sábado, 6 de fevereiro de 2016

Juiz apóia Samarco, que jogou lama, a não doar mais água

Marcelo Auler

A água mineral  é distribuída desde novembro por conta de um Termos de Ajustamento de Conduta assinado pela Mineradora com os Ministérios Públicos: Federal, do Trabalho e Estadual Foto: Facebook Colatina em Dia
A água mineral é distribuída desde novembro por conta de um
Termos de Ajustamento de Conduta assinado pela Mineradora com os
Ministérios Públicos: Federal, do Trabalho e Estadual
Foto: Facebook Colatina em Dia

Para evitar que a Samarco Mineração – responsável pelo maior desastre ambiental que se tem notícia – venha a perder dinheiro doando dois litros de água mineral diariamente a cada um dos 122 mil moradores de Colatina (ES), o juiz federal substituto da 2ª Vara Cível da cidade, Guilherme Alves dos Santos, não quis obrigá-la a manter a distribuição iniciada em novembro.
 
Como os moradores não confiam na água oferecida a partir da captação no Rio Doce – atingido pelo rejeitos de mineração que escapuliram com o rompimento da barragem em Mariana (MG) -,  terão que arcar com o gasto do próprio bolso. “E quem não puder comprar, vai beber água do Rio Doce?”, questionou Efigênia Martins, uma senhora de idade, ouvida pelo ES-TV, da TV Gazeta, no último dia 24.

A decisão do juiz, que colide com outras deliberações judiciais, é de terça-feira (02/02), em uma Ação de Execução proposta pelo Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, Na Execução, os procuradores tentam manter a distribuição da água, como acertado, em novembro, em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que a mineradora, a prefeitura e os MPs assinaram.

"O prosseguimento da Execução, diante de tal moldura fática, poderia, ainda,causar à Embargante (Samarco), grave dano de difícil ou incerta reparação...."
Na decisão, o juiz considera que a água coletada no Rio Doce,
menos de três meses após o acidente, é potável.

Para o juiz Santos, como o município já voltou a captar e fornecer à população a água do Rio Doce, a manutenção da distribuição da água mineral provocará prejuízo à empresa:

“O prosseguimento da execução, diante de tal moldura fática, poderia, ainda, causar à Embargante grave dano de difícil ou incerta reparação, posto que, se obrigada a despender recursos com o abastecimento de água mineral à população, mesmo diante da potabilidade atestada pelas centenas de laudos e vários órgãos técnicos, dificilmente recuperaria tais valores se a medida viesse a ser revertida muito ulteriormente (quem ressarciria a embargante/executada? Os munícipes? O Exequente?) . 

Ao rejeitar a Ação de Execução proposta com respaldo no que ficou acordado no TAC, o juiz descartou o pedido de impor multa diária de R$ 1 milhão, caso a Samarco mantenha a decisão, unilateral, de suspender a água mineral para a população. Ou seja, o juiz praticamente liberou a mineradoras deste compromisso.

Em novembro, quando os detritos de mineração vazados em Mariana chegaram a Colatina, a captação de água foi suspensa e houve o Termo de Ajustamento de Conduta. Foto: Governo ES
Em novembro, quando os detritos de mineração vazados
em Mariana chegaram a Colatina, a captação de água foi
suspensa e houve o Termo de Ajustamento de Conduta.
Foto: Governo ES
 
Preocupação social – Na briga que se trava em torno da questão, decisões judiciais foram dadas e modificadas. Visão completamente diferente teve o seu colega Nivaldo Luiz Dias. Ele, em 17 de dezembro, reviu a autorização da titular da Vara, Monica Mônica Lúcia do Nascimento Frias.
 
Oito dias antes, ao rejeitar o pedido dos procuradores para suspender a captação e distribuição da água do rio para a população, Mônica autorizara a Samarco a suspender a distribuição da água mineral, uma semana depois. Fez isso, apesar de ninguém ter levantado estas questão na Ação Civil Pública impetrada pelos procuradores. No direito chama-se “extra petita”, ou seja, decisões judiciais concedendo coisa diversa da requerida. Sem falar que a distribuição da água mineral foi acordada, e não imposta judicialmente.

Ao analisar a questão nos embargos propostos pelos procuradores, o juiz Dias poderia respaldar-se apenas no aspecto formal processual, mas preferiu não se esquivar da questão social. Depois de defender a manutenção do diálogo entre as partes, “inclusive com o escopo de se definir estratégias que garantam não só o abastecimento, mas o retorno da confiança da população no consumo da água tratada, tendo em vista as inúmeras notícias contraditórias que são divulgadas”, ele colocou o dedo na ferida:
“Não se pode deixar de considerar que o cidadão comum, de entendimento mediano, encontra-se amedrontado diante das inúmeras notícias de malefícios que a água poderia causar à sua saúde e à de seus familiares”.
O eletricista Tiago, com filho recém nascido, não confia na água dop Rio Doce para dar banho no filho e menos ainda para beber.Reprodução TV Gazeta
O eletricista Tiago, com filho recém nascido, não confia na água do
Rio Doce para dar banho no filho e menos ainda para beber.
Reprodução TV Gazeta

Razão não falta ao magistrado. Afinal, depois de bombardeada pelo noticiário com informações que o rompimento da barragem foi o maior acidente ambiental que se tem notícia, como levar a população acreditar que em algumas poucas semanas já poderia confiar na potabilidade da água do rio atingido?

