Democratização da Comunicação
22/Apr/2015 às 14:54
No aniversário de 50 anos da Rede Globo, existem pelo
menos 10 razões para que todo cidadão comprometido com o
desenvolvimento brasileiro e com a democratização da mídia não tenha
nada a comemorar
Aniversário de 50 anos da Rede Globo: não há nada o que comemorar (divulgação)
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Era para ser uma festa de arromba, com eventos se sucedendo em todo o
país. Grande parte do que a TV Globo preparou para comemorar seu
cinquentenário, a ser completado no domingo (26/4), está mantido, mas,
sem dúvida, não terá o mesmo brilho de outras épocas. Depois dos
problemas verificados durante a sessão solene da Câmara dos Deputados em
homenagem à emissora, em que três militantes em prol da democratização
da comunicação tiveram que ser retirados por seguranças, as festas em
locais abertos ou de acesso público estão sendo repensadas. Os cuidados
se justificam.
Nunca a audiência da TV Globo, centro do império da família Marinho,
esteve tão baixa. O Jornal Nacional, seu principal informativo, que
chegou a ter 85% de audiência, agora não passa dos 20%. Suas novelas do
horário nobre estão perdendo público para similares da TV Record. No dia
1º de abril aconteceram atos em prol da cassação da concessão da
emissora em diversas cidades brasileiras. O realizado no Rio de Janeiro,
em frente à sua sede, no Jardim Botânico, foi o mais expressivo e
contou com 10 mil pessoas. Número infinitamente maior participou, no
mesmo horário, do tuitaço e faceboquiaço “Foraglobogolpista”.
Artistas globais e a viúva de Roberto Marinho integram a relação de
suspeitos de crimes de evasão fiscal e serão alvo de investigação pela
CPI do Senado, criada para analisar a lista de mais de oito mil
brasileiros que têm depósitos em contas secretas na filial do banco
HSBC, na Suíça. Este escândalo internacional envolve milhares de pessoas
em diversos países. A diferença é que fora do Brasil o assunto tem tido
destaque e é coberto diuturnamente, enquanto aqui, a mídia, Globo à
frente, prefere ignorá-lo ou abordá-lo parcialmente.
Além disso, o conglomerado teria sonegado o Imposto de Renda ao usar
um paraíso fiscal para comprar os direitos de transmissão da Copa do
Mundo Fifa de 2002. Após o término das investigações, em outubro de
2006, a Receita Federal quis cobrar multa de R$ 615 milhões da emissora.
No entanto, semanas depois o processo desapareceu da sede da Receita no
Rio de Janeiro. Em janeiro de 2013, uma funcionária da Receita foi
condenada pela Justiça a quatro anos de prisão como responsável pelo
sumiço. No processo, ela afirmou ter agido por livre e espontânea
vontade.
Nem mesmo a campanha filantrópica “Criança Esperança”, promovida em
parceria com a Unesco, se viu livre de críticas. Um documento datado de
15 de setembro de 2006, liberado pelo site WikiLeaks em 2013, cita que a
Rede Globo repassou à Unesco apenas 10% do valor arrecadado desde 1986
com a campanha (à época R$ 94,8 milhões). A emissora garante
“desconhecer” essa informação e afirma que “todo o dinheiro arrecadado
pela campanha é depositado diretamente na conta da Unesco”.
Como se tudo isso não bastasse, ao assumir a postura pró-tucanos
durante a campanha eleitoral de 2014, a emissora perdeu parte da régia
publicidade oficial com que sempre foi contemplada. O governo não
anuncia mais na TV Globo e nem na revista Veja e, pelo menos até o
momento, não há indícios de que o quadro esteja prestes a se alterar.
Motivos que têm levado cada dia mais repórteres e equipes da emissora a
serem alvo de protestos e recebidos aos gritos de “O povo não é bobo.
Abaixo a Rede Globo!”
Os protestos contra a Rede Globo, pelo visto, vão continuar e existem
pelo menos 10 razões para que os setores comprometidos com a
democratização da mídia no Brasil não tenham nada a comemorar neste
cinquentenário.
