Jornal GGN - O deputado
Paulo Pimenta (PT-RS) apresentou um organograma que traz conexões entre
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, as organizações Globo, a Brasif, a Fifa e a empresa Mossack Fonseca,
que é apontada como criadora de empresas offshores que seriam
utilizadas para lavar dinheiro e ocultar patrimônio. O deputado também
pede que a Polícia Federal investigue os citados.
“Procuramos mostrar que existe uma
conexão. Procuramos identificar benefícios que essas empresas possam ter
obtidos de acordo com as relações”, afirma em entrevista coletiva em
Brasília, nesta quinta (25).
“Em um escritório do Panamá, foram
criados a Veine, uma outra empresa criada em parceria dos donos da Globo
e uma de Paulo Roberto Costa [acusado de corrupção da Petrobras]. A
mesma empresa utilizada por Paulo Roberto é usada pela família Marinho.
No endereço de um consórcio da Veine aparece a empresa Brasif”.
Pimenta afirma que foram identificadas
práticas de crimes e solicitou investigação do patrimônio da Veine, dos
bens do Marinho e da Brasif.
O organograma de Pimenta é baseada em
matérias investigativas de sites independentes, como Diário do Centro do
Mundo, Rede Brasil Atual, Cafezinho e também o Jornal GGN.
Perfil de Carlos Mirandópolis foi criado como ‘pegadinha’ para estagiário.
'Jurista' acabou citado em decisão do TJ do Rio e trabalho de graduação.
Nathalia Passarinho
Do G1, em Brasília
Imagem
de página da Wikipédia que informa que a página do jurista fictício foi
excluída nesta terça-feira (23) (Foto: Reprodução/Wikipédia)
O perfil do jurista fictício Carlos Bandeirense Mirandópolis foi apagado da enciclopédia virtual Wikipédia depois de reportagem do G1
ter mostrado que a página criada em 2010 para fazer uma “pegadinha” com
um estagiário já foi citada em decisão do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro (TJ-RJ), em documentário de cinema e em trabalho acadêmico de
graduação.
Desde o final da manhã desta terça-feira (23), ao procurar por Mirandópolis no Wikipédia,
o leitor se depara – em vez da “biografia” do falso jurista – com a
informação de que o perfil foi excluído em 23 de fevereiro, após ter
permanecido cinco anos e cinco meses sem ser “detectado”.
O perfil de Carlos Bandeirense Mirandópolis foi criado em agosto de 2010 por dois advogados de São Paulo
que queriam pregar uma peça num estagiário depois de perceberem que o
estudante estava usando – sem checar – informações de internet como base
das pesquisas do escritório.
Desde então, o conteúdo do perfil bem elaborado com fotos e detalhes
biográficos, se espalhou pela internet, e o personagem passou a ser
mencionado como se de fato existisse.
Página
da Wikipédia com informações sobre a eliminação do perfil do jurista
fictício Carlos Bandeirense Mirandópolis (Foto: Reprodução/Wikipédia)
Wikipédia
A Wikipédia é uma enciclopédia virtual de conteúdo aberto, ou seja, que
permite a edição e inclusão de textos pelos próprios internautas.
Quem edita ou cria os perfis pode incluir links das fontes consultadas
para a produção do conteúdo. A enciclopédia virtual foi criada pela
Wikimedia, fundação internacional que, em sua página oficial, afirma que
tem o objetivo de levar conhecimento gratuito às populações.
É quase impossível impedir por completo a ação de pessoas que queiram
manipular o propósito da Wikipédia de ser uma fonte de conhecimento
confiável e neutra". --Wikimedia
Procurada por e-mail pelo G1, a Wikimedia destacou que
os conteúdos das páginas da Wikipédia são monitorados pelos próprios
internautas, que atuam como "editores voluntários".
“Um dos princípios fundamentais do Wikipédia é a presunção de boa fé. E
a grande maioria dos editores operam em acordo com este princípio. No
entanto, é quase impossível impedir por completo a ação de pessoas que
queiram manipular o propósito da Wikipédia de ser uma fonte de
conhecimento confiável e neutra”, disse a Wikemedia ao G1.
Qualquer um pode se tornar voluntário – não é preciso autorização da
fundação internacional – e iniciar modificações para aperfeiçoar as
páginas da Wikipédia.
Os editores podem se comunicar entre si por fóruns de discussão que existem em todos os perfis da enciclopédia.
Os usuários mais antigos da Wikipédia adquirem, com o tempo, poder de
administrador para fazer modificações consideradas mais sérias, como a
retirada de um perfil do ar. Em casos graves ou que gerem ações
judiciais, gestores da Wikimedia atuam.
No caso do perfil de Carlos Bandeirense Mirandópolis, a página foi
excluída pelo usuário Leon Saudanha, um dos membros da comunidade
brasileira de editores voluntários.
“A Wikipédia possui milhares de artigos e é mantida por voluntários,
sendo que o único modo de identificar artigos falsos é checando as
fontes, e isso não é feito de maneira ostensiva. Além do que, não
possuímos supervisão editorial, ficando a tarefa de confirmar a
veracidade ou não do que é posto nos artigos sob total responsabilidade
de quem edita-os, cabendo a nós, administradores apenas agir quando
solicitados”, disse Leon Saudanha em email encaminhado ao G1.
A Wikipédia possui milhares de artigos e é mantida por voluntários,
sendo que o único modo de identificar artigos falsos é checando as
fontes, e isso não é feito de maneira ostensiva" -- Leon Saudanha, membros da comunidade de editores da Wikipédia.
