25/02/2014 - Copyleft
No ano passado, cerca de um trilhão de dólares fugiram dos
países em desenvolvimento e terminaram em paraísos fiscais. Conheça as
capitais da corrupção.
Marcelo Justo
Londres - Uma visão
muito difundida sobre o desenvolvimento econômico afirma que os
problemas enfrentados pelas economias em desenvolvimento e os países
pobres se devem à corrupção. Essa visão se choca com um dado contundente
da realidade internacional: a China. Nem mesmo o Partido Comunista põe
em dúvida que a corrupção é um dos grandes problemas nacionais, o que
não impediu um crescimento médio de dois dígitos nas últimas três
décadas.
No entanto, segundo Jason Hickel, professor da London School of Economics,
esta perspectiva oculta um problema muito mais fundamental em termos
sistêmicos para a economia mundial: a corrupção dos países
desenvolvidos. Trata-se de uma corrupção do colarinho branco, invisível e
refinada, que foi uma das causas do estouro financeiro de 2008. Carta Maior conversou com Hickel sobre o tema.
Segundo
a Convenção da ONU sobre Corrupção, ela custa aos países em
desenvolvimento entre 20 e 40 bilhões de dólares anuais. É uma soma
considerável. Mas você diz que, comparativamente, a corrupção do mundo
desenvolvido é muito maior e tem um impacto sistêmico muito maior. Como
chegou a essa conclusão?
Jason Hickel: O presidente do
Banco Mundial, Jim Kim, fez este cálculo sobre o custo da corrupção no
mundo em desenvolvimento. Mas esta soma, sem dúvida importante,
constitui apenas cerca de 3% do total de fluxos ilícios que abandonam os
países em desenvolvimento a cada ano. A evasão fiscal é 25 vezes maior
que essa soma. No ano passado, cerca de um trilhão de dólares fugiram
dos países em desenvolvimento e terminaram em paraísos fiscais por meio
de uma prática conhecida como re-faturamento, através da qual as
empresas falsificam documentos para que seus lucros apareçam em paraísos
fiscais nos quais não pagam impostos, ao invés de aparecer nas
jurisdições onde as empresas realizaram esses lucros. É claro que isso é
só parte do problema. Há outras práticas como o chamado preço de
transferência. As multinacionais comercializam seus produtos entre suas
próprias subsidiárias para pagar na jurisdição onde o imposto é mais
baixo, algo que envolve cerca de um trilhão de dólares anuais, mais ou
menos a mesma coisa que o re-faturamento.
Por que a evasão fiscal é tão fácil?
Jason Hickel:
Porque as regras da Organização Mundial do Comércio permitem aos
exportadores declarar o que bem entendam em suas declarações
alfandegárias. Isso lhes permite subavaliar seus produtos para que
paguem menos impostos. Isso não deveria nos surpreender dada a ausência
de democracia interna da OMC.
O poder de negociação na OMC está
determinado pelo tamanho do mercado e as decisões mais importantes são
tomadas em reuniões do chamado “quarto verde”, administrado pelos países
mais poderosos, de maneira que o comércio mundial termina sendo
manipulado em favor dos ricos.
Curiosamente, no índice mais
difundido em nível global sobre corrupção, o da Transparência
Internacional, se apresenta um panorama exatamente oposto, ou seja, o
mundo desenvolvido sofrendo nas mãos do mundo em desenvolvimento por
causa dos estragos da corrupção. Qual sua opinião sobre esse índice?
Jason Hickel:
Ele tem uma série de problemas. Em primeiro lugar, se baseia na
percepção da corrupção que há no próprio país. De maneira que os
pesquisados não podem dizer nada sobre o que pensam acerca de outros
modos de corrupção como, por exemplo, os paraísos fiscais ou a OMC. Em
segundo lugar, como o índice mede mais percepções do que realidades,
está exposto às narrativas dos departamentos de relações públicas.
A
narrativa dominante é promovida por um complexo de organizações, desde o
Banco Mundial até a USAID e passando por muitas ONGs, que centram o
tema da pobreza na corrupção dos próprios países em desenvolvimento. De
maneira que não surpreende que os entrevistados terminem refletindo essa
visão. Além disso, os índices se baseiam em dados de instituições como o
Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial. Estas instituições, que
representam países ricos ocidentais, tem interesse direto em manter essa
narrativa sobre a corrupção.
Dois países que costumam estar
na vanguarda de todas estas denúncias sobre a corrupção no mundo em
desenvolvimento são Estados Unidos e o Reino Unido. Qual é a situação
real destes países a respeito da corrupção?
Jason Hickel:
Segundo a Transparência Internacional, os Estados Unidos estão bastante
livres da corrupção. Segundo a Rede Tax Justice, em troca, os Estados
Unidos estão em sexto lugar no ranking da corrupção mundial, devido ao
fato de que têm jurisdições secretas que permitem que funcionem como
centros de evasão tributária. Além disso, sabemos que a corrupção
atravessa o sistema político estadunidense. As corporações podem gastar
dinheiro sem limites nas campanhas políticas para assegurar que seus
candidatos sejam eleitos. Assim, não surpreende que mais da metade dos
congressistas sejam multimilionários. E há outras formas de lobby
político muito mais diretas.
Segundo a Rádio Nacional Pública,
para cada dólar gasto pelas corporações em tarefas de lobby, elas obtêm
um retorno de 220 dólares. E os sistemas regulatórios costumam ser
capturados por gente dessas corporações que devem ser reguladas. O
exemplo mais óbvio é Henry Paulson, o CEO de Goldman Sachs, que foi
Secretário de Tesouro dos EUA e artífice do resgate que canalizou
trilhões de dólares dos contribuintes para a banca privada.
Em
resumo, as corporações abusam do Estado para seu próprio proveito, o que
é a definição de corrupção da Transparência Internacional. O Reino
Unido é outro grande exemplo. A City de Londres é um dos centros de
funcionamento dos paraísos fiscais, de maneira que surpreende que o
Reino Unido seja classificado pela Transparência Internacional como um
país sem corrupção. E não é a única instância de corrupção. A
privatização da infraestrutura pública, tanto do sistema nacional de
saúde como a dos trens, permitiu que pessoas como o multimilionário
Richard Bransen ganhassem milhões em subsídios estatais para sua empresa
Virgin Trains.
Isso não elimina o fato de que a corrupção no
mundo desenvolvido é real e tem um forte impacto social, econômico e
institucional. Como deveria ser um índice neutro e justo sobre o tema da
corrupção?
Jason Hickel: Certamente que a corrupção
no mundo em desenvolvimento é real e não deve ser subestimada como
problema. Mas é importante concentrar o olhar em formas de corrupção
ocultas. No momento, o mais próximo que temos de um índice objetivo é o
elaborado pela Rede Tax Justice. Neste índice, o ranking é elaborado
considerando países responsáveis por ocultar cerca de 30 trilhões de
dólares de riqueza em países fiscais. Se você olhar a lista verá que os
países que encabeçam o ranking são Reino Unido, Suíça, Luxemburgo, Hong
Kong, Singapura, Estados Unidos, Líbano, Alemanha e Japão. Estes são os
principais centros de corrupção que devemos enfrentar.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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