1. Canal 4 estava prometido à Rádio Nacional
Em meados de 1950, Roberto Marinho era apenas um entre os vários
empresários da comunicação no país. O magnata da época atendia pelo nome
de Assis Chateaubriand e detinha a maior cadeia de jornais, rádios e
duas emissoras nascentes de televisão. A rádio líder absoluta de
audiência e mais querida do Brasil era a Nacional, a PR-8 do Rio de
Janeiro, de propriedade do governo federal. O sucesso da Nacional era
tamanho que animou seus dirigentes a solicitar que o então presidente da
República lhe concedesse um canal de TV. Constava do currículo da Rádio
Nacional já ter feito experiências pioneiras na área, ao ocupar o canal
4 para televisionar (como se dizia na época) dois dos seus programas.
O presidente da República era Juscelino Kubitschek, que considerou
justa a reivindicação, uma decorrência natural da liderança da emissora.
Na publicação de final de ano em 1956, a direção da Rádio Nacional
anunciava para “breve” a entrada no ar da sua emissora, a TV Nacional,
canal 4, conforme compromisso assumido por Juscelino. As concessões de
canais de rádio e TV eram atribuições exclusivas do ocupante do
Executivo Federal.
Os meses se passaram e Juscelino ”esqueceu-se” da promessa. No final
de 1957, para surpresa da direção da Rádio Nacional, o canal 4 que lhes
fora prometido acabou concedido para a inexpressiva Rádio Globo, de
Roberto Marinho. A decisão foi condicionada por pressões diretas de
Chateaubriand, que aceitava qualquer coisa menos que a Rádio Nacional
ingressasse no segmento televisivo, temendo as consequências disso para
seus negócios. Neste contexto, o canal ir para Roberto Marinho era um
mal menor.
O Brasil perdeu assim a chance histórica de ter, no nascedouro, duas
modalidades de televisão: a comercial, representada pelas emissoras de
Chateaubriand, e a estatal voltada para o interesse público como seria a
da Rádio Nacional.
2. Acordo com a Time-Life feriu interesses nacionais
Ao contrário da Rádio Nacional, que dispunha de todas as condições
para colocar no ar sua emissora de TV, a de Roberto Marinho precisou
aguardar alguns anos. Para a implantação da TV Globo, a partir de 1961,
foi decisivo o apoio do capital internacional, representado pelo gigante
da mídia norte-americana Time-Life. A emissora começou a operar de
forma discreta em 26 de abril de 1965 e seus primeiros meses foram um
fracasso em termos de audiência.
Em junho de 1962, Marinho passou a ser apoiado com milhões de
dólares, num episódio que a emissora ainda hoje sustenta que se tratou
apenas de “um contrato de cooperação técnica”. A realidade, fartamente
documentada por Daniel Herz, em sua obra já clássica A história secreta
da Rede Globo (1995), prova o contrário. Roberto Marinho e o grupo
Time-Life contraíram um vínculo institucional de tal monta que os tornou
sócios, o que era vedado pela Constituição brasileira. Foi este vínculo
que assegurou à Globo o impulso financeiro, técnico e administrativo
para alcançar o poderio que veio a ter.
A importância da ligação com os norte-americanos, nos primórdios da
emissora, pode ser avaliada pela declaração do engenheiro Herbert Fiúza,
que integrou a sua primeira equipe técnica: “A Globo era inspirada numa
estação de Indianápolis, a WFBM. E o engenheiro de lá foi quem montou
tudo, porque a gente não sabia nada”.
Chateaubriand, que antes havia ficado satisfeito em inviabilizar o
canal de TV para a Rádio Nacional, percebeu o risco que suas emissoras
passavam a correr. Tanto que dedicou ao “Caso Globo/Time-Life” nada
menos do que 50 artigos, todos atacando Roberto Marinho e acusando-o de
receber, na época, US$ 5 milhões, repassados em três parcelas, o que
representava “uma ofensiva externa contra os competidores internos”
(Morais, 1994, p.667).
A repercussão dessas denúncias foi tamanha que a CPI criada pelo
Congresso Nacional para apurá-las acabou descobrindo que a TV Globo
mantinha não um, mas dois contratos com o grupo Time-Life. Em um deles,
os norte-americanos tinham participação de 49%. Em outras palavras, não
se tratava de contrato, mas de sociedade. A CPI pôs fim à sociedade.
Mas, ao invés de sair penalizada do episódio, a Globo foi duplamente
beneficiada: Roberto Marinho ficou com o controle total da emissora e os
militares, então no poder, não tomaram qualquer providência contra ela.
A TV Globo poderia ter tido sua concessão cassada.
