Marcelo Auler
Para evitar que a Samarco Mineração – responsável pelo maior desastre
ambiental que se tem notícia – venha a perder dinheiro doando dois
litros de água mineral diariamente a cada um dos 122 mil moradores de
Colatina (ES), o juiz federal substituto da 2ª Vara Cível da
cidade, Guilherme Alves dos Santos, não quis obrigá-la a manter a
distribuição iniciada em novembro.
Como os moradores não confiam na água oferecida a partir da captação
no Rio Doce – atingido pelo rejeitos de mineração que escapuliram com o
rompimento da barragem em Mariana (MG) -, terão que arcar com o gasto
do próprio bolso. “E quem não puder comprar, vai beber água do Rio
Doce?”, questionou Efigênia Martins, uma senhora de idade, ouvida pelo
ES-TV, da TV Gazeta, no último dia 24.
A decisão do juiz, que colide com outras deliberações judiciais, é de
terça-feira (02/02), em uma Ação de Execução proposta pelo Ministérios
Públicos Federal e do Trabalho, Na Execução, os procuradores tentam
manter a distribuição da água, como acertado, em novembro, em um Termo
de Ajuste de Conduta (TAC) que a mineradora, a prefeitura e os MPs
assinaram.
Na decisão, o juiz considera que a água coletada no Rio Doce, menos de três meses após o acidente, é potável. |
Para o juiz Santos, como o município já
voltou a captar e fornecer à população a água do Rio Doce, a manutenção
da distribuição da água mineral provocará prejuízo à empresa:
“O prosseguimento da execução,
diante de tal moldura fática, poderia, ainda, causar à Embargante grave
dano de difícil ou incerta reparação, posto que, se obrigada a despender
recursos com o abastecimento de água mineral à população, mesmo diante
da potabilidade atestada pelas centenas de laudos e vários órgãos
técnicos, dificilmente recuperaria tais valores se a medida viesse a ser
revertida muito ulteriormente (quem ressarciria a embargante/executada?
Os munícipes? O Exequente?) .
Ao rejeitar a Ação de Execução proposta
com respaldo no que ficou acordado no TAC, o juiz descartou o pedido de
impor multa diária de R$ 1 milhão, caso a Samarco mantenha a decisão,
unilateral, de suspender a água mineral para a população. Ou seja,
o juiz praticamente liberou a mineradoras deste compromisso.
Preocupação social
– Na briga que se trava em torno da questão, decisões judiciais foram
dadas e modificadas. Visão completamente diferente teve o seu colega
Nivaldo Luiz Dias. Ele, em 17 de dezembro, reviu a autorização da
titular da Vara, Monica Mônica Lúcia do Nascimento Frias.
Oito dias antes, ao rejeitar o pedido dos procuradores para suspender
a captação e distribuição da água do rio para a população, Mônica
autorizara a Samarco a suspender a distribuição da água mineral, uma
semana depois. Fez isso, apesar de ninguém ter levantado estas questão
na Ação Civil Pública impetrada pelos procuradores. No direito chama-se
“extra petita”, ou seja, decisões judiciais concedendo coisa diversa da
requerida. Sem falar que a distribuição da água mineral foi acordada, e
não imposta judicialmente.
Ao analisar a questão nos embargos propostos pelos procuradores, o
juiz Dias poderia respaldar-se apenas no aspecto formal processual, mas
preferiu não se esquivar da questão social. Depois de defender a
manutenção do diálogo entre as partes, “inclusive com o escopo de se
definir estratégias que garantam não só o abastecimento, mas o retorno
da confiança da população no consumo da água tratada, tendo em vista as
inúmeras notícias contraditórias que são divulgadas”, ele colocou o dedo
na ferida:
“Não se pode deixar de considerar que o cidadão comum, de entendimento mediano, encontra-se amedrontado diante das inúmeras notícias de malefícios que a água poderia causar à sua saúde e à de seus familiares”.
O
eletricista Tiago, com filho recém nascido, não confia na água do Rio Doce para dar banho no filho e menos ainda para beber. Reprodução TV Gazeta |
Razão não falta ao magistrado. Afinal,
depois de bombardeada pelo noticiário com informações que o rompimento
da barragem foi o maior acidente ambiental que se tem notícia, como
levar a população acreditar que em algumas poucas semanas já poderia
confiar na potabilidade da água do rio atingido?
Não era apenas dona Efigênia quem se assustava com a suspensão da distribuição da água mineral. No mesmo telejornal da TV Gazeta,
o eletricista Tiago Yansen Dias explicou que tinha em casa um filho
recém nascido e que a água mineral servia para quase tudo: “dar banho no
meu neném, fazer comidas, lavar a mamadeira, para beber…”. Questionado
sobre a suspensão unilateral da Samarco, foi claro:
“Tenho neném recém-nascido em casa e esta água da torneira eu não confio para dar banho nele. Para beber, menos ainda”.
