de alguma doença incurável ou de tiro. Toma vergonha na puta da sua cara e vê se faz alguma coisa de bom para aqueles que precisam de pessoas de dignidade. Seja homem e não um marginal. Cuidado com as merdas que fala, você é um ser mortal… Não se esqueças disso seu filho da puta, pela saco, inútil é você. Me processa.'' Não costumo dar nomes, mas a postagem dele foi aberta.


3) As conhecidas redes de ódio e intolerância, mesmo sabendo que aquilo não condiz com o pensamento deste autor, se apropriam do conteúdo e começam a dispara-lo como se não houvesse amanhã. Surge o primeiro “esse desgraçado é vendido para o governo federal'', afirmando que me pagam para falar mal de aposentados. Evitam dizer que sou crítico ao governo Dilma e às mudanças na Previdência e na legislação trabalhista que ela namora. Surgem os memes, que alimentam as hordas do Fla-Flu político nacional que, de forma leviana, reduzem todos que são de esquerda a um partido político.

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4) Alguém relaciona a entrevista falsa ao nazismo e diz que o nazismo e o socialismo são a mesma coisa. E que ser de esquerda significa querer acabar com os mais velhos. “Nazista é gente boa perto desse animal'', é um exemplo desses elogios. Alguém sugere a hashtag #Heil_Sakamoto.

5) Chegam as ameaças de morte.

Como a de Jullio Cavalcante Fortes, de Rio Branco (AC): “Este filho da puta, desgraçado, deve ser caçado e morto a faca. Vou distribuir este escarnio para todo o Brasil. E vamos aguardar no que vai dar. Gostaria muito de enfiar 5 balas 1.40 no meio da testa deste filho da puta para ele nunca mais falar mau dos idosos. Desgraçado (sic)''. A mensagem foi pública, por isso publico aqui.

6) Dou uma explicação simpática no Facebook, dizendo que nunca disse aquilo e aponto para o texto que escrevi defendendo o aumento do salário e que foi desvirtuado por ignorância ou má fé. Há pessoas que não acreditam (“se está se justificando é porque fez'') e outras simplesmente ignoram o claro sentido do texto e continuam me xingando.

7) Leitores frequentes do blog, que concordam com ele ou não, tentam convencer os amigos na rede de que aquilo não faz sentido e a acusação é falsa. Mostram o texto original de onde foi inspirada a falsa entrevista, explicam a distorção de tudo. Parte dos amigos dos leitores, em fúria, ignoram as explicações, dizem que nada disso importa. O que importa é que ele é de esquerda. E se é de “esquerda'' pode até não ter tido culpa nisso, mas alguma culpa ele tem. E, seguindo a lógica do linchamento (se a turba está contra ele é porque é o culpado), sentam o pau.

8) O primeiro colega jornalista entra em contato para repercutir a matéria. O texto atinge, em pouco tempo, cerca de 15 mil compartilhamentos.

9) O próprio jornal reconhece que não dei a entrevista a eles. Alega que ela foi respondida por uma pessoa que se fez passar por uma assessora minha para prejudicar a mim e ao jornal (justificativa que eles deram em nota que substituiu a entrevista falsa). Claro, nunca me ligaram para checar qualquer informação antes de colocá-la na capa.

10) Mas não importa mais, não depende mais do jornal. As redes de ódio ignoram e continuam divulgando o conteúdo original. Como um desmentido não é lido com a mesma voracidade que uma acusação, e como as pessoas só leem título e foto na internet antes de comentar, a porrada continua. Na verdade, o conteúdo não mais importa, nem o desmentido, nem a informação. Passo a ser obrigado a provar de que não falei aquilo e não o contrário. É raiva, apenas raiva que flui.


