INTRODUÇÃO
Dois artigos foram publicados pela revista Nature
no mesmo dia rebatendo a postura anticientífica dos brasileiros a
respeito da fosfoetanolamina. Abaixo seguem as traduções resumidas de
ambos os artigos:
Por Heidi Ledford
Pacientes exigem acesso a droga apesar da falta de testes clínicos.
Um
tribunal no Estado brasileiro de São Paulo cortou a distribuição de um
composto que é saudado por alguns como a cura milagroso para o câncer — mesmo que ela nunca tenha sido formalmente testada em seres humanos.
Em
11 de novembro, para o alívio de muitos pesquisadores do câncer, a
corte do Estado revogou as ordens judiciais que obrigavam a maior
Universidade do país a liberar o composto da droga para centenas de
pessoas com câncer terminal. Embora a reversão aplique-se apenas às
solicitações realizadas pelos moradores do Estado de São Paulo, os
administradores da Universidade estimam que ela abrange cerca de 80% das
ordens que foram recebidas para a liberação do composto.
O composto, fosfoetanolamina, demonstrou efetividade para matar células tumorais apenas em camundongos e ratos de laboratório (A. K. Ferreira et al. Anticancer Res. 32, 95–104; 2012).
Drogas que parecem promissoras em estudos de laboratório e em animais
têm uma taxa notoriamente elevada de falha em testes com humanos. Apesar
disso, alguns químicos no campus da Universidade de São Paulo em São
Carlos tem fabricado o composto por anos e distribuído às pessoas com
câncer. Alguns desses pacientes alegaram ter recuperações notáveis,
perpetuando a reputação do composto com uma cura milagrosa.
Consternado
com esta distribuição não-oficial da fosfoetanolamina, a administração
da Universidade moveu uma ação em setembro de 2015 para que eles
parassem. Os pacientes reclamaram no tribunal, e em outubro de 2015, do
Supremo Tribunal Federal do Brasil solicitando através de um autor o
direito de receber o composto. Um tribunal de primeira instância, em
seguida, concedeu ordens a Universidade para que eles forneçam aos
outros. Os funcionários da Universidade dizem que eles foram esmagados
por mais de 800 pedidos.
“A decisão
não só ignorou a opinião de especialistas médicos, mas também
negligenciou o fato de que a droga só tinha sido testada em animais,”
diz o bioeticista Volnei Garrafa, da Universidade de Brasília. “Tais
decisões judiciais trazem falsas expectativas para os pacientes e suas
famílias, criando tumulto e confusão na sociedade entre o que é seguro e
o que não é.”
A Constituição
Brasileira garante o acesso universal à saúde, então é comum no Brasil
que os pacientes recorram aos tribunais para solicitar que as drogas
sejam distribuídas a partir do sistema de saúde do Estado por causa de
seu custo, diz Garrafa. Mas a fosfoetanolamina apresenta uma situação
diferente, acrescenta, porque não é realmente uma ‘droga’ em si. Ela não
foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil.
Aqueles
que argumentam que as pessoas que estão em estado terminal têm o
direito de tentar medicamentos experimentais viram a decisão no início
deste ano como uma vitória significativa. Mas, para a administração da
Universidade, reguladores de medicamentos e pesquisadores do câncer,
demonstraram desrespeito pelo princípios científico básico que a droga
deve ser demonstrada ser segura e eficaz antes de ser dada a pacientes
fora de um ensaio clínico.
“É uma
violação da autonomia da Universidade”, diz Marco Antonio Zago, médico e
presidente da Universidade de São Paulo. “Somos vistos como uma fábrica
para produzir algo que não acreditamos que deve ser feito.”
Fosfoetanolamina
é um importante bloco de construção dos lipídios que compõem as
membranas celulares. O composto também pode como um sinal molecular que
ativa certos processos celulares. Embora alguns estudos sugerem que o
composto pode matar células cancerígenas em células isoladas e
camundongos, isso ainda não está totalmente claro sobre como o composto
produz esta resposta. O bioquímico Durvanei Augusto Maria no Instituto
Butantan, em São Paulo, acredita que o composto pode ser importado para
as células tumorais e, uma vez lá dentro, os processos de gatilho fazem
com que a célula se autodestrua. O imunologista James Venturini da
Universidade de São Paulo e seus colegas descobriram que a
fosfoetanolamina pode modular a resposta do sistema imunológico para o
câncer ou afetar a divisão celular (M. S. P. de Arruda et al. Braz. Arch. Biol. Technol. 54, 1203–1210; 2011).
Mas
para justificar o uso da fosfoetanolamina nas pessoas, Venturini diz,
teriam que testá-la rigorosamente em uma série de estudos clínicos com
voluntários humanos. “Eu acredito fortemente que duplo-cego, estudos
clínicos randomizados são necessários”, diz ele.
