sexta-feira, 11 de março de 2016
Meu amigo Allan Patrick é Auditor Fiscal da Receita Federal e colaborador frequente aqui do blog. Pedi a ele para escrever um texto sobre Lula e a Operação Lava Jato.
Aparentemente,
Lula é acusado de receber por palestras fantasmas, de receber demais
por palestras, de ser contratado para palestras em mais de 30% dos casos
por empresas que já tiveram negócios com o governo, de ter montado um
instituto de fachada para lavar dinheiro sem pagar imposto, de ter um
sítio ou ainda por ter um apartamento no Guarujá que não está em seu
nome.
Digo
isso porque se tem a nítida impressão que o nosso K., Lula, já foi
condenado de antemão e “o processo” é apenas um meio pelo qual essa
condenação terá que nascer, nem que seja a fórceps e com manobra de
kristeller.
Inverteu-se
a presunção de inocência quando ele primeiro foi preso e só depois a
máquina processual burocrática começou a se mexer. Isso é possível?
Não parece ser o caso de João Santana, pois:
Será que João Santana apagou alguma coisa dos seus computadores? Bom, depois que houve um vazamento sobre brinquedos sexuais de um réu numa recente operação do MPF em Brasília, isso seria estranho?
Fonte
Meu amigo Allan Patrick é Auditor Fiscal da Receita Federal e colaborador frequente aqui do blog. Pedi a ele para escrever um texto sobre Lula e a Operação Lava Jato.
Já que
Lola é Professora de Literatura, eu poderia começar e encerrar este
post dizendo que uma resposta curta e precisa, em apenas um parágrafo,
às suas indagações sobre essa operação poderia se resumir a um
personagem, Josef K., e à obra por ele protagonizada, O Processo, de Franz Kafka.
Mas elaboremos um pouco mais.
Lula, condenado por alguns meios de comunicação desde 1980 |
Esse
“aparentemente” do início do parágrafo anterior e a conjunção “ou” para
tantas acusações alternativas não estão aí gratuitamente. Tal como
acontece com Joseph K., a acusação contra Lula é fluida, variável e
nunca está definida preto-no-branco, até porque se estivesse seria
possível elaborar uma defesa e não foi pra isso que “o processo” foi
criado.
Aliás,
enquanto eu redigia esse texto, saiu a notícia que a Operação Lava Jato
tem uma nova acusação por improbidade administrativa contra ele e
deverá julgá-lo e condená-lo até a segunda instância antes de 2018!
Ao ver
isso no noticiário, o leigo pode pensar que a investigação está se
aprofundando, quando na realidade ela está perdida porque, uma após
outra, as acusações são rebatidas pela defesa. É incrível como a
situação de Lula na Lava Jato se encaixa à perfeição na breve sinopse
que a Wikipédia em português apresenta sobre O Processo:
"Sem
motivo Josef K. é capturado e interrogado em seu aniversário de 30 anos.
As circunstâncias são grotescas, ninguém conhece a lei e a corte
permanece anônima. A 'culpa', descobre Josef K., torna-se-lhe inerente,
sem que ele possa fazer algo contra isso. Obstinadamente, mas sem
sucesso, ele tenta lutar contra o crescente absurdo e envolvimento,
ignora todo aviso de resistência e é por fim executado um ano depois nos
portões da cidade."
A Corte também não admite as provas em contrário apresentadas por Fernando Morais ou quem quer que seja.
Por exemplo, segundo ditames d’A Corte, esse evento não existiu:
Lula, 4o da esquerda para a direita, em 27/11/13, reunido com empresários chilenos na Confederación de La Producción y del Comercio |
Para A Corte, (ex-)presidentes americanos promovem o interesse de seu país ao defenderem suas empresas.
Afinal,
se Bill Clinton veio a Natal/RN em 2010 palestrar para promover a
empresa americana que adquiriu a maior universidade particular do
estado, então estamos diante de um evento lindo e maravilhoso! Clinton
sim é um verdadeiro estadista.
Mas se Lula fizer o mesmo, ou seja, sair por aí promovendo empresas brasileiras no exterior, certamente é crime. Esse peão não sabe o seu lugar.
A Corte entende que o instituto está lá pra lavar dinheiro, pagar benesses e luxos ao Lula. Evidências e provas em contrários são inúteis, pois A Corte já decidiu que houve confusão patrimonial.
Se o
Instituto não foi usado pra lavagem de dinheiro ou pra pagar despesas
pessoais de Lula, então A Corte entende que mesmo assim ele é um crime,
pois no Código Penal anotado pela Corte constitui propina doação a um mausoléu de adoração soviética do “grande líder”.