Carlos Bandeirense Mirandópolis
Na Wikipédia, Mirandópolis era apresentado como catedrático da
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São
Paulo. Foi perseguido durante a ditadura militar (1964-1985) e se exilou
em Paris.
Segundo a enciclopédia virtual, na Europa, o jurista fictício conheceu
Chico Buarque de Hollanda e inspirou o compositor na música "Samba de
Orly", uma parceria entre o próprio Chico, Toquinho e Vinícius de
Moraes.
“Segundo ele [Chico Buarque], a composição de Mirandópolis era muito
mais bela, porém este nunca permitiu que fosse gravada, pois não queria
perpetuar na partitura a tristeza do exílio!", dizia o texto, com toque
poético.
Procurada pelo G1, a assessoria de Chico Buarque disse
que o compositor não conhece o "jurista". A PUC-SP informou que nunca
teve em seus quadros um professor com o nome de Carlos Bandeirense
Mirandópolis.
O texto do Wikipédia também dizia que o jurista fictício retornou ao
Brasil na década de 1980 e atuou ativamente no comício das Diretas Já.
Decisão do TJ
A participação nos protestos das Diretas Já, que obviamente nunca existiu, é citada em uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 10 de novembro de 2014.
Mirandópolis é mencionado pela relatora de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que pedia a derrubada da lei estadual que proibiu o uso de máscaras em manifestações.
A lei foi aprovada após a onda de protestos de rua em 2013 e determinou
que as máscaras podem ser usadas em eventos culturais, mas, se uma
pessoa for presa com o rosto coberto em uma manifestação de rua, deverá
ser encaminhada a uma delegacia.
A desembargadora Nilza Bittar negou o pedido para declarar a lei
inconstitucional e destacou, no voto, que Carlos Bandeirense
Mirandópolis não usou máscara quando participou do comício das Diretas
Já, assim como personalidades como Ulysses Guimarães, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro disse que a menção feita pela
desembargadora a Carlos Bandeirense Mirandópolis teve como fontes a
página do núcleo de memória da PUC do Rio de Janeiro e o filme "Diretas
Já".
O Tribunal afirmou ainda que a menção teve caráter meramente
ilustrativo, não exercendo qualquer influência ou contribuição jurídica
para o embasamento da decisão.
Citação acadêmica
Carlos Bandeirense Mirandópolis também aparece em um trabalho acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sobre produções artísticas censuradas na ditadura militar.
A estudante, do curso de arquivologia, menciona que Chico Buarque se tornou amigo de Mirandópolis, em viagem à França.
O jurista também é citado em um documentário sobre as Diretas Já e em
diversos outros sites sobre a ditadura militar e a redemocratização.
A 'criação'
O G1 localizou os “criadores” de Carlos Bandeirense Mirandópolis, os advogados Victor Nóbrega Luccas e Daniel Tavela.
Eles contaram que perceberam uma “dinâmica” entre os estagiários de
usar informações da internet para fazer as pesquisas jurídicas.
Decidiram, então, pregar uma peça e mandaram que um dos jovens fizesse
uma pesquisa sobre a teoria da Oferta Pública de Associação, que não
existe. Para dar veracidade à história, criaram o perfil de
Mirandópolis, que seria o autor da tese. “A ideia veio de uma
experiência com um estagiário que eu e o Vitor tivemos, e a gente tinha
identificado nele uma dificuldade em fazer pesquisa. Particularmente,
por ele acreditar em tudo que aparecia na internet. Aí a gente resolveu
criar esse personagem e fazer essa experiência didática com ele”, disse
Daniel Tavela.
O que os advogados não esperavam era que o estagiário não seria o único a “cair" na brincadeira.
Victor Nóbrega diz que viu com “surpresa” a citação a Carlos Bandeirense Mirandópolis em uma decisão judicial.
“A coisa tomou uma proporção que a gente nunca imaginava. Eu esperava
aparecer em alguns blogs, mas não em uma fonte mais séria. Eu gargalhei.
Mas, se é engraçado por um lado, é triste por outro, porque as pessoas
não estão usando a internet corretamente”, afirmou o advogado.
Segundo os advogados, a foto que ilustrava a página, e que seria uma
imagem do suposto jurista, foi adicionada depois da criação do perfil de
Mirandópolis, por uma outra pessoa. A produção da GloboNews apurou que a
foto é do prefeito de Viena, na Áustria, Michael Häupl.
O que a gente tem que mudar é a gente poder checar a origem dos fatos,
checar a origem das informações. E não ter aquilo que está na rede, só
pelo fato de estar postado na internet, como verdadeiro" -- Ronaldo Lemos, especialista em internet
Especialistas
O G1 também ouviu especialistas sobre o uso de
informações da internet. O professor Gilberto Lacerda Santos, da
Universidade de Brasília (UnB), diz que o episódio mostra que a
sociedade ainda não aprendeu a usar as informações disponíveis na rede.
“Nós estamos ainda tateando essas possibilidades novas e esses
problemas, essas situações problemáticas que aparecem aqui e ali só
revelam a fragilidade da nossa educação básica. Competiria às pessoas, a
nós cidadãos dessa sociedade tecnológica, desenvolver mecanismos,
estratégias, habilidades pra que saibamos separar o joio do trigo”,
afirmou.
O professor Ronaldo Lemos, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro, diz que a internet é um instrumento importante de
pesquisa e comunicação. Mas ressalta que é preciso “desconfiar sempre” e
checar as informações.