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Tomarei as medidas judiciais cabíveis. Mas o próximo passo, eu já conheço: ser xingado no supermercado ou ser vítima de agressões e cusparadas na rua, como já aconteceu comigo quando circularam outras difamações no ano passado. Esses casos têm cauda longa, duram meses e anos, arrastando-se pela internet e sobrevivendo de incautos e ignorantes. É conteúdo que ficará circulando para ser capturado por grupos que promovem o ódio, saindo da rede e sendo transportados por pessoas sem discernimento que, no limite, fazem Justiça com as próprias mãos.

Tudo isso para me lamentar da vida? Não, longe disso. Quem atua na área de direitos humanos sabe que isso pode acontecer.

Isso é para lembrar que você ganha um pontinho no céu e um bebê panda sorri na China toda vez que você checar uma informação antes de compartilha-la em redes sociais. Então, não faça isso por mim ou pela verdade dos fatos. Faça pela sua alma. E pela alegria dos pandas.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Por que temos cotas sociais e raciais no Brasil?

18/Feb/2016 às 16:00
 
Guia prático explica por que temos cotas sociais e raciais no Brasil e tira dúvidas sobre o funcionamento das ações afirmativas 

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Como ainda tem muita gente que não entende (ou não quer entender) por que temos cotas raciais e sociais no Brasil, preparei um rápido guia. Ele pode ser aumentado à medida que novas dúvidas surjam. Qualquer pergunta extra, escreva para o blog.

1. Se você é preto, pardo ou indígena, tem direito às cotas; ponto. A autodeclaração vale na hora da inscrição, mas algumas universidades podem exigir comprovação após a matrícula para verificar se você atende aos requisitos. Isto é feito principalmente para não prejudicar outros pretos, pardos ou indígenas que de fato precisam das cotas.

2. Se você é preto, pardo ou indígena e veio de escola privada, mas acha que, por uma questão de reparação histórica, deve usar o sistema, tem direito.

3. Se você é preto, pardo ou indígena e veio de escola privada, poderia abrir mão das cotas (se desejar). Esta é, porém, uma decisão que compete apenas aos pretos, pardos e indígenas, não aos brancos.

4. Se você é preto, pardo ou indígena e, mesmo sendo pobre, acha que as cotas são desnecessárias, é simples: não utilize as cotas. Mas estude melhor a História do Brasil para não se tornar duplamente vítima do racismo, sem se dar conta.

5. Se você é branco e veio de escola pública, tem direito às cotas.

6. Se você é branco, mas longinquamente afrodescendente e estudou em escola privada, não deveria se candidatar a cotas por uma questão moral e ética. Fazer-se passar por negro para ser beneficiado por cotas é uma espécie de corrupção e pode ser considerado estelionato.

7. Se você é branco e veio de escola privada, não tem direito a cotas.

8. As cotas foram feitas, obviamente, para atender a quem precisa delas. Como a maioria dos pobres no Brasil é preta, parda ou indígena, bingo: a maioria deles precisa de cotas porque não se pode comparar suas chances de ascender à universidade com as de estudantes de classe média ou ricos que frequentaram escola privada a vida toda. Isto se chama INCLUSÃO.

9. Coloque na cabeça: as cotas não são uma vantagem: são a correção de uma desvantagem histórica. Antes delas, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros tinham concluído universidade no Brasil; após as cotas, este número subiu para 11% de pardos e 8,8% de negros. Ainda é pouco, já que eles são 53% na população. Em Medicina, por exemplo, somente 0,9% dos formandos no Estado de São Paulo em 2014 eram negros.

10. Quem gosta tanto de usar a palavra “meritocracia” deveria entender que ela só se justifica entre pessoas com condições de vida semelhantes e não entre desiguais. É moleza falar em meritocracia sendo branco, tendo papai rico e estudando nos melhores colégios. É como apostar corrida saindo vários segundos na frente do outro competidor.

11. Ao contrário do que quem é contra as cotas costuma espalhar por aí, as notas dos cotistas têm se mostrado iguais ou superiores às dos estudantes não-cotistas em várias universidades, como a UFMG, e em algumas delas o índice de evasão dos cotistas é menor que o dos não-cotistas.