3. O apoio à ditadura militar (1964-1985)
Nos anos 1960, o Brasil era visto pelos Estados Unidos como sua área
de influência direta. E a TV Globo foi fundamental para trazer para cá o
way of life norte-americano juntamente com o seu modelo de televisão. A
TV comercial, um dos tipos de emissora existentes no mundo, adquire
aqui o status de única modalidade de TV. Não por acaso, Murilo Ramos
(2000, p.126) caracteriza o surgimento da TV Globo como sendo “a
primeira onda de globalização da televisão brasileira”, que, concentrada
num único grupo local, monopolizou a audiência e teve forte impacto
político e eleitoral ao longo das décadas seguintes.
Durante quase 20 anos, TV Globo e governos militares viveram uma
espécie de simbiose. Os militares, satisfeitos por verem nas telas da
Globo apenas imagens e textos elogiosos ao “país que vai para a frente”,
retribuíam com mais e mais benesses e privilégios para a emissora. A
partir de dezembro de 1968, com a edição do AI-5, o país mergulhou no
“golpe dentro do golpe”, com prisão e perseguição a todos os
considerados inimigos e adversários do regime e a adoção de censura
prévia aos veículos de comunicação.
A TV Globo enfrentou alguns casos de censura oficial em suas
telenovelas, mas o que prevaleceu na emissora foi o apoio incondicional
de sua direção aos militares no poder e a autocensura por parte da
maioria de seus funcionários.
Ainda hoje não falta quem se recorde de situações patéticas em que o
então apresentador do Jornal Nacional, Cid Moreira, mostrava aos
milhares de telespectadores brasileiros cenas de um país que se
constituía “em verdadeira ilha de tranquilidade”, enquanto centenas de
militantes de esquerda eram perseguidos, presos, torturados ou mortos
nas prisões da ditadura. Some-se a isso que a TV Globo sempre se esmerou
em criminalizar quaisquer movimentos populares.
4. O combate permanente às TVs Educativas
Desde 1950 que as elevadas taxas de analfabetismo vigentes no Brasil
eram uma preocupação constante para setores nacionalistas e de esquerda.
Uma vez no poder, algumas alas militares viram na radiodifusão um
caminho para combater a subversão e, ao mesmo tempo, promover a
integração nacional. O resultado disso foi que, em 1965, o Ministério da
Educação e Cultura (MEC) solicita ao Conselho Nacional de
Telecomunicações a reserva de 48 canais de VHF e 50 de UHV
especificamente para a televisão educativa.
O número era dos mais significativos e poderia ter representado o
começo de canais voltados para os interesses da população, a exemplo do
que já acontecia em outras partes do mundo. Pouco depois do decreto ser
publicado, Roberto Marinho começa a agir para reduzir sua eficácia. E,
na prática, conseguiu seu intento. O decreto-lei nº 236, de março de
1967, se, por um lado, formalizava a existência das emissoras
educativas, por outro criava uma série de obstáculos para que
funcionassem. O artigo 13, por exemplo, obrigava essas emissoras a
transmitir apenas “aulas, conferências, palestras e debates”, ao mesmo
tempo em que proibia qualquer tipo de propaganda ou patrocínio a seus
programas. Traduzindo: as TVs Educativas estavam condenadas à
programação monótona e à falta crônica de recursos.
Como se isso não bastasse, o artigo seguinte fechava o cerco a essas
emissoras, determinando que somente pudessem executar o serviço de
televisão educativa a União, os estados, municípios e territórios, as
universidades brasileiras e alguns tipos de fundações. Ficavam de foram,
por exemplo, sindicatos e as mais diversas entidades da sociedade
civil.
Dez anos após este decreto-lei, apenas seis emissoras educativas
tinham sido criadas no país, número muito distante dos 98 canais
disponíveis. As emissoras educativas não conseguiam avançar, esbarrando
na legislação que lhes obrigava a viver exclusivamente do minguado
orçamento oficial, ao passo que as televisões comerciais, em especial a
Globo, experimentavam crescimento sem precedentes. Crescimento que
contribuiu para cristalizar, em parcela da população brasileira, a
convicção de que a emissora de Roberto Marinho era sinônimo de
qualidade.