“A rede é assim, ela vai continuar assim, e não há muito o que a gente
possa fazer para mudar isso. O que a gente tem que mudar é a gente poder
checar a origem dos fatos, checar a origem das informações. E não ter
aquilo que está na rede, só pelo fato de estar postado na internet, como
verdadeiro”, afirmou.
“A gente tem que fazer algumas perguntas: quem escreveu essa
informação? Quem confirma essa informação? Ela está presente em outras
fontes também? É algo que é reconhecido por exemplo, por instituições
científícas? É fundamental que essa educação para a mídia esteja
presente na cabeça das pessoas”, disse.
Um jornal impresso de Minas Gerais estampou em sua manchete de capa
uma foto minha e uma declaração atribuída a mim – mas que nunca dei – de
que “aposentados são inúteis à sociedade''. Dentro, uma entrevista –
que também nunca concedi – com várias barbaridades contra os aposentados
que eu nunca falaria. Ao que tudo indica, alguém pegou um post meu do ano passado, inverteu o sinal de tudo e o transformou em entrevista.
Desta vez, tive a curiosidade de registrar passo a passo o que
acontece. Agora trago um grande passeio pela natureza humana na web.
Isso pode ser útil quando disserem a vocês algo do tipo: “Ah, relaxa, é
só a internet! Não dá em nada.''
1) Pessoas que não conhecem as ideias deste autor começam a compartilhar o texto, indignadas.
2) Mensagens espumando de raiva chegam até mim. Muitas de aposentados. As mais leves, desejam muita dor e sofrimento.
Como a de Durval Alves Correia Alves, do Rio de Janeiro (RJ): “Seu
verme. Deveria ter vergonha do seu pai e da sua mãe que os colocou no
mundo. Deveria ter a sensibilidade de saber que o idoso contribui muito
mais do que você como jornalista. Acredito que você deverá morrer antes
dos seus 40 anos, senão de alguma doença incurável ou de tiro. Toma
vergonha na puta da sua cara e vê se faz alguma coisa de bom para
aqueles que precisam de pessoas de dignidade. Seja homem e não um
marginal. Cuidado com as merdas que fala, você é um ser mortal… Não se
esqueças disso seu filho da puta, pela saco, inútil é você. Me
processa.'' Não costumo dar nomes, mas a postagem dele foi aberta.
3) As conhecidas redes de ódio e intolerância, mesmo sabendo que
aquilo não condiz com o pensamento deste autor, se apropriam do conteúdo
e começam a dispara-lo como se não houvesse amanhã. Surge o primeiro
“esse desgraçado é vendido para o governo federal'', afirmando que me
pagam para falar mal de aposentados. Evitam dizer que sou crítico
ao governo Dilma e às mudanças na Previdência e na legislação
trabalhista que ela namora. Surgem os memes, que alimentam as hordas do
Fla-Flu político nacional que, de forma leviana, reduzem todos que são
de esquerda a um partido político.
4) Alguém relaciona a entrevista falsa ao nazismo e diz que o nazismo
e o socialismo são a mesma coisa. E que ser de esquerda significa
querer acabar com os mais velhos. “Nazista é gente boa perto desse
animal'', é um exemplo desses elogios. Alguém sugere a hashtag
#Heil_Sakamoto.
5) Chegam as ameaças de morte.
Como a de Jullio Cavalcante Fortes, de Rio Branco (AC): “Este
filho da puta, desgraçado, deve ser caçado e morto a faca. Vou
distribuir este escarnio para todo o Brasil. E vamos aguardar no que vai
dar. Gostaria muito de enfiar 5 balas 1.40 no meio da testa deste filho
da puta para ele nunca mais falar mau dos idosos. Desgraçado (sic)''. A mensagem foi pública, por isso publico aqui.
6) Dou uma explicação simpática no Facebook, dizendo que nunca disse
aquilo e aponto para o texto que escrevi defendendo o aumento do salário
e que foi desvirtuado por ignorância ou má fé. Há pessoas que não
acreditam (“se está se justificando é porque fez'') e outras
simplesmente ignoram o claro sentido do texto e continuam me xingando.
7) Leitores frequentes do blog, que concordam com ele ou não, tentam
convencer os amigos na rede de que aquilo não faz sentido e a acusação é
falsa. Mostram o texto original de onde foi inspirada a falsa
entrevista, explicam a distorção de tudo. Parte dos amigos dos leitores,
em fúria, ignoram as explicações, dizem que nada disso importa. O que
importa é que ele é de esquerda. E se é de “esquerda'' pode até não ter
tido culpa nisso, mas alguma culpa ele tem. E, seguindo a lógica do
linchamento (se a turba está contra ele é porque é o culpado), sentam o
pau.
8) O primeiro colega jornalista entra em contato para repercutir a
matéria. O texto atinge, em pouco tempo, cerca de 15 mil
compartilhamentos.
9) O próprio jornal reconhece que não dei a entrevista a eles. Alega
que ela foi respondida por uma pessoa que se fez passar por uma
assessora minha para prejudicar a mim e ao jornal (justificativa que
eles deram em nota que substituiu a entrevista falsa). Claro, nunca me
ligaram para checar qualquer informação antes de colocá-la na capa.
10) Mas não importa mais, não depende mais do jornal. As redes de
ódio ignoram e continuam divulgando o conteúdo original. Como um
desmentido não é lido com a mesma voracidade que uma acusação, e como as
pessoas só leem título e foto na internet antes de comentar, a porrada
continua. Na verdade, o conteúdo não mais importa, nem o desmentido, nem
a informação. Passo a ser obrigado a provar de que não falei aquilo e
não o contrário. É raiva, apenas raiva que flui.