12. Nos EUA, existem cotas (políticas de ação afirmativa) desde os anos 1970. Isso possibilitou que os negros avançassem na sociedade ao ponto de hoje o presidente do País ser negro. No Brasil, menos de 10% dos deputados e senadores são pretos e pardos.

13. As cotas raciais têm prazo para acabar: assim que a proporção de pretos, pardos ou indígenas em relação aos brancos chegar a números semelhantes aos da sociedade em geral, as cotas acabam. Enquanto isso não acontecer, nada mais justo que continuem.


 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Impostos: O leão que mia para os super-ricos

Publicado em 01/02/2016 14:04

No Brasil existe um mito segundo o qual a carga tributária seria uma das mais altas no mundo. Esta inverdade tem sido espalhada à exaustão pela Fiesp e seus patinhos de borracha. Mas o problema aqui é outro. 
 
Por Joana Rozowykwiat - Portal Vermelho


Impostos: O leão que mia para os super-ricosDe acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Heritage Foundation, de 2014 e 2015, a carga tributária média mensal brasileira é a quinta mais baixa entre as 20 maiores economias do mundo e está longe de figurar como a mais elevada do planeta.

“Quando a gente avalia, na comparação com outros países, vemos que os cerca de 36% de carga tributária [em relação ao PIB] do Brasil está na média dos outros lugares. O problema é que temos aqui uma situação de injustiça fiscal que penaliza os pobres e a classe média”, diz Grazielle Custódio David, especialista em Orçamento Público e assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Segundo ela, essa situação de desigualdade acontece basicamente por duas razões. Primeiro, porque grande parte da estrutura tributária do país está baseada em impostos indiretos, ou seja, que incidem sobre o consumo de bens e serviços e não sobre a renda e a propriedade.

“O problema de ter uma grande taxação de consumo é que, proporcionalmente, quem acaba pagando mais são os mais pobres. Por exemplo, se vai comprar arroz no supermercado, um pobre paga o mesmo imposto que um rico. Mas, quando a gente relaciona com o salário que aquela pessoa recebe, a proporção que o pobre paga é muito maior que a da pessoa rica. Isso configura uma situação de injustiça fiscal”, aponta Grazielle.



O outro entrave à justiça fiscal, diz Grazielle, está relacionado à forma de tributar a renda no país. “A gente tem uma situação em que a classe média, a faixa que recebe entre 20 e 40 salários mínimos, é a que paga mais imposto de renda hoje no Brasil. Já quem recebe, por exemplo, acima de 70 salários mínimos, praticamente não paga imposto”, compara.

No país, hoje, as rendas do trabalho são submetidas à cobrança de imposto de acordo com uma tabela progressiva com quatro tipos de alíquotas (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%). Já nas rendas do capital o leão dá apenas uma mordiscadinha, uma vez que as rendas decorrentes da distribuição de lucros e dividendos são isentas de Imposto de Renda. E outras, como ganhos financeiros ou de capital, estão sujeitas a alíquotas exclusivas, inferiores àquelas cobradas sobre a renda do trabalho.

“Se a gente compara um assalariado que paga na alíquota máxima de 27% com alguém que recebe mais do que o limite do imposto de renda, há uma situação terrível. Porque a maioria deles [os mais ricos] recebe por lucros e dividendos e, quando a gente avalia quanto eles pagam em imposto de renda, normalmente chega em 6%. Olha a situação: um grupo, que é a classe média, paga 27,5% de IR. E quem ganha muito mais que este grupo paga muitas vezes só 6%, porque existe a isenção de cobrança do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos”, lamenta Grazielle.

Segundo dados da Receita Federal, em 2014, um grupo com cerca de 71 mil brasileiros ganhou quase R$ 200 bilhões sem pagar nada de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Foram recursos recebidos, em sua maioria, como lucros e dividendos.