5. O programa global de telecursos
Oficialmente, o projeto tinha o nome de Educação Continuada por
Multimeios e envolvia um convênio entre a Secretaria de Cooperação
Econômica e Técnica Internacional (Subin) da Secretaria de Planejamento
da Presidência da República, o BID, a Fundação Roberto Marinho (FRM) e a
Fundação Universidade de Brasília (FUB). Aparentemente, o seu objetivo
era nobre: “O atendimento à educação de população de baixa renda do
país, mediante a utilização e métodos não tradicionais de ensino”.
Na versão inicial, o convênio tinha 15 cláusulas, com a FRM assumindo
a condição de entidade executora e a FUB a de sua coexecutora. Na
prática, o convênio ficou conhecido como Programa Global de Telecursos e
atendia exclusivamente aos interesses da FRM. Através dele, a FRM
pretendia, sem qualquer custo, apoderar-se do milionário “negócio” da
teleducação no Brasil. Para tanto, esperava contar com recursos
nacionais e internacionais inicialmente da ordem de US$ 5 milhões
embutidos em um pacote de U$S 20 milhões solicitados pela Subin ao BID,
no início de 1982.
A parceria com a FUB era importante por ela ser uma entidade voltada
para o ensino público e estar isenta de impostos para a importação dos
equipamentos necessários à montagem de um centro de produção televisiva a
custo zero. Em outras palavras, a FRM pretendia tornar-se a
administradora da verba (nacional e internacional) destinada às
televisões educativas no Brasil, geridas pela Funtevê, entidade
governamental. Imediatamente, a Funtevê deixou nítido que o convênio
exorbitava as competências da FRM e da própria UnB. É importante
assinalar que pela UnB um dos raros entusiastas deste convênio era o seu
então reitor, capitão de mar-e-guerra José Carlos Azevedo.
A discussão em torno deste convênio e da tentativa das Organizações
Globo de apropriarem-se dos recursos destinados às TVs educativas
brasileiras ganham a imprensa nacional no final de 1982 e início de
1983. Matéria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo (17/04/1983), sob o
título de “Globo poderá monopolizar teleducação”, tratava o assunto em
forma de denúncia. O “tiroteio” entre os jornais Globo e Folha de
S.Paulo durou vários meses e o convênio, que acabou não sendo assinado,
só foi sepultado três anos depois, com o fim do regime militar. Sem
muita cerimônia, o então secretário-executivo da FRM, José Carlos
Magaldi, chegou a admitir que “é óbvio que não fazemos teleducação por
patriotismo”.
Esta não foi a primeira e nem a última tentativa das Organizações
Globo de se apoderarem da teleducação no Brasil. Aliás, a FRM tem, nos
dias atuais, representado o Brasil em vários fóruns internacionais sobre
educação e teleducação. O MEC sabe disso?
6. O caso Proconsult e o combate a Leonel Brizola
Antes dos petistas, Leonel Brizola foi um dos políticos brasileiros
mais combatidos pela TV Globo e por seu fundador, Roberto Marinho.
Marinho nunca o perdoou pelo fato de ter comandado a Rede da Legalidade,
nome que receberam as emissoras de rádio que, quando da renúncia de
Jânio Quadros à presidência da República, em 1961, passaram a defender a
posse de seu vice, João Goulart. Brizola, então governador do Rio
Grande do Sul, era cunhado de Goulart.
Com a vitória do golpe civil-militar de 1964, Brizola foi para o
exílio e só pode retornar ao Brasil com a anistia, em 1979. Político com
fortes compromissos populares, em 1982 disputou o governo do Rio de
Janeiro, pelo PDT, partido criado por ele.
O caso Proconsult foi uma tentativa de fraude nas eleições de 1982
para impossibilitar a vitória de Brizola. Consistia em um sistema
informatizado de apuração dos votos, feito pela empresa Proconsult,
associada a antigos colaboradores do regime militar. A mecânica da
fraude consistia em transferir votos nulos ou em branco para que fossem
contabilizados para o candidato apoiado pelas forças situacionistas,
Moreira Franco, do então PDS.
As regras da eleição de 1982 impunham que todos os votos (de vereador
a presidente da República) fossem em um mesmo partido. Portanto,
estimava-se um alto índice de votos nulos. Os indícios de que os
resultados seriam fraudados surgiram da apuração paralela contratada
pelo PDT à empresa Sysin Sistemas e Serviços de Informática, que
divergiam completamente do resultado oficial. Outra fonte que obtinha
resultados diferentes dos oficiais foi a Rádio Jornal do Brasil. Roberto
Marinho foi acusado de participar no caso.