Tomarei as medidas judiciais cabíveis. Mas o próximo passo, eu já
conheço: ser xingado no supermercado ou ser vítima de agressões e
cusparadas na rua, como já aconteceu comigo quando circularam outras
difamações no ano passado. Esses casos têm cauda longa, duram meses e
anos, arrastando-se pela internet e sobrevivendo de incautos e
ignorantes. É conteúdo que ficará circulando para ser capturado por
grupos que promovem o ódio, saindo da rede e sendo transportados por
pessoas sem discernimento que, no limite, fazem Justiça com as próprias
mãos.
Tudo isso para me lamentar da vida? Não, longe disso. Quem atua na área de direitos humanos sabe que isso pode acontecer.
Isso é para lembrar que você ganha um pontinho no céu e um bebê panda
sorri na China toda vez que você checar uma informação antes de
compartilha-la em redes sociais. Então, não faça isso por mim ou pela
verdade dos fatos. Faça pela sua alma. E pela alegria dos pandas.
Como ainda tem muita gente que não entende (ou não quer entender) por que temos cotas raciais e sociais
no Brasil, preparei um rápido guia. Ele pode ser aumentado à medida que
novas dúvidas surjam. Qualquer pergunta extra, escreva para o blog.
1. Se você é preto, pardo ou indígena, tem direito às cotas;
ponto. A autodeclaração vale na hora da inscrição, mas algumas
universidades podem exigir comprovação após a matrícula para verificar
se você atende aos requisitos. Isto é feito principalmente para não
prejudicar outros pretos, pardos ou indígenas que de fato precisam das
cotas.
2. Se você é preto, pardo ou indígena e veio de escola privada, mas acha que, por uma questão de reparação histórica, deve usar o sistema, tem direito.
3. Se você é preto, pardo ou indígena e veio de escola privada, poderia abrir mão das cotas (se desejar). Esta é, porém, uma decisão que compete apenas aos pretos, pardos e indígenas, não aos brancos.
5. Se você é branco e veio de escola pública, tem direito às cotas.
6. Se você é branco, mas
longinquamente afrodescendente e estudou em escola privada, não deveria
se candidatar a cotas por uma questão moral e ética. Fazer-se passar por
negro para ser beneficiado por cotas é uma espécie de corrupção e pode
ser considerado estelionato.
7. Se você é branco e veio de escola privada, não tem direito a cotas.
8.As cotas foram feitas, obviamente, para atender a quem precisa delas.
Como a maioria dos pobres no Brasil é preta, parda ou indígena, bingo: a
maioria deles precisa de cotas porque não se pode comparar suas chances
de ascender à universidade com as de estudantes de classe média ou
ricos que frequentaram escola privada a vida toda. Isto se chama
INCLUSÃO.
9. Coloque na cabeça: as cotas não
são uma vantagem: são a correção de uma desvantagem histórica. Antes
delas, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros tinham concluído
universidade no Brasil; após as cotas, este número subiu para 11% de
pardos e 8,8% de negros. Ainda é pouco, já que eles são 53% na
população. Em Medicina, por exemplo, somente 0,9% dos formandos no Estado de São Paulo em 2014 eram negros.
10. Quem gosta tanto de usar a palavra “meritocracia” deveria entender que ela só se justifica entre pessoas com condições de vida semelhantes e não entre desiguais. É moleza falar em meritocracia
sendo branco, tendo papai rico e estudando nos melhores colégios. É
como apostar corrida saindo vários segundos na frente do outro
competidor.
12. Nos EUA, existem cotas
(políticas de ação afirmativa) desde os anos 1970. Isso possibilitou que
os negros avançassem na sociedade ao ponto de hoje o presidente do País
ser negro. No Brasil, menos de 10% dos deputados e senadores são pretos
e pardos.
13. As cotas raciais têm prazo para acabar: assim que a proporção de pretos,
pardos ou indígenas em relação aos brancos chegar a números semelhantes
aos da sociedade em geral, as cotas acabam. Enquanto isso não
acontecer, nada mais justo que continuem.
No Brasil existe um mito segundo o qual a carga
tributária seria uma das mais altas no mundo. Esta inverdade tem sido
espalhada à exaustão pela Fiesp e seus patinhos de borracha. Mas o
problema aqui é outro.
Por Joana Rozowykwiat - Portal Vermelho
De
acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Heritage
Foundation, de 2014 e 2015, a carga tributária média mensal brasileira é
a quinta mais baixa entre as 20 maiores economias do mundo e está longe
de figurar como a mais elevada do planeta.
“Quando
a gente avalia, na comparação com outros países, vemos que os cerca de
36% de carga tributária [em relação ao PIB] do Brasil está na média dos
outros lugares. O problema é que temos aqui uma situação de injustiça
fiscal que penaliza os pobres e a classe média”, diz Grazielle Custódio
David, especialista em Orçamento Público e assessora do Instituto de
Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Segundo
ela, essa situação de desigualdade acontece basicamente por duas
razões. Primeiro, porque grande parte da estrutura tributária do país
está baseada em impostos indiretos, ou seja, que incidem sobre o consumo
de bens e serviços e não sobre a renda e a propriedade.
“O
problema de ter uma grande taxação de consumo é que, proporcionalmente,
quem acaba pagando mais são os mais pobres. Por exemplo, se vai comprar
arroz no supermercado, um pobre paga o mesmo imposto que um rico. Mas,
quando a gente relaciona com o salário que aquela pessoa recebe, a
proporção que o pobre paga é muito maior que a da pessoa rica. Isso
configura uma situação de injustiça fiscal”, aponta Grazielle.