Contra a decisão do juiz Dias, a Samarco recorreu ao Tribunal
Regional Federal da 2 Região (TRF-2) que abrange os estados do Rio de
Janeiro e Espírito Santo. Mas o desembargador Aluísio Gonçalves de
Castro Mendes, mas não reverteu a decisão.
Brigas de laudo
– Apesar disso, em 24 de janeiro, a mineradora suspendeu a distribuição
da água mineral. Contra isso, os procuradores e promotores a
ingressaram com a Ação de Execução, respaldada no TAC, que acabou
rejeitada em primeira instância. Eles recorrerão desta decisão.
Há uma outra briga por trás de todas estas ações. Trata-se de saber
se a água que vem sendo captado do Rio Doce e é tratada nas duas
adutoras que a Samarco ajudou a construir em Colatina é ou não
prejudicial à saúde. A discussão é feita com base em incontáveis laudos
técnicos, todos sempre questionado pelas partes divergentes. Os
representantes dos três Ministérios Público consideram a
excepcionalidade do acidente ambiental para exigir que os testes na água
a ser servida à população tenham novos parâmetros.
Com base em estudos técnicos dos órgãos de apoio à Procuradoria Geral
de Justiça capixaba, os procuradores e promotores entendem que a água
do Rio Doce não pode ser usada pela população. Defendem que a
mineradora, a prefeitura e órgãos de meio ambiente estaduais e
municipais desenvolvam projetos de formas alternativas de captação de
água, até se ter certeza que a do rio não causará prejuízo aos cidadãos.
“Precisamos ter uma comprovação de que o uso prolongado desta água não trará reflexos negativos à população. Estamos diante de uma situação jamais vista, não podemos tratar como se fosse algo normal”, explica o procurador da República Jorge Munhoz.
Esta captação seria nos rios Pancas e Santa Maria. Mas, segundo informações da revista eletrônica capixaba Século Diário,
“quase três meses após o rompimento da barragem, o prefeito Leonardo Deptulski informou que a prefeitura perfurou seis poços artesianos. Já as obras essenciais de captação alternativas foram iniciadas apenas no rio Santa Maria”.
O prejuízo é o que conta
– Desde que a coleta de água do Rio Doce voltou a ser feita, a
preocupação da Samarco é parar com a a distribuição de água mineral
nas duas maiores cidades que tinham no rio a principal fonte de
abastecimento: Governador Valadares (MG) e Colatina (ES), com
respectivamente 278 mil e 122 mil moradores, segundo dados do IBGE. Por
enquanto, no distrito de Regência (1.200 habitantes), no município de
Linhares (ES), a distribuição continua.
Segundo a empresa, seu gasto era de R$ 500 mil/dia apenas com o
fornecimento da água em Colatina onde, entre 18 de novembro e 25 de
janeiro, teriam sido doados 19 milhões de litros.
A tese da mineradora é de que os demais compromissos assumidos, como
ajudar o município a construir adutoras e a tratar a água foram
cumpridos. Tanto que, poucos dias depois do acordo feito, em 23 de
novembro, a cidade voltou a ser abastecida com água barbaramente
atingido pelos dejetos de mineração. Foi quando começou a briga dos
laudos. A mineradora e órgãos ambientais apresentaram estudos mostrando
que a água estava no padrão exigido pela Portaria 2.914/2011, do
Ministério da Saúde.
Já os procuradores entendem que em se tratando de um acidente
ambiental de proporções jamais vista, não há garantia de que a água do
Rio Doce pode ser usada. Consideram que as normas traçadas pela portaria
do Ministério da Saúde servem para situações normais. No caso, a
situação é de anormalidade. Afinal, reconhecidamente, foi o maior
acidente ambiental que se tem notícia.
No meio deste embate ficam os moradores, perdidos na discussão. Eles
recebem uma água sobre a qual vêm surgir dúvidas a todo instante. Dois
dias após a Samarco suspender a água mineral, em 26 de janeiro, O Globo divulgou que um estudo da Fundação SOS Mata Atlântica “apontou
que a qualidade da água da bacia do Rio Doce, afetada pelo rompimento
de barragens em Mariana (MG), é péssima em 16 dos 18 pontos monitorados.
Os outros dois trechos tiveram resultado regular. Em 650 km de rios,
total analisado pela pesquisa, a água está imprópria para consumo”.
Esta é a água que os moradores da região recebem para consumo,
inclusive dona Efigênia, o eletricista Tiago e seu filho recém-nascido.
Mas, a Samarco não corre mais o risco de prejuízo.
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