Essa isenção da tributação sobre lucros e dividendos foi instituída no país em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Entre todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), só o Brasil e a Estônia têm essa isenção. É uma vergonha, um vexame que o Brasil tenha aprovado uma lei como esta, que acaba punindo muitos de seus cidadãos, e beneficiando muito poucos”, critica Grazielle.

Os pesquisadores Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estimam que o governo poderia arrecadar mais de R$ 43 bilhões ao ano com a cobrança de imposto de 15% sobre lucros e dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas.

Em um momento de ajuste fiscal, no qual o governo faz malabarismos para cortar gastos e aumentar a arrecadação, o valor seria mais que bem-vindo.

As manipulações da Fiesp
Os ricos brasileiros não têm mesmo do que se queixar. De acordo com Grazielle, o Brasil tem ainda um dos mais baixos impostos sobre patrimônio. “Hoje, no Brasil, a arrecadação com impostos sobre patrimônio está na faixa de 3%. A média mundial é entre 8 e 12%”, informa, apontando a falácia no argumento de quem cita a carga tributária como abusiva.

A assessora do Inesc criticou o discurso de combate aos tributos, que interessa, especialmente, aos super-ricos, sobre quem menos pesam os impostos. Ela aponta a Fiesp como grande representante desse grupo – em grande parte possuidor de empresas e recebedor de lucros e dividendos não tributados.


Para ela, a entidade mente e manipula informações, de forma a conseguir a adesão da população para suas campanhas pela redução da carga tributária. Ao propalarem desinformação, as iniciativas terminam conseguindo apoio entre as classes baixa e média, que de fato sentem no bolso o preço dos impostos.


“A Fiesp, através de sua atuação, inclusive de lobby com o Legislativo, grandes campanhas e articulação, representando os interesses dos super-ricos, tem formulado um discurso fácil de ser assimilado, porque as pessoas percebem uma carga pesada para elas e acatam esse discurso. Mas o problema é que eles [da Fiesp] contam uma mentira, ou uma verdade incompleta. Manipulam as informações, e o pobre e a classe média acabam sentindo, sim, o peso, porque todo o peso da carga tributária está sobre eles. Enquanto isso, os ricos praticamente não pagam imposto. É um discurso forjado, manipulador, para enganar a população”, acusa.

Para que serve o imposto
De acordo com Grazielle, a maior consequência deste tipo de campanha é que, ao insistir que a carga tributária é alta, distancia as pessoas de uma compreensão real sobre a importância dos impostos.

“A gente vai então ignorando o que determina uma carga tributária, que são as demandas sociais”, ressalta. Segundo ela, cria-se um quadro de contradição, em que as pessoas pleiteiam melhores serviços públicos, mas combatem a forma que o Estado tem de promovê-los.

“É isso que leva as pessoas para as ruas. É saúde, educação, segurança, promoção de direitos fundamentais, direitos humanos. E são essas demandas e necessidades sociais que vão determinar qual é a carga que um país tem que ter de tributos para garantir esse tipo de assistência à sua população. Se a gente quer que essas demandas sejam atendidas, os impostos são necessários. Agora, a forma como esse imposto vai ser cobrado da sociedade, aí é que entra a questão da justiça fiscal, que precisa melhorar no país”, diz.

Ela avalia que o debate sobre a importância dos tributos não interessa à parcela mais rica da população – a mesma que faz críticas ao tamanho do Estado. “Esses super-ricos não têm muito interesse de que essas demandas sociais sejam atendidas para o coletivo, porque muitos deles, por exemplo, recorrem a um plano de saúde, a uma escola privada, muitos contratam segurança privada, e esquecem que a maioria da população não tem como recorrer a isso e necessita que o Estado garanta.”

Para ela, mais que um debate sobre ter mais ou menos impostos, é preciso redistribuir a carga já existente.