O
outro entrave à justiça fiscal, diz Grazielle, está relacionado à forma
de tributar a renda no país. “A gente tem uma situação em que a classe
média, a faixa que recebe entre 20 e 40 salários mínimos, é a que paga
mais imposto de renda hoje no Brasil. Já quem recebe, por exemplo, acima
de 70 salários mínimos, praticamente não paga imposto”, compara.
No
país, hoje, as rendas do trabalho são submetidas à cobrança de imposto
de acordo com uma tabela progressiva com quatro tipos de alíquotas
(7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%). Já nas rendas do capital o leão dá apenas
uma mordiscadinha, uma vez que as rendas decorrentes da distribuição de
lucros e dividendos são isentas de Imposto de Renda. E outras, como
ganhos financeiros ou de capital, estão sujeitas a alíquotas exclusivas,
inferiores àquelas cobradas sobre a renda do trabalho.
“Se
a gente compara um assalariado que paga na alíquota máxima de 27% com
alguém que recebe mais do que o limite do imposto de renda, há uma
situação terrível. Porque a maioria deles [os mais ricos] recebe por
lucros e dividendos e, quando a gente avalia quanto eles pagam em
imposto de renda, normalmente chega em 6%. Olha a situação: um grupo,
que é a classe média, paga 27,5% de IR. E quem ganha muito mais que este
grupo paga muitas vezes só 6%, porque existe a isenção de cobrança do
Imposto de Renda sobre lucros e dividendos”, lamenta Grazielle.
Segundo
dados da Receita Federal, em 2014, um grupo com cerca de 71 mil
brasileiros ganhou quase R$ 200 bilhões sem pagar nada de Imposto de
Renda de Pessoa Física (IRPF). Foram recursos recebidos, em sua maioria,
como lucros e dividendos.
Essa
isenção da tributação sobre lucros e dividendos foi instituída no país
em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Entre
todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), só o Brasil e a Estônia têm essa isenção. É uma
vergonha, um vexame que o Brasil tenha aprovado uma lei como esta, que
acaba punindo muitos de seus cidadãos, e beneficiando muito poucos”,
critica Grazielle.
Os
pesquisadores Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), estimam que o governo poderia arrecadar mais
de R$ 43 bilhões ao ano com a cobrança de imposto de 15% sobre lucros e
dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas.
Em
um momento de ajuste fiscal, no qual o governo faz malabarismos para
cortar gastos e aumentar a arrecadação, o valor seria mais que
bem-vindo.
As manipulações da Fiesp Os
ricos brasileiros não têm mesmo do que se queixar. De acordo com
Grazielle, o Brasil tem ainda um dos mais baixos impostos sobre
patrimônio. “Hoje, no Brasil, a arrecadação com impostos sobre
patrimônio está na faixa de 3%. A média mundial é entre 8 e 12%”,
informa, apontando a falácia no argumento de quem cita a carga
tributária como abusiva.
A
assessora do Inesc criticou o discurso de combate aos tributos, que
interessa, especialmente, aos super-ricos, sobre quem menos pesam os
impostos. Ela aponta a Fiesp como grande representante desse grupo – em
grande parte possuidor de empresas e recebedor de lucros e dividendos
não tributados.
Para
ela, a entidade mente e manipula informações, de forma a conseguir a
adesão da população para suas campanhas pela redução da carga
tributária. Ao propalarem desinformação, as iniciativas terminam
conseguindo apoio entre as classes baixa e média, que de fato sentem no
bolso o preço dos impostos.
“A
Fiesp, através de sua atuação, inclusive de lobby com o Legislativo,
grandes campanhas e articulação, representando os interesses dos
super-ricos, tem formulado um discurso fácil de ser assimilado, porque
as pessoas percebem uma carga pesada para elas e acatam esse discurso.
Mas o problema é que eles [da Fiesp] contam uma mentira, ou uma verdade
incompleta. Manipulam as informações, e o pobre e a classe média acabam
sentindo, sim, o peso, porque todo o peso da carga tributária está sobre
eles. Enquanto isso, os ricos praticamente não pagam imposto. É um
discurso forjado, manipulador, para enganar a população”, acusa.
Para que serve o imposto De
acordo com Grazielle, a maior consequência deste tipo de campanha é
que, ao insistir que a carga tributária é alta, distancia as pessoas de
uma compreensão real sobre a importância dos impostos.
“A
gente vai então ignorando o que determina uma carga tributária, que são
as demandas sociais”, ressalta. Segundo ela, cria-se um quadro de
contradição, em que as pessoas pleiteiam melhores serviços públicos, mas
combatem a forma que o Estado tem de promovê-los.
“É
isso que leva as pessoas para as ruas. É saúde, educação, segurança,
promoção de direitos fundamentais, direitos humanos. E são essas
demandas e necessidades sociais que vão determinar qual é a carga que um
país tem que ter de tributos para garantir esse tipo de assistência à
sua população. Se a gente quer que essas demandas sejam atendidas, os
impostos são necessários. Agora, a forma como esse imposto vai ser
cobrado da sociedade, aí é que entra a questão da justiça fiscal, que
precisa melhorar no país”, diz.
Ela
avalia que o debate sobre a importância dos tributos não interessa à
parcela mais rica da população – a mesma que faz críticas ao tamanho do
Estado. “Esses super-ricos não têm muito interesse de que essas demandas
sociais sejam atendidas para o coletivo, porque muitos deles, por
exemplo, recorrem a um plano de saúde, a uma escola privada, muitos
contratam segurança privada, e esquecem que a maioria da população não
tem como recorrer a isso e necessita que o Estado garanta.”
