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domingo, 2 de agosto de 2015
'Só sei quem é o Lulinha por foto na internet’, diz dono da Friboi
Ruth Costas
Da BBC Brasil em São Paulo
31 julho 2015
Wesley Batista diz que no Brasil há uma
dificuldade em aceitar que empresários podem ser bem sucedidos
sem a
ajuda de padrinhos políticos
A empresa JBS, dona da marca Friboi, há algum tempo já é a maior
produtora de carne bovina e a maior processadora de proteína animal do
mundo. Mas desde o ano passado, acrescentou mais um título à sua coleção
de superlativos. Após um aumento de 30% nas vendas, superou a Vale para
se tornar a maior empresa privada do Brasil.
A diversificação
geográfica e de produtos explica a resiliência à estagnação da economia
brasileira, segundo o presidente da empresa, Wesley Batista. Parte das
operações da JBS está nos EUA, o que significa um grande faturamento em
dólar. Além disso, se a crise faz o brasileiro deixar de comer carne
bovina, impulsiona o consumo de frango – também produzido pela JBS.
Fundada
pela família Batista em Anápolis, Goiás, a JBS tem uma história de
sucesso incontestável, mas permeada por algumas polêmicas. Hoje, também é
a maior doadora de campanha do país, tendo contribuído com mais de R$
300 milhões só nas eleições de 2014.
Qual o objetivo das doações?
"Fazer um Brasil melhor", promete Batista, em entrevista exclusiva à BBC
Brasil. Mas se o objetivo é esse, investir em político não é arriscado?
"Sem dúvida", admite, acrescentando que o risco "faz parte".
Em
uma conversa na sede da empresa, em São Paulo, Batista falou sobre a
relação da JBS com o BNDES, a Lava Jato e os rumores de que o filho do
ex-presidente Lula, Fábio Luis da Silva, conhecido como Lulinha, seria
um sócio oculto de sua empresa. Confira:
BBC Brasil - Pedi para um taxista me trazer na JBS e ele perguntou: A empresa do Lulinha? Qual a origem desses rumores?
Batista -
(Risos) Vamos ter de fazer uma reunião com taxistas, porque já ouvi
isso de muita gente. Talvez organizar um evento com o sindicato para
eles pararem com essa palhaçada. Essa conversa é absurda e sem nexo. É
difícil dizer de onde saem (esses rumores). A impressão que temos é que
foram plantados em campanhas por adversários políticos (do PT). Parece
que foi um site específico…
Mas não é só isso. Nossa empresa tem
uma história. Meu pai começou esse negócio do nada, sessenta e poucos
anos atrás. Quando (o presidente) Juscelino (Kubitschek) decidiu erguer
Brasília, meu pai foi vender carne para as empresas que estavam
construindo a cidade em uma precariedade danada. Trabalhou duro, fez uma
reputação. E, sem falsa modéstia, somos bem-sucedidos no que fazemos.
Não
sei se é um tema cultural, mas se você pesquisar vai achar vários
empresários bem-sucedidos acusados de receber ajuda. Parece que no
Brasil há uma dificuldade de se reconhecer que alguém pode crescer por
ser competente ou por força do seu trabalho - e não por sorte ou porque é
testa de ferro ou sócio de alguém.
BBC Brasil - Como assim?
Batista - Há quinze
anos, em Goiás, quando éramos muito menores, você ia achar muitos
taxistas dizendo que (a JBS, na época Friboi) era do Íris Rezende, que
foi governador do Estado várias vezes. Era parecido com essa história do
Lulinha. Sempre crescemos muito e as pessoas tinham de achar uma
justificativa: "como eu não cresço e o outro cresce?"
Aqui neste
lugar (sede da JBS) funcionava o escritório do Bordon, que chegou a ser
uma das maiores empresas de carne bovina do Brasil. O Bordon por muitos
anos "foi" do Delfim Neto (ex-ministro da Fazenda). Quer dizer, foi
enquanto ia bem. Quando começou a ir mal ninguém mais falava que era do
Delfim.
Talvez isso (rumores) tomou uma proporção maior pelo
tamanho que a empresa ganhou. E em função das redes sociais. Mas o que a
JBS tem feito é fruto do trabalho e das pessoas competentes que tem
aqui dentro.
BBC Brasil - Como é sua relação com Lula?
