25/mar/2015, 11h44min
Fonte
Marco Weissheimer
Quando iniciou o debate sobre a utilização de Organismos
Geneticamente Modificados (OGMs) na agricultura, uma das principais
promessas feitas por seus defensores era que o cultivo de transgênicos,
entre outros benefícios, traria uma diminuição do uso de agrotóxicos, em
função do desenvolvimento de plantas resistentes a pragas. Passadas
cerca de duas décadas, o que se viu no Brasil foi exatamente o
contrário. A crescente liberação do plantio de variedades transgênicas
de soja, milho e outros cultivos trouxe não uma diminuição, mas um
aumento da utilização de agrotóxicos. Mais grave ainda: vem provocando o
surgimento de novas pragas mais resistentes aos venenos, que demandam o
desenvolvimento de novos venenos, numa espiral que parece não ter fim e
que vem sendo construída sem os estudos de impacto ambiental
necessários.
Esse foi um dos alertas feitos no painel “10 anos da Lei de
Biossegurança e os Transgênicos no Brasil”, realizado terça-feira (24) à
noite, no auditório da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Promovido pela Agapan, InGá Estudos
Ambientais, Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MoGDeMA) e GVC –
Projeto de Extensão da Biologia da UFRGS, o encontro, além de atualizar
a situação da Lei de Biossegurança e da transgenia no Brasil, prestou
uma homenagem à pesquisadora Magda Zanoni, recentemente falecida, que
foi uma das principais pesquisadoras no campo da reforma agrária e da
agricultura familiar no país, e uma crítica do uso de organismos
transgênicos na agricultura como uma solução para os problemas da
alimentação no mundo.
Situação da Biossegurança no país piorou, diz pesquisadora
O painel reuniu a doutora em Ciências Sociais, Marijane Lisboa,
professora da PUC-SP, e o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo,
integrante da Agapan. Marijane Lisboa fez um balanço dos dez anos da Lei
de Biossegurança, lembrando que essa é, na verdade, a segunda
legislação sobre esse tema no Brasil. A primeira lei, de 1995,
assinalou, era melhor que a atual pois tinha uma regra que submetia as
decisões da Coordenação-Geral da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio) ao parecer de órgãos ambientais e da área da
saúde. “Essa cláusula permitiu, por exemplo, ingressarmos na justiça
contra a liberação da primeira variedade de soja transgênica no Brasil.
Isso, ao menos, atrasou a liberação dos transgênicos no país”, assinalou
a pesquisadora. Mas essa lei tinha uma desvantagem em relação à atual:
durante a sua vigência, as reuniões da CTNBio eram fechadas para a
sociedade.
O atraso na liberação das primeiras variedades transgênicas não
impediu, porém que elas começassem a ser plantadas de forma ilegal no
país. O Rio Grande do Sul foi um Estado pioneiro nessa ilegalidade, com o
plantio da chamada soja Maradona, contrabandeada da Argentina. Marijane
Lisboa trabalhou no Ministério do Meio Ambiente, quando Marina Silva,
era ministra, e vivenciou diretamente todo o lobby da indústria dos
transgênicos e de seus braços parlamentares para a liberação do plantio.
“A pressão política foi muito forte e a soja transgênica acabou sendo
liberada, no governo Lula, por Medida Provisória. Quando o governo
enviou a MP para o Congresso, a bancada ruralista anunciou que pretendia
fazer uma emenda para ampliar a liberação e torná-la permanente.
Seguiu-se uma negociação que acabou dando origem à nova Lei de
Biossegurança”, relatou.
“Para construir uma ponte, precisa estudo de impacto ambiental. Para liberar transgênico, não”
Uma das principais disputas travadas na época se deu em torno da
vinculação ou não dos pareceres da CTNBio à avaliação dos órgãos
ambientais. “Nós defendíamos essa vinculação, mas, infelizmente, o então
ministro Aldo Rebelo decidiu pela posição contrária. O que os
cientistas decidissem na CTNBio seria a palavra final, o que deu origem à
uma lei muito pior que a anterior. “Não é possível que, para construir
uma ponte, seja preciso ter um estudo de impacto ambiental, e para
liberar um produto transgênico para o consumo humano não exista a mesma
exigência”, criticou a professora da PUC-SP. “Hoje”, acrescentou, “os
integrantes da CTNBio são escolhidos diretamente pelo ministro da
Ciência e Tecnologia. Nós temos cinco representantes da sociedade civil,
mas eles devem ser doutores e representam uma posição minoritária. Os
lobistas da indústria dos transgênicos assistem às reuniões para ver
como os cientistas estão se comportando. Essa é a CTNBio hoje. Ela foi
sendo adaptada para liberar tudo”.
Na mesma direção, Leonardo Melgarejo criticou o atual modo de
funcionamento da CTNBio, observando que os integrantes da comissão
aprovam a liberação de transgênicos com base em uma bibliografia
totalmente favorável a essa posição, composta em sua maioria por artigos
não publicados em revistas indexadas. Para enfrentar essa situação, um
grupo de pesquisadores está preparando um livro com 700 artigos de
cientistas que fazem um contraponto a esse suposto consenso favorável à
liberação do plantio e consumo dos transgênicos. Esse livro incluirá
artigos publicados já nos primeiros meses de 2015 que contestam esse
suposto consenso. Um deles, “No scientific consensus on GMO safety”, de autoria de um grupo de cientistas da European Network of Scientists for Social and Environmental Responsibility, denuncia a fragilidade de evidências científicas para sustentar tal consenso.
“Hoje, não dá para dissociar agrotóxicos de transgênicos”
Melgarejo chamou a atenção para o fato de que não é possível, hoje,
dissociar agrotóxicos de transgênicos. “Quando alguém sente cheiro de
veneno já está sendo envenenado”, resumiu. Além dos problemas de
contaminação, advertiu, há vários outros que não são do conhecimento da
sociedade. Entre eles, está o fenômeno do aumento da resistência de
certas bactérias a antibióticos e o surgimento de novas pragas, o que
leva ao desenvolvimento de novos tipo de transgênicos. A França, relatou
ainda o engenheiro agrônomo, proibiu ontem (23) o cultivo do milho
geneticamente modificado MON 810. Melgarejo advertiu também para os
riscos da aprovação no Brasil do agrotóxico 2,4 D, muito mais tóxico que
o glifosato, e do projeto de lei do deputado federal Luis Carlos Heinze
(PP-RS), propondo o fim da rotulagem dos transgênicos.
O biólogo Paulo Brack, do InGá Estudos Ambientais, também criticou o
modo de funcionamento atual da Comissão Nacional de Biossegurança. “A
situação da CTNBio passou dos limites. Não há espaço para debate
científico nas reuniões, as cartas já estão marcadas. A maioria dos
integrantes da CTNBio tem vínculos com empresas”. Para Brack, a
agricultura convencional hoje se tornou disfuncional pois não respeita
princípios ecológicos básicos. “A lógica é aumentar o consumo dos
agrotóxicos”, assinalou o biólogo, que apresentou um gráfico que atesta
esse crescimento.
Em 2005, quando foi a aprovada a Lei de Biossegurança 11.105, que
impulsionou a liberação de transgênicos no país, o consumo de
agrotóxicos no Brasil estava na casa dos 700 milhões de litros/ano. Em
2011, seis anos apenas depois, já estava na casa dos 853 milhões de
litros/ano. Em 2013, as estimativas apontam para um consumo superior a
um bilhão de litros/ano, uma cota per capita de aproximadamente 5 litros
por habitante. O Brasil consome hoje pelo menos 14 agrotóxicos que são
proibidos em outros países do mundo.
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