Para ela, mais que um debate sobre ter mais ou menos impostos, é preciso redistribuir a carga já existente.
“Isso
pode ser feito com a diminuição de impostos indiretos e com
redistribuição do imposto de renda. A gente pode, por exemplo, criar
mais faixas, com diferentes alíquotas, diminuindo a incidência do
Imposto de Renda até os 40 salários mínimos, e aumentando a partir daí,
desde que se revogue a lei que isenta de taxação os lucros e dividendos.
Além disso, a gente pode trabalhar muito na questão dos impostos sobre
patrimônio”, sugere.
A
especialista em Orçamento Público defende que, com esta série de
medidas, é possível aumentar a arrecadação – e, consequentemente, o
orçamento público –, diminuir o peso da carga tributária sobre os mais
pobres e a classe média e, ainda, atender melhor às demandas sociais e
promover políticas públicas com melhor financiamento, o que acabaria por
gerar melhor qualidade nos serviços.
Grandes fortunas Outra
medida que vem sendo discutida como forma de aumentar a justiça fiscal
no país é a implantação do imposto sobre grandes fortunas, que está
previsto na Constituição, mas precisa ser regulamentado. Grazielle,
contudo, avalia que a medida enfrenta dificuldades para avançar.
“Uma
grande resistência a esse tipo de taxação é de quem diz que vai haver
fuga de capitais do país. Outra questão é que, quando se fala em
imposto, significa que a União não pode compartilhar. Então existe uma
resistência de estados e municípios para avançar nisso, se for em
formato de imposto. Se fosse, por exemplo, no formato de uma taxa, ou
outro formato de cobrança, talvez tivesse mais apoio de governadores e
prefeitos”, avalia.
Segundo
ela, nesse sentido, a adesão dos estados e municípios é maior à
proposta de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira (CPMF). “Como a CPMF é uma contribuição, ela pode ser
compartilhada. Talvez por isso, o debate sobre a taxação de grandes
fortunas perca um pouco de força”, explica.
Segundo
ela, por causa da resistência que foi forjada na sociedade em relação a
novos tributos, talvez seja melhor o governo trabalhar com as
possibilidades que já existem, eliminando desonerações e aumentando a
fiscalização e cobrança, de forma a recuperar recursos que estão na
Dívida Ativa da União ou foram sonegados.
“Hoje
as renúncias tributárias são altíssimas no Brasil, concedidas ao setor
privado, sem que haja um controle adequado de qual retorno existe. Você
desonera uma grande empresa, falando que ela vai garantir mais empregos,
que vai melhorar a economia, mas não tem depois nenhum estudo que
avalie se isso de fato aconteceu”, condena.
Ela
lembra que a Dívida Ativa da União ultrapassa hoje R$ 1 trilhão.
“Porque não investir na capacidade de fiscalização e cobrança dessas
dívidas?”, questiona, acrescentando que outros R$ 500 bilhões anualmente
se perdem na sonegação.
Grazielle
cita ainda manobras feitas por grandes empresas, com o objetivo de
pagar menos impostos. “A gente fez um estudo com a Vale, no qual foi
possível observar a série de planejamentos tributários que eles fazem.
Vendem, por exemplo, minério a preço muito abaixo do valor de mercado
para países que são paraísos fiscais. Lá eles revendem e redistribuem
para outros países, já com preço de mercado. Quando o minério sai daqui
com preços baixos, eles já estão pagando menos impostos.
Chega
no paraíso fiscal, não vão pagar imposto também. E, como vendem de lá
com valor normal, então ganharam de novo. São manobras que tentam ficar
dentro da lei, mas que acabam por sonegar, porque deixam de pagar os
impostos devidos”, explicou.
De
acordo com ela, de certa forma, há certos estímulos à sonegação no
Brasil. “Sou uma empresa, tenho que pagar Cofins, por exemplo, e não
pago. Pego esse dinheiro e invisto [no mercado financeiro]. O dinheiro
fica rendendo juros. Depois de um tempo, vou para a Dívida Ativa, espero
vir o Refis [programa de refinanciamento fiscal], aí negocio a dívida
para pagar um valor ainda mais baixo do que eu devia. Quer dizer, ganho
duas vezes, com os juros e pagando menos imposto”, exemplifica.
Além
disso, a certeza da impunidade é algo que não ajuda a coibir os crimes
fiscais, afirma. “No Brasil, pela lei, se depois você paga o que deve, o
crime tributário deixa de existir. Não existe punição. Em outros países
não existe essa revogação. Se a pessoa fez, além de ter que pagar o
valor, muitas vezes com correção, ela ainda pode ser punida penalmente. A
certeza da impunidade, a coisa do Zé Malandro, é que reforça a
sonegação”, ressalta, defendendo que é preciso fortalecer as instâncias
governamentais de fiscalização, controle e cobrança.
“A
gente fica falando que em 2015 fizemos um orçamento deficitário de R$
30 bi. Mas espera aí! A gente tem uma sonegação de R$ 500 bi, mais uma
desoneração tributária de mais R$ 500 bi, mais uma dívida ativa de quase
R$ 1,5 trilhão. Será que a gente tem um orçamento negativo de fato como
nação ou poucas pessoas estão, aí, ficando com nosso dinheiro, deixando
de pagar o que devem, e a gente sofrendo as consequências, sofrendo um
ajuste fiscal?”, indaga.