 



“Isso pode ser feito com a diminuição de impostos indiretos e com redistribuição do imposto de renda. A gente pode, por exemplo, criar mais faixas, com diferentes alíquotas, diminuindo a incidência do Imposto de Renda até os 40 salários mínimos, e aumentando a partir daí, desde que se revogue a lei que isenta de taxação os lucros e dividendos. Além disso, a gente pode trabalhar muito na questão dos impostos sobre patrimônio”, sugere.

A especialista em Orçamento Público defende que, com esta série de medidas, é possível aumentar a arrecadação – e, consequentemente, o orçamento público –, diminuir o peso da carga tributária sobre os mais pobres e a classe média e, ainda, atender melhor às demandas sociais e promover políticas públicas com melhor financiamento, o que acabaria por gerar melhor qualidade nos serviços.

Grandes fortunas
Outra medida que vem sendo discutida como forma de aumentar a justiça fiscal no país é a implantação do imposto sobre grandes fortunas, que está previsto na Constituição, mas precisa ser regulamentado. Grazielle, contudo, avalia que a medida enfrenta dificuldades para avançar.

“Uma grande resistência a esse tipo de taxação é de quem diz que vai haver fuga de capitais do país. Outra questão é que, quando se fala em imposto, significa que a União não pode compartilhar. Então existe uma resistência de estados e municípios para avançar nisso, se for em formato de imposto. Se fosse, por exemplo, no formato de uma taxa, ou outro formato de cobrança, talvez tivesse mais apoio de governadores e prefeitos”, avalia.

Segundo ela, nesse sentido, a adesão dos estados e municípios é maior à proposta de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). “Como a CPMF é uma contribuição, ela pode ser compartilhada. Talvez por isso, o debate sobre a taxação de grandes fortunas perca um pouco de força”, explica.

Segundo ela, por causa da resistência que foi forjada na sociedade em relação a novos tributos, talvez seja melhor o governo trabalhar com as possibilidades que já existem, eliminando desonerações e aumentando a fiscalização e cobrança, de forma a recuperar recursos que estão na Dívida Ativa da União ou foram sonegados.

“Hoje as renúncias tributárias são altíssimas no Brasil, concedidas ao setor privado, sem que haja um controle adequado de qual retorno existe. Você desonera uma grande empresa, falando que ela vai garantir mais empregos, que vai melhorar a economia, mas não tem depois nenhum estudo que avalie se isso de fato aconteceu”, condena.

Ela lembra que a Dívida Ativa da União ultrapassa hoje R$ 1 trilhão. “Porque não investir na capacidade de fiscalização e cobrança dessas dívidas?”, questiona, acrescentando que outros R$ 500 bilhões anualmente se perdem na sonegação.



Grazielle cita ainda manobras feitas por grandes empresas, com o objetivo de pagar menos impostos. “A gente fez um estudo com a Vale, no qual foi possível observar a série de planejamentos tributários que eles fazem. Vendem, por exemplo, minério a preço muito abaixo do valor de mercado para países que são paraísos fiscais. Lá eles revendem e redistribuem para outros países, já com preço de mercado. Quando o minério sai daqui com preços baixos, eles já estão pagando menos impostos.

Chega no paraíso fiscal, não vão pagar imposto também. E, como vendem de lá com valor normal, então ganharam de novo. São manobras que tentam ficar dentro da lei, mas que acabam por sonegar, porque deixam de pagar os impostos devidos”, explicou.

De acordo com ela, de certa forma, há certos estímulos à sonegação no Brasil. “Sou uma empresa, tenho que pagar Cofins, por exemplo, e não pago. Pego esse dinheiro e invisto [no mercado financeiro]. O dinheiro fica rendendo juros. Depois de um tempo, vou para a Dívida Ativa, espero vir o Refis [programa de refinanciamento fiscal], aí negocio a dívida para pagar um valor ainda mais baixo do que eu devia. Quer dizer, ganho duas vezes, com os juros e pagando menos imposto”, exemplifica.