A Corte descarta qualquer evidência em contrário. A construção dos “Diálogos Africanos”, debates sobre os imigrantes no Brasil, a visita a refugiados ou a elaboração do Memorial da Democracia não são evidências aceitas por Ela.
A
Corte entende que se esses atos ainda não forem crimes então em breve
certamente serão, mas assegura desde já a condenação em segunda
instância, antes de 2018.
(Desculpem o breve desvario kafkafiano, mas é assim que a mente passa a funcionar quando imersa n’O Processo).
Deixando Kafka (um pouco) de lado, por que tanto ódio e desconfiança em relação ao apartamento do Guarujá e ao Sítio de Atibaia?
No meu
meio social, classe média alta de uma capital litorânea, é comum alguém
emprestar uma casa de praia ou de campo a um parente ou amigo próximo
em troca de reparos ou de sua manutenção.
É
ainda mais comum acontecer, antes de alguém comprar um imóvel, que a
pessoa visite vários diferentes, sonhe e faça planos mirabolantes para
cada um deles e no final desista da aquisição.
Mas essas são práticas costumeiras de quem pode. Isso não é pra qualquer um, muito menos um peão. Aliás, se for um peão fazendo isso, deve ser crime.
É que, como já diz uma velha piada, rico correndo pratica cooper; pobre correndo deve estar fugindo da polícia.
JOÃO SANTANA
Lula é
uma pessoa querida e amada por muitos. Se queremos nos embrenhar nos
intestinos da Lava Jato, temos que falar de pessoas de reputação
incógnita, já que exercem atividades normalmente execradas pelo público.
Ao
serem presos, Mônica Moura e seu marido, João Santana, foram algemados.
Quando o STF editou a Súmula Vinculante nº 11, sobre a proibição do uso
de algemas, anulou um julgamento de homicídio com base unicamente no
fato do réu estar algemado. Ao que tudo indica, essa Súmula não se
aplica à Corte.
Vamos
falar, por exemplo, do marqueteiro João Santana. Sobre ele, parece
(afinal, estamos falando d’A Corte onde corre O processo e lá a defesa é
sempre a última a conhecer o teor da acusação) que pesa a acusação de
ter recebido um depósito em conta no exterior por uma atividade
realizada no exterior (segundo o próprio João Santana) ou no Brasil
(segundo A Corte).
Como
Lola me apresentou, eu sou Auditor Fiscal, trabalho na Receita Federal, e
entre outras atividades que já exerci na instituição, uma delas foi a
de fiscalizar contribuintes que não tinham cumprido suas obrigações
tributárias corretamente.
Como a
Receita Federal costuma proceder ao se deparar com a informação de que
um contribuinte recebeu um vultoso depósito em conta corrente no seu
nome? Há uma série de passos a serem seguidos. Inicialmente um setor chamado Seleção faz uma análise sumária do caso.
Neste momento, havendo dúvidas razoáveis sobre a legalidade do ato, provavelmente será aberto um procedimento fiscal. Aberto
o procedimento fiscal, ele é distribuído a um servidor público ocupante
do cargo de Auditor Fiscal. Essa pessoa intimará o contribuinte a
prestar esclarecimentos e buscará, por meios lícitos de prova,
informações que comprovem ou desmintam a versão que o contribuinte
apresentar para o depósito vultoso.
Se
o Auditor Fiscal, ao final desse procedimento fiscal, tem a convicção e
provas de que aquele depósito é uma renda não declarada pelo
contribuinte, procederá à lavratura de um Auto de Infração. Do
contrário, encerrará o procedimento fiscal sem resultado.
Havendo
a autuação, o contribuinte tem direito a contestar o resultado do Auto
de Infração. Se assim o fizer, esse Auto será revisto internamente numa
unidade distinta daquela onde o Auditor Fiscal que o elaborou trabalha,
chamada Delegacia de Julgamento, também composta por Auditores Fiscais.
Se
o contribuinte discordar da decisão tomada pela Delegacia de Julgamento
ao analisar sua impugnação, ainda tem o direito de submeter um novo
recurso, desta vez ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais,
composto meio a meio por Auditores Fiscais e advogados indicados por
entidades patronais, como as Confederações Nacionais da Indústria, da
Agricultura e do Comércio.
Se
esse Conselho finalmente entender que aquele depósito é um ilícito
tributário, o Auto de Infração retorna à unidade de origem sem mais
chances de ser revisto administrativamente e pronto para cobrança.
