quinta-feira, 12 de março de 2015

Somos uma farsa

Laerte Cerqueira

Laerte Cerqueira

Uma análise do que há por trás dos fatos e discursos políticos. Um espaço em que o olhar do repórter, a informação precisa e as versões das fontes são combustíveis para opinião e reflexão do leitor.







 
Iria para a manifestação de domingo se a principal motivação não fosse o impeachment. Nosso problema, nem no sonho, será resolvido com uma troca pura e simples. E, nesse caso, uma troca suspeita. Nosso vice-presidente é do partido mais fisiologista do país e sob ele estará a mesma engrenagem que mantém nossa cultura de corrupção. Iria para a manifestação se fosse para apoiar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vítima de um bombardeio político. Iria se fosse para apoiar e exigir que o juiz Sérgio Moro continuasse a desmontar esse esquema sujo. Iria se fosse para cobrar do Congresso Nacional a aprovação de medidas de ajuste fiscal necessárias para corrigir os erros que o governo cometeu, com o apoio do próprio Congresso e da base aliada. Todos eles ganharam muito maquiando a nossa realidade.
Não vou para um protesto apoiar um golpe, estimular a derrubada de um governo eleito democraticamente. Posso odiar, mas não posso fazer isso. Como diz Marina, “não se troca de governo, como se troca de camisa”. É fato. A maioria fez sua escolha e, agora, não é, simplesmente, trocando de comandante que teremos um exército mais eficiente. Que tal lutar por uma mudança de regras e de cultura? Mas no país da farsa, tudo que é muito mais difícil fica para depois, até um dia que aperta e o próprio umbigo é atingido. Boa parte da elite, da burguesia, da classe média ou do povão - seja lá como queiram chamar - que vai às ruas domingo, lambuzou-se com os benefícios que o governo deu nos últimos anos, de maneira equivocada, para “fingir” que estava tudo bom.

Quem fez panelaço trocou de carro várias vezes nos últimos anos, porque o IPI estava reduzido; trocou todos os móveis da linha branca porque os impostos foram cortados. Comprou apartamento de meio milhão financiado pelos bancos públicos, com taxa de juros ainda alta, se comparada ao padrão mundial, mas bem mais baixa do que a que fora praticada em outros tempos. Quem pede o golpe – e não tem outro nome - ganhou dinheiro supervalorizando o preço dos apartamentos novos e usados de programas do governo, por causa das várias medidas que deram oportunidades aos que nunca tinham sonhado ter uma casa própria.

O movimento é legítimo, mas o seu objetivo é bem brasileiro. Fazer uma mudança para jogar tudo para debaixo do tapete e ficar como está. Sejamos sinceros: temos um problema de povo, cultural, de comportamento. Muitos dos que estarão nas ruas domingo não vão para lá exigir um transporte público de qualidade. Aliás, irritam-se quando prefeituras abrem uma faixa exclusiva para ônibus e diminuem o espaço do “passeio individual”. Quem vai às ruas pedir o golpe finge que não sabiam que, desde sempre, empresas financiam campanhas milionárias de políticos, em troca das licitações arrumadinhas. Quem vai às ruas até pode argumentar que foi o PT que organizou e institucionalizou a roubalheira, mas não quer protestar e exigir, sistematicamente, uma reforma política. Aliás, não sabe o que é e tem preguiça de pensar sobre.

Não cometerei o erro da generalização, mas muitos “politizados” do impeachment querem a escravidão das empregadas domésticas e condena, simplesmente, o “bolsa família”. Tem preguiça de ir às ruas exigir do governo fiscalização e um plano mais eficiente de geração de emprego e renda, para que essas pessoas utilizem o benefício social, apenas, como trampolim. Quem pede o golpe não está preocupado com o bem comum, com a democracia. Está preocupado com o próprio umbigo, com as próprias dores. Afinal, agora está tudo mais caro e vai ficar mais difícil trocar de carro, viajar, exibir-se. Somos um país de ignorantes e aproveitadores. Temos que ir às ruas para mudar a nós mesmos e não um governante.


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