Não era apenas dona Efigênia quem se assustava com a suspensão da distribuição da água mineral. No mesmo telejornal da TV Gazeta, o eletricista Tiago Yansen Dias explicou que tinha em casa um filho recém nascido e que a água mineral servia para quase tudo: “dar banho no meu neném, fazer comidas, lavar a mamadeira, para beber…”. Questionado sobre a suspensão unilateral da Samarco, foi claro:
“Tenho neném recém-nascido em casa e esta água  da torneira eu não confio para dar banho nele. Para beber, menos ainda”.
Contra a decisão do juiz Dias, a Samarco recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2 Região (TRF-2) que abrange os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Mas o desembargador Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, mas não reverteu a decisão.

Brigas de laudo – Apesar disso, em 24 de janeiro, a mineradora suspendeu a distribuição da água mineral. Contra isso, os procuradores e promotores a ingressaram com a Ação de Execução, respaldada no TAC, que acabou rejeitada em primeira instância. Eles recorrerão desta decisão.

cazptação agua no rio doce Colatina - foto governo Espirito Santo
Procuradores e promotores entendem que Colatina não
pode mais captar água do Rio Doce, atingido pelos rejeitos de mineração.
Mas é de lá a água que chega na casa dos moradores assustados.
Foto Governo ES

Há uma outra briga por trás de todas estas ações. Trata-se de saber se a água que vem sendo captado do Rio Doce e é tratada nas duas adutoras que a Samarco ajudou a construir em Colatina é ou não prejudicial à saúde. A discussão é feita com base em incontáveis laudos técnicos, todos sempre questionado pelas partes divergentes. Os representantes dos três Ministérios Público consideram a excepcionalidade do acidente ambiental para exigir que os testes na água a ser servida à população tenham novos parâmetros.

Com base em estudos técnicos dos órgãos de apoio à Procuradoria Geral de Justiça capixaba, os procuradores e promotores entendem que a água do Rio Doce não pode ser usada pela população. Defendem que a mineradora, a prefeitura e órgãos de meio ambiente estaduais e municipais desenvolvam projetos de formas alternativas de captação de água, até se ter certeza que a do rio não causará prejuízo aos cidadãos.
“Precisamos ter uma comprovação de que o uso prolongado desta água não trará reflexos negativos à população. Estamos diante de uma situação jamais vista, não podemos tratar como se fosse algo normal”, explica o procurador da República Jorge Munhoz.
Esta captação seria nos rios Pancas e Santa Maria. Mas, segundo informações da revista eletrônica capixaba Século Diário,
quase três meses após o rompimento da barragem, o prefeito Leonardo Deptulski informou que a prefeitura perfurou seis poços artesianos. Já as obras essenciais de captação alternativas foram iniciadas apenas no rio Santa Maria”.
O prejuízo é o que conta – Desde que a coleta de água do Rio Doce voltou a ser feita, a preocupação da Samarco é parar com a a distribuição de água mineral nas duas maiores cidades que tinham no rio a principal fonte de abastecimento: Governador Valadares (MG) e Colatina (ES), com respectivamente 278 mil e 122 mil moradores, segundo dados do IBGE. Por enquanto, no distrito de Regência (1.200 habitantes), no município de Linhares (ES), a distribuição continua.

Segundo a empresa, seu gasto era de R$ 500 mil/dia apenas com o fornecimento da água em Colatina onde, entre 18 de novembro e 25 de janeiro, teriam sido doados 19 milhões de litros.

A tese da mineradora é de que os demais compromissos assumidos, como ajudar o município a construir adutoras e a tratar a água foram cumpridos. Tanto que, poucos dias depois do acordo feito, em 23 de novembro, a cidade voltou a ser abastecida com água barbaramente atingido pelos dejetos de mineração. Foi quando começou a briga dos laudos. A mineradora e órgãos ambientais apresentaram estudos mostrando que a água estava no padrão exigido pela Portaria 2.914/2011, do Ministério da Saúde.

Já os procuradores entendem que em se tratando de um acidente ambiental de proporções jamais vista, não há garantia de que a água do Rio Doce pode ser usada. Consideram que as normas traçadas pela portaria do Ministério da Saúde servem para situações normais. No caso, a situação é de anormalidade. Afinal, reconhecidamente, foi o maior acidente ambiental que se tem notícia.

No meio deste embate ficam os moradores, perdidos na discussão. Eles recebem uma água sobre a qual vêm surgir dúvidas a todo instante. Dois dias após a Samarco suspender a água mineral, em 26 de janeiro, O Globo divulgou que um estudo da Fundação SOS Mata Atlântica apontou que a qualidade da água da bacia do Rio Doce, afetada pelo rompimento de barragens em Mariana (MG), é péssima em 16 dos 18 pontos monitorados. Os outros dois trechos tiveram resultado regular. Em 650 km de rios, total analisado pela pesquisa, a água está imprópria para consumo”.

Esta é a água que os moradores da região recebem para consumo, inclusive dona Efigênia, o eletricista Tiago e seu filho recém-nascido. Mas, a Samarco não corre mais o risco de prejuízo.


 

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