Que reformas queremos? Atualmente
funciona no Legislativo uma Comissão Especial da Reforma Tributária,
tema que deve estar muito em pauta este ano. Contaminado pelas meias
verdades difundidas pela Fiesp, o debate deve refletir o cabo de guerra
entre os interesses de super-ricos e trabalhadores, observa Grazielle.
“Se
existe intenção de fazer a reforma tributária andar? Existe interesse
dos dois lados, inclusive”, opina. De acordo com ela, um grupo dentro da
Câmara, que tem entre seus integrantes o presidente da Casa, Eduardo
Cunha (PMDB), tem a intenção de fazer uma reforma que promova redução da
carga tributária. Enquanto isso, do outro lado, setores progressistas
defendem a justiça fiscal.
“Há
pressão dos dois lados para que a reforma tributária aconteça. Acho que
esse é um ano em que se vai discutir muito isso. Agora, por qual desses
dois caminhos nós vamos acabar trilhando é a grande incógnita. Nossa
defesa é que seja o caminho de uma reforma tributária com justiça
fiscal”, encerra.
O
mandato de prisão de Dirceu, segundo balanço do Ministério Público
Federal até 18 de dezembro do ano passado, foi apenas mais um entre os
119 expedidos, dos quais 62 foram de prisões preventivas, e 57,
de temporárias
Por Redação, com agências internacionais – de Curitiba, Londres e São Paulo
Assistido por juízes, advogados e jornalistas, nos EUA e em alguns
países da Europa, o vídeo com o depoimento do ex-ministro José Dirceu ao
titular da Vara Federal do Paraná, juiz Sérgio Moro, teve um efeito
didático sobre o funcionamento do Judiciário, no Brasil; além dos
efeitos causados à aplicação da lei pela interferência política da
ultradireita brasileira nas principais Cortes de Justiça do país. Até no
STF.
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu
Advogado por profissão e capaz de exercê-la, a ponto de se
estabelecer na elegante Avenida República do Líbano, nos Jardins da
capital paulista, em uma casa de dois andares, espaçosa, com sua empresa
de consultoria, o líder petista, frente a frente com seu inquisidor,
afirma ao juiz Moro que não entendia o motivo porque foi preso. E está
preso há seis meses. Nem Dirceu, nem o experiente barrister londrino,
Sir Jeffrey Jowell e seus associados Timothy Otty e Naina Patel, da
banca Blackstone, uma das mais bem remuneradas da City. Nem centro
mundial do capitalismo, ao qual serve o juiz paranaense, a prisão de
Dirceu — inimigo jurado do stablishment desde que concluiu o curso de
guerrilha em Cuba, no século passado — foi comemorada como uma vitória
dos conservadores sobre a esquerda brasileira. Mas encarada como um
sinal preocupante quanto à saúde do sistema jurídico nacional.
Como afirmou o jornalista Paulo Nogueira, editor do site Diário do Centro do Mundo,
desde Londres, afirmou em artigo, logo após a divulgação do vídeo com o
depoimento de Dirceu, que aquele era “um retrato perturbador da Lava
Jato e do próprio Moro”.
“Você vê um entrevistador, ou interrogador, hesitante, despreparado e
munido de acusações de extrema fragilidade. Na contrapartida, o
entrevistado, ou interrogado, responde a todas as questões com a clareza
que faltou por completo a Moro. Dirceu está cansado, claramente,
abatido – mas mantém o raciocínio límpido e rápido. A não ser que você
seja um antipetista fanático, ao fim do vídeo você vai se perguntar:
‘Mas o que este cara tá fazendo preso há tantos meses?”, ressalta
Nogueira.
Para o articulista, que já dirigiu a revista semanal de ultradireita Veja,
da Editora Abril, e conhece as organizações patrocinadoras do ambiente
de ódio que impera na política brasileira, nas entrelinhas, “o que mais
chama a atenção é a ignorância sobre a natureza do tipo de consultoria
que um homem como Dirceu pode prestar a grandes empresas interessadas em
conquistar mercados internacionais. Qual é a mercadoria que ele tem?
Suas relações, o conhecimento que amealhou ao longo de anos de vida
política”, explica.
“Eu estava na Abril quando a empresa solicitou os serviços de
consultoria de Maílson da Nobrega, o homem dos 80% de inflação mensal. O
que se demandava de Mailson, em sonolentas reuniões em que eu
frequentemente dormia, como amigos meus do então Comitê Executivo da
Abril poderiam confirmar, é que ele e sócios da consultoria Tendências
mostrassem os cenários econômicos e políticos.
Existe, é certo, outro tipo de consultoria. Ainda na Abril, a Booz-Allen
fez um trabalho de reengenharia financeira. Aí sim eram pilhas de
estatísticas”, detalha.
Banca britânica
A rotina do juiz Sergio Moro, de mandar prender os implicados na Operação Lava Jato,
da Polícia Federal (PF), causa ainda mais espécie aos advogados
britânicos que, em recente parecer — encomendado pela defesa dos
executivos da empreiteira Odebrecht — afirmaram ser uma “afronta aos
princípios mais básicos do Estado Democrático de Direito” o uso
generalizado de prisões anteriores a um julgamento”. Segundo os
associados da Blackstone Chambers, a forma como Lava Jato (Car
Wash, como traduziram) tem sido conduzida pela Justiça Federal “levanta
sérios problemas relacionados ao uso de prisões processuais, o direito
ao silêncio e à presunção de inocência”. Para os advogados ingleses, a
condução da operação tem violado os princípios da presunção de inocência
e o direito a um “julgamento justo em prazo razoável”.