Batista -
Lula foi presidente por oito anos. Só o encontrei uma vez nesse
período, em uma reunião setorial no palácio, com 30 pessoas na sala,
ministros, CEOs, etc. Não tenho certeza sobre meu irmão (Joesley
Batista), mas acho que ele nunca encontrou o Lula quando ele era
presidente. Fomos conhecê-lo depois, porque nos chamaram no Instituto
Lula justamente para explicar isso (os rumores). Eles perguntaram: "Que
diabos é isso? São vocês que estão falando isso?" Respondemos: "De jeito
nenhum, presidente Lula, achamos isso um negócio sem pé nem cabeça."
No
total, encontrei o Lula três vezes depois que ele deixou a Presidência.
Teve um evento de uma revista em um hotel. Sentei na mesa, ele estava
almoçando. E teve outra vez em uma inauguração de alguma coisa. Essa é a
relação. É muito distante.
BBC Brasil - E com o Lulinha?
Batista -
Nunca vi o Lulinha na minha vida. Sei quem ele é por foto na internet.
Um amigo um dia falou: "Wesley, ele é parecido com você". Eu respondi:
"Tá louco!" Aí fui olhar. Mas nunca apertei a mão do Lulinha. Meu irmão
encontrou ele uma vez em um evento social, uma festa. Uma pessoa que
estava lá ainda brincou: "Vem cá que eu vou te apresentar teu sócio. O
sócio que você não conhece…". Aí meu irmão disse: "Rapaz… o povo fala
que somos sócios e nunca nem tinha te visto".
BBC Brasil - Outro tema polêmico são os recursos que a JBS recebeu do BNDES.
Batista -
Aí temos outro mito descabido. Ouço constantemente que a JBS recebe
dinheiro subsidiado do BNDES. As pessoas não se dão ao trabalho (de
conferir). A JBS não recebe empréstimos do BNDES. Ponto. Isso é público.
A JBS não deve um centavo ao BNDES. Público. Para não falar que não
deve um centavo, deve 40 e poucos milhões de reais, que veio de
aquisições que fizemos, da Tyson e da Seara.
BBC Brasil -
Mas a empresa recebeu aportes via BNDESPar (o braço de participações do
BNDES. Ele compra ações de empresas. Não faz empréstimos, mas se torna
'sócio' das companhias).
Batista - A JBS
vendeu participação acionária para o BNDESPar, que participa em 200 ou
mais empresas. E importantíssimo: depois que a JBS já tinha capital
aberto. A transparência foi total. Além disso, se formos olhar o
investimento que o BNDESPar fez e o que tem hoje, eles tiveram um
resultado extraordinário. Provavelmente, um dos melhores da sua
carteira. No que diz respeito ao valor (dessas operações) também existe
um engano tremendo, (uma confusão) do que foi compra na JBS e em
empresas que depois viemos a adquirir. O total de aportes na JBS foi da
ordem de 5 bilhões de reais. Eles compraram isso em ações que hoje,
felizmente, valem muito mais.
Segundo Batista, empresa tem 120 mil funcionários no Brasil e 70 mil nos EUA.
BBC Brasil - A JBS seria desse tamanho não fosse a ajuda do BNDES na fase quente de aquisições para a empresa, 2007, 2008, 2009?
Batista -
Primeiro, a gente não acha que foi ajuda. O BNDES não nos ajudou. Ele
fez um negócio e nós fizemos um negócio. E nós entregamos. Ajudar é
quando você dá um dinheiro e não cobra. Por outro lado, de forma nenhuma
podemos dizer que a participação do BNDES não foi importante. Como os
outros acionistas, eles foram importantes para a JBS emitir ações,
levantar equity.
É difícil responder o que teria sido sem o
BNDES. Há fundos soberanos em vários países e teríamos corrido atrás de
interessados. Mas não dá para garantir que teríamos atraído outros
fundos.
BBC Brasil - O BNDES é um banco público. O que a aposta na JBS trouxe de resultado para a sociedade?
Batista -
Se for o caso, a sociedade precisa discutir o papel do BNDES, não o
fato do banco investir na JBS ou na Vale. Hoje politizaram esse debate e
a discussão política não cabe a nós. Em vários lugares do mundo você
tem bancos de desenvolvimento que atuam de forma semelhante. O BNDES tem
uma gama de objetivos ampla, que vai desde a questão social e econômica
ao desenvolvimento do mercado de capital brasileiro – e a JBS é hoje
uma das companhias mais valiosas nesse mercado. Toda a sociedade ganha
com um mercado de capital fortalecido.