A fraude foi extensamente denunciada pelo Jornal do Brasil, na época o
principal concorrente de O Globo no Rio e relatada posteriormente pelos
jornalistas Paulo Henrique Amorim, Maria Helena Passos e Eliakim Araújo
no livro Plim Plim, a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral
(Conrad Editores, 2005). Devido à participação de Marinho no caso, a
tentativa de fraude é analisada no documentário britânico Beyond Citizen
Kane, de 1993. A TV Globo, por sua vez, defendeu-se argumentando que
não havia contratado a Proconsult e que baseava a totalização dos votos
daquela eleição na totalização própria que O Globo estava fazendo.
Em 1994, Brizola venceu novamente Roberto Marinho e a TV Globo ao
obter, na Justiça, direito de resposta na emissora. Em 15 de março, um
constrangido Cid Moreira (que por 27 anos esteve à frente da bancada do
Jornal Nacional) leu texto de 440 palavras que a Justiça obrigou a TV
Globo a divulgar em seu telejornal mais nobre.
Foram cerca de três minutos nos quais Cid Moreira, a cara do JN,
incorporou Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, no mais
célebre e então inédito direito de resposta, que abriu caminho para que
outros cidadãos buscassem amparo legal contra barbaridades cometidas
pela mídia brasileira.
7. Ignorou as Diretas-Já
O PMDB lançou, em dezembro de 1983, uma campanha nacional em apoio à
emenda do seu deputado Dante de Oliveira (MT) que restabelecia as
eleições diretas no país com o slogan “Diretas-Já”. O primeiro grande
comício aconteceu em São Paulo, em 25 de janeiro do ano seguinte, e
coincidiu com o 430º aniversário da cidade. A TV Globo ignorou o comício
que reuniu milhares de pessoas na Praça da Sé. Reportagem do Fantástico
sobre o assunto falava apenas em comemorações do aniversário de São
Paulo. Omissões semelhantes aconteceram em relação a outros comícios
pelas Diretas-Já em cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e
Salvador.
De acordo com o ex-vice-presidente das Organizações Globo, José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em entrevista ao jornalista
Roberto Dávila, na TV Cultura, em dezembro de 2005, foi o próprio
Roberto Marinho quem determinou a censura ao primeiro grande comício da
campanha pelas Diretas-Já. Segundo Boni, àquela altura “o doutor Roberto
não queria que se falasse em Diretas-Já” e decidiu que o evento da
Praça da Sé fosse transmitido “sem nenhuma participação de nenhum dos
discursantes”. Para Boni, aliás, no caso das Diretas-Já houve uma
censura dupla na Globo: “Primeiro, uma censura da censura; depois, uma
censura do doutor Roberto”.
A versão de Boni é diferente da que aparece no livro Jornal Nacional –
A Notícia Faz História, publicado pela Jorge Zahar em 2004, e que
representa a versão da própria Globo para a história de seu jornalismo. O
texto não faz referência alguma a uma intervenção direta de censura por
parte de Roberto Marinho. Aliás, a Globo vem tentando reescrever a sua
história e, ao mesmo tempo, reescrever a própria história brasileira.
Isto fica nítido, por exemplo, quando se compara a história brasileira
com a versão que é publicada pela Globo através dos verbetes do Memória
Globo. Pelo visto, a emissora aposta na falta de memória e na pouca
leitura da maioria dos brasileiros para emplacar a sua versão dos fatos.
Foi a partir da campanha das Diretas-Já que teve início a utilização,
pelos diversos movimentos populares, do bordão “O povo não é bobo.
Abaixo a Rede Globo”.
8. Manipulação do debate Collor x Lula
Na eleição de 1989, a primeira pelo voto direto para presidente da
República desde 1964, a TV Globo manipulou o debate entre o candidato do
PT, Luiz Inácio Lula da Silva e o do PRN, Fernando Collor. O debate era
o último e decisivo antes da eleição. No telejornal da hora do almoço, a
TV Globo fez uma edição equilibrada do debate. Para o Jornal Nacional,
houve instruções para mudar tudo e detonar Lula. Foram escolhidos os
piores momentos de Lula e os melhores de Collor. Ainda foram divulgadas
pesquisas feitas por telefone segundo as quais Collor havia vencido.