Além disso, a certeza da impunidade é algo que não ajuda a coibir os crimes fiscais, afirma. “No Brasil, pela lei, se depois você paga o que deve, o crime tributário deixa de existir. Não existe punição. Em outros países não existe essa revogação. Se a pessoa fez, além de ter que pagar o valor, muitas vezes com correção, ela ainda pode ser punida penalmente. A certeza da impunidade, a coisa do Zé Malandro, é que reforça a sonegação”, ressalta, defendendo que é preciso fortalecer as instâncias governamentais de fiscalização, controle e cobrança.

“A gente fica falando que em 2015 fizemos um orçamento deficitário de R$ 30 bi. Mas espera aí! A gente tem uma sonegação de R$ 500 bi, mais uma desoneração tributária de mais R$ 500 bi, mais uma dívida ativa de quase R$ 1,5 trilhão. Será que a gente tem um orçamento negativo de fato como nação ou poucas pessoas estão, aí, ficando com nosso dinheiro, deixando de pagar o que devem, e a gente sofrendo as consequências, sofrendo um ajuste fiscal?”, indaga.


Que reformas queremos?
Atualmente funciona no Legislativo uma Comissão Especial da Reforma Tributária, tema que deve estar muito em pauta este ano. Contaminado pelas meias verdades difundidas pela Fiesp, o debate deve refletir o cabo de guerra entre os interesses de super-ricos e trabalhadores, observa Grazielle.

“Se existe intenção de fazer a reforma tributária andar? Existe interesse dos dois lados, inclusive”, opina. De acordo com ela, um grupo dentro da Câmara, que tem entre seus integrantes o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB), tem a intenção de fazer uma reforma que promova redução da carga tributária. Enquanto isso, do outro lado, setores progressistas defendem a justiça fiscal.

“Há pressão dos dois lados para que a reforma tributária aconteça. Acho que esse é um ano em que se vai discutir muito isso. Agora, por qual desses dois caminhos nós vamos acabar trilhando é a grande incógnita. Nossa defesa é que seja o caminho de uma reforma tributária com justiça fiscal”, encerra.
 
 
 

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Prisão de Dirceu e cerco a Lula causam embaraços à Justiça brasileira

Por em

O mandato de prisão de Dirceu, segundo balanço do Ministério Público Federal até 18 de dezembro do ano passado, foi apenas mais um entre os 119 expedidos, dos quais 62 foram de prisões preventivas, e 57, de temporárias

 
Por Redação, com agências internacionais – de Curitiba, Londres e São Paulo

Assistido por juízes, advogados e jornalistas, nos EUA e em alguns países da Europa, o vídeo com o depoimento do ex-ministro José Dirceu ao titular da Vara Federal do Paraná, juiz Sérgio Moro, teve um efeito didático sobre o funcionamento do Judiciário, no Brasil; além dos efeitos causados à aplicação da lei pela interferência política da ultradireita brasileira nas principais Cortes de Justiça do país. Até no STF.

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu

Advogado por profissão e capaz de exercê-la, a ponto de se estabelecer na elegante Avenida República do Líbano, nos Jardins da capital paulista, em uma casa de dois andares, espaçosa, com sua empresa de consultoria, o líder petista, frente a frente com seu inquisidor, afirma ao juiz Moro que não entendia o motivo porque foi preso. E está preso há seis meses. Nem Dirceu, nem o experiente barrister londrino, Sir Jeffrey Jowell e seus associados Timothy Otty e Naina Patel, da banca Blackstone, uma das mais bem remuneradas da City. Nem centro mundial do capitalismo, ao qual serve o juiz paranaense, a prisão de Dirceu — inimigo jurado do stablishment desde que concluiu o curso de guerrilha em Cuba, no século passado — foi comemorada como uma vitória dos conservadores sobre a esquerda brasileira. Mas encarada como um sinal preocupante quanto à saúde do sistema jurídico nacional.

Como afirmou o jornalista Paulo Nogueira, editor do site Diário do Centro do Mundo, desde Londres, afirmou em artigo, logo após a divulgação do vídeo com o depoimento de Dirceu, que aquele era “um retrato perturbador da Lava Jato e do próprio Moro”.