E
mesmo antes de tais ensaios, mais estudos pré-clínicos teriam que ser
feitos, afirma Jailson Bittencourt de Andrade, secretário para a
política de pesquisa e desenvolvimento no Ministério de Ciência e
Tecnologia do Brasil. O ministério planeja financiar esses estudos, diz
ele, e já pediu a vários laboratórios de pesquisa no país para fazer o
trabalho. Se esses testes e ensaios clínicos subsequentes serem bem
sucedidos, diz ele, o ministério vai também financiar a investigação
necessária para incrementar a produção fosfoetanolamina e a qualidade
necessária para uma droga aprovada.
Esse
processo levará anos. Enquanto isso, os advogados que representam as
pessoas com câncer prometeram apelar contra a decisão mais recente. Se
esses apelos tiveram sucesso, Andrade acredita que as pessoas não vão
esperar até que todos os testes sejam concluídos, e podem até mesmo
abandonar o tratamento convencional em favor da fosfoetanolamina.
“Muitos pacientes dizem ter experimentado a droga e afirmam ter
funcionado com eles”, diz ele. “Então os outros pacientes e suas
famílias agora querem a fosfoetanolamina.”
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Publicado na Nature
Controvérsia no Brasil sobre o acesso a uma “cura do câncer” pode criar um precedente perigoso.
Um
furioso debate que está sendo travado no Brasil coloca a maior
Universidade do país contra centenas de pacientes com câncer que querem
ter acesso a um composto que alguns têm afirmado ser uma cura milagrosa.
Se
o composto contém quaisquer benefícios: isso nunca foi avaliado em
testes com humanos. O conflito é uma versão extrema de um debate que
acontece nos Estados Unidos e em outros lugares, com pessoas com doenças
terminais — doenças que ainda a medicina moderna não oferece cura — que exigem o acesso a tratamentos não testados.
Como
relatamos no artigo acima, os tribunais no Brasil têm simpatizado com
essas exigências, ordenando que a Universidade de São Paulo forneça um
composto chamado fosfoetanolamina para centenas de pacientes. Pessoas de
ambos os lados deste debate estão armadas com boas intenções. A
Universidade alega que a droga não foi testada e não deve ser usada para
dar falsas esperanças — e efeitos colaterais desconhecidos — para pacientes vulneráveis.
Por outro lado, é compreensível que as pessoas com pouca esperança
possam preferir a incerteza de uma droga não testada à certeza de uma
doença terminal.
O
problema preocupante que está sendo relatado é o fato de que algumas
pessoas com câncer não estão tomando os medicamentos prescritos, por
medo de que a medicina baseada em evidência possa interferir com o
suposto milagre da fosfoetanolamina. O teor do debate também tem sido
prejudicial às vezes, com alguns defensores da fosfoetanolamina,
acusando o governo ou a indústria farmacêutica de suprimir ativamente o
desenvolvimento da droga.
A triste
verdade é que é pouco provável que a droga seja um milagre. Nos Estados
Unidos, por exemplo, apenas uma em cada dez drogas passam a fase I de
ensaios clínicos que estão destinados a obter a aprovação da Food and
Drug Administration (FDA). E a fosfoetanolamina não chegou nem perto
disso: a sua promessa é apoiada apenas por algumas publicações com base
em testes de laboratórios com animais.
Mesmo
assim, os pacientes terminais podem estar dispostos a tentar um
tratamento com taxas mais passas de sucesso. Nos Estados Unidos, vários
Estados aprovaram leis que, em diferentes graus, concedem a tais
pacientes o direito de testar drogas experimentais fora do alcance da
FDA. As leis provocaram debates fervorosos e lançaram falsas esperanças
para outros pacientes que poderiam usar métodos mais promissores.
A
situação no Brasil é mais extrema. Um laboratório da Universidade não é
nem uma planta farmacêutica e nem uma farmácia; não é obrigada a seguir
bons protocolos de fabricação. Não há nenhuma fiscalização para
certificar-se do que está indo para as cápsulas azul-e-branco de
fosfoetanolamina produzidas na Universidade de São Paulo. Nem os efeitos
colaterais do composto — e nem a sua eficácia —
são monitorados sistematicamente. Solicitar que uma Universidade
forneça uma droga é mostrar um desrespeito para a importância de todas
estas medidas de segurança.
A
esperança da fosfoetanolamina encontra-se em novas pesquisas. Os
financiadores federais no Brasil manifestaram apoio para a realização de
mais estudos pré-clínicos da droga. Os pesquisadores estão buscando
opções para mover o composto em ensaios clínicos, os estudos em animais
devem ter sucesso; pacientes que estão interessados em seguir o
tratamento fosfoetanolamina podem se inscrever nos testes clínicos.
Entretanto, os tribunais devem libertar os pacientes do cabo de guerra
jurídico e defender a mais recente decisão de suspender a distribuição
da fosfoetanolamina até que o seu potencial seja melhor compreendido.
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