O mandato de prisão de Dirceu, segundo balanço do Ministério Público
Federal até 18 de dezembro do ano passado, foi apenas mais um entre os
119 expedidos, dos quais 62 foram de prisões preventivas, e 57,
de temporárias. Outro balanço, também do MPF, diz que são 140 os
denunciados e 119 os que tiveram a denúncia aceita pela Justiça,
tornando-se réus. Outros 80 já foram condenados.
“Nessas circunstâncias, há preocupações reais de que houve falha na
adequação do significado fundamental e histórico do direito à liberdade e
à natureza expedita do remédio que representa o Habeas Corpus”, afirma o
parecer da Blackstone.
O parecer dos advogados ingleses cita relatório da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o uso de prisões
preventivas na América do Sul e na América Central, publicado em 2013,
referente a dados coletados em junho de 2012. Proporcionalmente, o
Brasil é o segundo país com mais prisões preventivas da região, com 191
mil pessoas encarceradas sem julgamento, ou 38% do total, até junho de
2012. Para os barristers ingleses, os dados mostram que vários padrões
internacionais de direitos humanos, inclusive tratados dos quais o
Brasil é signatário, são desrespeitados, entre eles a presunção de
inocência, o Ônus da Prova, o Princípio da excepcionalidade, no qual a
prisão antes do julgamento só deve ser usada apenas como “último recurso
em situações específicas” e as Razões legítimas para prisão, nas quais é
obrigação do Estado não restringir a liberdade de um acusado além dos
limites estritamente necessários para garantir que ele não impeça o
desenvolvimento eficiente de uma investigação.
O parecer da Blackstone ainda acrescenta que características pessoais
dos investigados e acusados não podem servir de motivo para a prisão
preventiva. “O significado é óbvio”, diz o texto. Isso quer dizer, para
os advogados, não se pode justificar uma prisão com base no argumento de
que o réu é rico ou que é acusado de crimes graves, como corrupção.
“Algo mais concreto, como o risco de fuga ou de intervenção nas
investigações, é necessário.”
Porta-voz dos mais castiços conservadores da City, a revista britânica The Economist usou o parecer da Blackstone para uma reportagem intitulada Justiça estranha (Weird Justice,
no original). A conclusão do texto é que, enquanto suspeitos e acusados
são presos antes do julgamento, os condenados recebem penas brandas,
como a prisão domiciliar ou a obrigação de comparecer em juízo uma vez
por mês. A Economist relata as críticas feitas à espécie de “carisma” do juiz Sergio Moro, que conduz a Lava Jato
em Curitiba, e critica a prisão de mais de 600 mil pessoas, 40% das
quais ainda não foram condenadas. Diz, porém, que os motivos são “menos
óbvios” do que os discutidos na Lava Jato”: o problema é que,
no Brasil, afirma a revista, um único juiz pode mandar alguém para a
cadeia sem a anuência de um júri popular.
Efeito da mídia
Digna de uma das maiores coberturas na mídia conservadora do país, a
prisão de José Dirceu se mistura às dos demais envolvidos nesta que se
tornou, na realidade, em uma caçada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, agora tratado como “investigado” pela PF paulista. No relatório
da Blackstone os barristers citam as declarações do procurador da República Manoel Pastana a jornalistas, para defender o uso das prisões preventivas com o objetivo de forçar as delações premiadas:
“Em crime de colarinho branco, onde existem rastros mas as pegadas
não ficam, são necessárias pessoas envolvidas com o esquema para
colaborar. E o passarinho pra cantar precisa estar preso”, disse o
procurador, em novembro do ano passado.
Caso prevaleça a máxima do procurador Pestana, Lula corre sério
risco, principalmente se o ambiente de conflagração ficar ainda mais
acirrado no próximo dia 17, quando prestará depoimento no Fórum Criminal
da Barra Funda, em São Paulo, na condição de investigado. Poderá cair
numa “armadilha”, como adianta o blogueiro Eduardo Guimarães, titular do
Blog da Cidadania. Segundo afirmou, em publicação editada
neste sábado, teria recebido uma “denúncia séria de que o governo do
Estado de São Paulo estaria preparando uma armadilha para Lula e seus
apoiadores durante depoimento do ex-presidente e sua mulher no Fórum
Criminal da Barra Funda, no dia 17, às 10 horas da manhã”.
Para o blogueiro, “como se vê, o clima, por si só, deve esquentar”.
“O promotor tucano já deu a senha. Como uma das maiores autoridades no local, poderá controlar a PM a seu bel prazer” suspeita.
De acordo com a denúncia que recebeu, Guimarães conta que “sob ordem
das autoridades do Fórum, a PM tentará arrumar uma desculpa para impedir
a entrada dos grupos pró-Lula no local, dando total acesso aos grupos
antipetistas. Se não for possível, a PM tratará de atacar e dispersar os
grupos de apoio a Lula, acusando-os de algum excesso que poderá ser
cometido por gente do outro lado e atribuído aos petistas”.
Não seria o primeiro ataque direto ao ex-presidente da República.
Noite passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar
Mendes foi à festa de aniversário da ministra da Agricultura, Katia
Abreu e, “aos brados”, chamou o ex-presidente Lula de “bêbado”. Mendes,
segundo notícia veiculada em um diário conservador carioca, disse que
“Lula chegou embriagado em São Paulo para prestar solidariedade às
vítimas do acidente da TAM, em Congonhas, ocorrido em outubro de 1996. A
tragédia acabou com 99 mortos. Constrangimento geral”, conclui.