“Você vê um entrevistador, ou interrogador, hesitante, despreparado e munido de acusações de extrema fragilidade. Na contrapartida, o entrevistado, ou interrogado, responde a todas as questões com a clareza que faltou por completo a Moro. Dirceu está cansado, claramente, abatido – mas mantém o raciocínio límpido e rápido. A não ser que você seja um antipetista fanático, ao fim do vídeo você vai se perguntar: ‘Mas o que este cara tá fazendo preso há tantos meses?”, ressalta Nogueira.

Para o articulista, que já dirigiu a revista semanal de ultradireita Veja, da Editora Abril, e conhece as organizações patrocinadoras do ambiente de ódio que impera na política brasileira, nas entrelinhas, “o que mais chama a atenção é a ignorância sobre a natureza do tipo de consultoria que um homem como Dirceu pode prestar a grandes empresas interessadas em conquistar mercados internacionais. Qual é a mercadoria que ele tem? Suas relações, o conhecimento que amealhou ao longo de anos de vida política”, explica.

“Eu estava na Abril quando a empresa solicitou os serviços de consultoria de Maílson da Nobrega, o homem dos 80% de inflação mensal. O que se demandava de Mailson, em sonolentas reuniões em que eu frequentemente dormia, como amigos meus do então Comitê Executivo da Abril poderiam confirmar, é que ele e sócios da consultoria Tendências mostrassem os cenários econômicos e políticos.
 
Existe, é certo, outro tipo de consultoria. Ainda na Abril, a Booz-Allen fez um trabalho de reengenharia financeira. Aí sim eram pilhas de estatísticas”, detalha.

Banca britânica

A rotina do juiz Sergio Moro, de mandar prender os implicados na Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF), causa ainda mais espécie aos advogados britânicos que, em recente parecer — encomendado pela defesa dos executivos da empreiteira Odebrecht — afirmaram ser uma “afronta aos princípios mais básicos do Estado Democrático de Direito” o uso generalizado de prisões anteriores a um julgamento”. Segundo os associados da Blackstone Chambers, a forma como Lava Jato (Car Wash, como traduziram) tem sido conduzida pela Justiça Federal “levanta sérios problemas relacionados ao uso de prisões processuais, o direito ao silêncio e à presunção de inocência”. Para os advogados ingleses, a condução da operação tem violado os princípios da presunção de inocência e o direito a um “julgamento justo em prazo razoável”.

O mandato de prisão de Dirceu, segundo balanço do Ministério Público Federal até 18 de dezembro do ano passado, foi apenas mais um entre os 119 expedidos, dos quais 62 foram de prisões preventivas, e 57, de temporárias. Outro balanço, também do MPF, diz que são 140 os denunciados e 119 os que tiveram a denúncia aceita pela Justiça, tornando-se réus. Outros 80 já foram condenados.

“Nessas circunstâncias, há preocupações reais de que houve falha na adequação do significado fundamental e histórico do direito à liberdade e à natureza expedita do remédio que representa o Habeas Corpus”, afirma o parecer da Blackstone.

O parecer dos advogados ingleses cita relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o uso de prisões preventivas na América do Sul e na América Central, publicado em 2013, referente a dados coletados em junho de 2012. Proporcionalmente, o Brasil é o segundo país com mais prisões preventivas da região, com 191 mil pessoas encarceradas sem julgamento, ou 38% do total, até junho de 2012. Para os barristers ingleses, os dados mostram que vários padrões internacionais de direitos humanos, inclusive tratados dos quais o Brasil é signatário, são desrespeitados, entre eles a presunção de inocência, o Ônus da Prova, o Princípio da excepcionalidade, no qual a prisão antes do julgamento só deve ser usada apenas como “último recurso em situações específicas” e as Razões legítimas para prisão, nas quais é obrigação do Estado não restringir a liberdade de um acusado além dos limites estritamente necessários para garantir que ele não impeça o desenvolvimento eficiente de uma investigação.