Além disso, o jornalista Alexandre Garcia leu um editorial nitidamente
contra Lula e o PT.
Desde então, pesquisas e estudos sobre este “caso clássico de
manipulação da mídia” têm sido feitas no Brasil, destacando-se as
realizadas pelo sociólogo, jornalista e professor aposentado da UnB
Venício A. Lima.
Apesar dos esforços da TV Globo para manter a versão de que a edição
deste debate foi equilibrada, novamente seu ex-diretor José Bonifácio
Sobrinho contribuiu para derrubá-la. Depois de abordar o assunto em
entrevistas à imprensa, por ocasião do lançamento de seu livro de
memórias, o ex-dirigente global deu entrevista à própria GloboNews,
canal pago da emissora, na qual admitiu, para o jornalista Geneton
Moraes Neto, que, durante os debates da campanha presidencial
transmitidos pela Globo em 1989, tentou ajudar o candidato alagoano.
Para muitos, Boni só fez esta “revelação bombástica”, que quase todos já
sabiam, para tentar promover seu livro.
9. Contra a democratização da mídia
Todos os países democráticos possuem regulação para rádio e
televisão. Na Grã-Bretanha, por exemplo, a mídia e sua regulação
caminharam juntas. O mesmo pode ser dito em relação aos Estados Unidos,
França, Itália e Japão. Nestes países, tão admirados pelas elites
brasileiras, nunca ninguém fez qualquer vínculo entre regulação e
censura, simplesmente porque ele não existe. No Brasil, onde a mídia em
geral e a audiovisual em particular vive numa espécie de paraíso
desregulamentado, toda vez que um governo tenta implementar o que existe
no resto do mundo é acusado de ditatorial e de querer implantar a
censura.
Quando, em 2004, o governo do presidente Lula enviou ao Congresso
Nacional projeto de lei criando o Conselho Nacional de Jornalismo, uma
espécie de primeiro passo para esta regulação, foi duramente criticado
pela mídia comercial, TV Globo à frente. Desde sempre, as Organizações
Globo foram contrárias a qualquer legislação que restringisse o poder
absoluto que desfruta a mídia no Brasil. Prova disso é que os
dispositivos do Capítulo V da Constituição brasileira, que trata da
Comunicação Social, continuam até hoje sem regulamentação.
Entre outros aspectos, o Capítulo V proíbe monopólios e oligopólios
por parte dos meios de comunicação, determina que a programação das
emissoras de rádio e TV deva dar preferência a finalidades educativas,
artísticas, culturais e informativas. O capítulo enfatiza, ainda, que as
emissoras e rádio e TV devem promover a cultura nacional e regional,
além de estimularem a produção independente. Todos esses aspectos
mostram como a TV Globo está na contramão de tudo o que significa uma
comunicação democrática e plural.
Aliás, os compromissos dos mais diversos movimentos sociais
brasileiros com a regulação da mídia foram reafirmados durante o 2º
Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, promovido pelo Fórum
Nacional pela Democratização da Comunicação, de 10 a 12 de abril, em
Belo Horizonte. O evento reuniu 682 participantes entre ativistas,
estudantes, militantes, jornalistas, estudiosos, pesquisadores,
representantes de entidades e coletivos de todo o Brasil. Presente ao
encontro esteve também o canadense Toby Mendel, consultor da Unesco e
diretor-executivo do Centro de Direitos e Democracia.
A carta final do encontro, intitulada “Regula Já! Por mais democracia
e mais direitos”, disponível na página da entidade (www.fndc.org.br),
reafirma “a luta pela democratização da comunicação como pauta
aglutinadora e transversal, além de conclamar as entidades e ativistas a
unirem forças para pressionar o governo a abrir diálogo com a sociedade
sobre a necessidade de regular democraticamente o setor de comunicação
do país”.
10. Golpismo
Para vários pesquisadores e estudiosos sobre movimentos sociais no
Brasil, a mídia, em especial a TV Globo, tem tido um papel protagonista
nas manifestações contra a presidente Dilma Rousseff. Alguns chegam
mesmo a afirmar que dificilmente essas manifestações teriam repercussão
se não fosse o empenho Rede Globo (saiba mais aqui).
Em outras palavras, a Rede Globo, tão avessa à cobertura de qualquer
movimento popular, entrou de cabeça na transmissão destas manifestações.
*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG
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