Se
houver anexado a esse Auto uma Representação Fiscal para Fins Penais por
crime de sonegação, essa representação será encaminhada ao Ministério
Público Federal.
Mas
atenção: nesse caso o STF já pacificou jurisprudência no sentido de que,
se o contribuinte pagar os valores relacionados no Auto de Infração,
extingue-se o processo penal e o contribuinte não responderá pelo crime
de sonegação.
Eventualmente,
se durante o procedimento fiscal, o Auditor descobrir indícios que
apontem para a origem ilegal desse depósito na conta do contribuinte --
que não a mera sonegação de tributos -- pode encaminhar de imediato
Representação Fiscal para Fins Penais ao Ministério Público Federal que,
usualmente, solicitará à Polícia Federal a abertura de um inquérito
para apurar informações que complementem essa representação e, se
entender cabível, ao receber de volta o inquérito preparado pela PF,
apresentará uma denúncia perante um juiz.
Comparemos
esse roteiro tradicional com o que aconteceu com João Santana. Ele foi
preso de cara lá no momento inicial, quando num caso normal tem início o
procedimento fiscal na Receita Federal. Ou seja, a situação dele é
excepcionalíssima quando observada lado a lado com possíveis ilícitos
similares.
No
mundo real (aqui fora), podem acontecer situações excepcionais que
justifiquem a prisão preventiva, normalmente porque o alvo:
1) Constrange testemunhas
2) Destrói provas ou
3) Está em continuidade delitiva.
Não parece ser o caso de João Santana, pois:
1)
Supõe-se (lembrando que n’A Corte acusações são sempre mutantes,
portanto no condicional) que ele está sendo acusado por fazer campanhas
eleitorais para Lula e o PT em troca de dinheiro oriundo de propinas,
mas não estamos em campanha eleitoral, ou seja, no momento é impossível a
continuidade delitiva.
2) Não se tem notícia de que esteja constrangendo testemunhas.
3) Aí
resta, para justificar o aprisionamento, a acusação de destruição de
provas, a qual não faz sentido porque se houvesse qualquer preocupação
com isso A Corte não estaria há mais de uma semana vazando que João
Santana seria alvo de uma operação -- ao mesmo tempo em que recusava
pedido feito por ele para depor espontaneamente!
Será que João Santana apagou alguma coisa dos seus computadores? Bom, depois que houve um vazamento sobre brinquedos sexuais de um réu numa recente operação do MPF em Brasília, isso seria estranho?
Kafka pode ter alcançado o mesmo nível, mas não fez melhor n’O Processo.
CONCLUSÕES
Qualquer
Estado Democrático de Direito digno de tal denominação não pode tratar
de forma desigual, perante a lei, pessoas em situação semelhante.
Não é à toa que, colocados nessa situação extraordinária, tantos réus delatem. De fato, apenas 8% dos acusados na Lava Jato permanecem presos. Os demais, como se dizia nos tempos da ditadura, “cantaram” e estão livres.
Além
da desigualdade de acesso ao direito, pesam desconfianças sobre a
imparcialidade da Operação. Só Aécio Neves, por exemplo, já foi citado
por três delatores. E, embora ele tenha foro privilegiado, as pessoas do
seu entorno não têm. E elas não foram abordadas. Uma Justiça que não
trata a todos com isonomia não representa um Estado Democrático de
Direito.
Ao que
parece, existe um Direito Penal para um setor da sociedade, onde se
incluem Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, Eduardo Cunha, José
Serra, dentre outros, e um segundo Direito Penal, o Direito Penal do
Inimigo, tal como concebido por Gûnther Jakobs, que se aplica ao
“Outro”, ao “Petralha” ou qualquer um que a estes possa ser associado, e
que os sujeita a:
(b) desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas garantias processuais; (Não inventei esses itens, eles estão na obra de Jakobs).
Por
fim, não deixa de ser curioso que, na esdrúxula teoria construída pela
Corte, os subordinados da “organização criminosa” desviam centenas de
milhões de reais e os “cabeças”, que detêm o “domínio do fato”,
pedalinhos e um barco de lata.
Em
paralelo, me causa espanto que o escândalo seja conhecido como da
“Petrobrás”, a empresa vítima do esquema, e não da Samsung, a empresa
que teria praticado a corrupção ativa e incentivado diretores da
Petrobrás a trair os interesses da estatal em troca de propinas. Mas
isso seria tema pra outro post.
Fonte
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