O parecer da Blackstone ainda acrescenta que características pessoais dos investigados e acusados não podem servir de motivo para a prisão preventiva. “O significado é óbvio”, diz o texto. Isso quer dizer, para os advogados, não se pode justificar uma prisão com base no argumento de que o réu é rico ou que é acusado de crimes graves, como corrupção. “Algo mais concreto, como o risco de fuga ou de intervenção nas investigações, é necessário.”

Porta-voz dos mais castiços conservadores da City, a revista britânica The Economist usou o parecer da Blackstone para uma reportagem intitulada Justiça estranha (Weird Justice, no original). A conclusão do texto é que, enquanto suspeitos e acusados são presos antes do julgamento, os condenados recebem penas brandas, como a prisão domiciliar ou a obrigação de comparecer em juízo uma vez por mês. A Economist relata as críticas feitas à espécie de “carisma” do juiz Sergio Moro, que conduz a Lava Jato em Curitiba, e critica a prisão de mais de 600 mil pessoas, 40% das quais ainda não foram condenadas. Diz, porém, que os motivos são “menos óbvios” do que os discutidos na Lava Jato”: o problema é que, no Brasil, afirma a revista, um único juiz pode mandar alguém para a cadeia sem a anuência de um júri popular.

Efeito da mídia

Digna de uma das maiores coberturas na mídia conservadora do país, a prisão de José Dirceu se mistura às dos demais envolvidos nesta que se tornou, na realidade, em uma caçada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora tratado como “investigado” pela PF paulista. No relatório da Blackstone os barristers citam as declarações do procurador da República Manoel Pastana a jornalistas, para defender o uso das prisões preventivas com o objetivo de forçar as delações premiadas: 

“Em crime de colarinho branco, onde existem rastros mas as pegadas não ficam, são necessárias pessoas envolvidas com o esquema para colaborar. E o passarinho pra cantar precisa estar preso”, disse o procurador, em novembro do ano passado.

Caso prevaleça a máxima do procurador Pestana, Lula corre sério risco, principalmente se o ambiente de conflagração ficar ainda mais acirrado no próximo dia 17, quando prestará depoimento no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, na condição de investigado. Poderá cair numa “armadilha”, como adianta o blogueiro Eduardo Guimarães, titular do Blog da Cidadania. Segundo afirmou, em publicação editada neste sábado, teria recebido uma “denúncia séria de que o governo do Estado de São Paulo estaria preparando uma armadilha para Lula e seus apoiadores durante depoimento do ex-presidente e sua mulher no Fórum Criminal da Barra Funda, no dia 17, às 10 horas da manhã”.
Para o blogueiro, “como se vê, o clima, por si só, deve esquentar”.

“O promotor tucano já deu a senha. Como uma das maiores autoridades no local, poderá controlar a PM a seu bel prazer” suspeita.

De acordo com a denúncia que recebeu, Guimarães conta que “sob ordem das autoridades do Fórum, a PM tentará arrumar uma desculpa para impedir a entrada dos grupos pró-Lula no local, dando total acesso aos grupos antipetistas. Se não for possível, a PM tratará de atacar e dispersar os grupos de apoio a Lula, acusando-os de algum excesso que poderá ser cometido por gente do outro lado e atribuído aos petistas”.

Não seria o primeiro ataque direto ao ex-presidente da República. Noite passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes foi à festa de aniversário da ministra da Agricultura, Katia Abreu e, “aos brados”, chamou o ex-presidente Lula de “bêbado”. Mendes, segundo notícia veiculada em um diário conservador carioca, disse que “Lula chegou embriagado em São Paulo para prestar solidariedade às vítimas do acidente da TAM, em Congonhas, ocorrido em outubro de 1996. A tragédia acabou com 99 mortos. Constrangimento geral”, conclui. 

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