Além disso, há a questão a
internacionalização. Hoje, o Brasil tem uma presença no território
americano muito mais expressiva que há 10 anos. Só a JBS tem 70 mil
funcionários nos EUA. E isso não pesa nas relações de país a país? Sem
dúvida.
Também contribuímos para a formalização
de nosso setor e da cadeia pecuária. A indústria frigorífica do país era
informal e já deu prejuízos astronômicos. Hoje, tem três empresas
listadas em bolsa, com transparência. O setor se profissionalizou.
BBC
Brasil - Não falta uma abertura maior das informações do banco? O TCU
já pediu para acessar dados sobre os acordos com a JBS...
Batista - É difícil opinar. Acho que isso tem mais a ver com um debate político. É usado como gancho desse debate.
BBC Brasil - Mas a JBS apoia uma abertura maior dos termos dos acordos? O banco alega que isso prejudicaria as empresas.
Batista -
É difícil falar. O TCU não nos pediu nada. Eles pediram ao BNDES. Não
temos conhecimento, no detalhe, de que tipo de informações estão
pedindo. A maioria das coisas já é pública. Quanto a JBS deve ao BNDES?
Divulgo isso em minha demonstração de resultado. Quanto ele comprou de
participação acionária? Quanto valia quando ele comprou e quanto vale
agora? Tudo é público.
BBC Brasil - Talvez quais os critérios para a escolha da JBS? Por que não o frigorífico X ou Y?
Batista -
Não vou responder pelo BNDES, mas às vezes pode ser porque, naquele
momento, foi a JBS que foi atrás, que bateu na porta. A JBS não tem como
opinar.
BBC Brasil - Delatores da Lava Jato têm relatado
como doações de campanha foram usadas para abrir portas. A JBS é a maior
doadora de campanha no Brasil. O que espera conseguir com essas
doações?
Batista - Está se criando uma
imagem de que a doação de campanha existe por que há alguma
contrapartida. Mas não é assim, você não pode generalizar. Há setores e
setores. Primeiro, a JBS não tem negócios com o governo, não faz obra e
não vende (para o governo). Se vende é coisa insignificante para alguma
prefeitura, talvez merenda escolar. Não é uma empresa cuja atividade
depende desse relacionamento. Nem tem dinheiro a receber.
Por que
doação de campanha? Primeiro porque esse é o modelo brasileiro. As
campanhas são financiadas com doações privadas. E o que você espera?
Espera que o Brasil seja melhor. Para a JBS um país melhor tem um valor
financeiro gigantesco. Por que a JBS participa em doações de campanha?
Porque acredita que, participando, tem condições de apoiar partidos e
pessoas que, se ganham, podem contribuir para a gente ter um país
melhor. E com um pais melhor, automaticamente, a JBS tem um ganho de
valor extraordinário.
Presidente do BNDES, Luciano Coutinho: Wesley ressalta que banco lucrou com ações da JBS.
BBC
Brasil - Mas a JBS doa tanto para o governo quanto para a oposição.
Qual a lógica disso? Vocês acham que qualquer um que ganhe, o país
melhora?
Batista - Não é assim… A bolsa
brasileira é de 50 mil pontos. Se fosse de 80 mil pontos, a JBS valeria
50% a mais, ou 25 bilhões de reais (a mais). Então você tem um negócio
relevante. Aí você diz, "mas a JBS doou pra um e para outro". É verdade.
Tem um defeito no modelo brasileiro. São tantos partidos que você não
quer ficar rotulado como um cara que tem partido. Não temos partido. Por
exemplo, o finado Eduardo Campos era um político no qual achávamos que
valia investir. Era promissor …
BBC Brasil - Se você doa para políticos que concorrem entre si, não parece estar identificando os 'promissores'.
Batista -
Idealmente, você deveria escolher alguns. Mas ninguém quer ficar
rotulado como "aliado" ou "opositor". A gente sempre fala para qualquer
político que vem aqui: não somos políticos, somos empresários. Queremos
contribuir apoiando bons políticos, mas não temos lado. Não é uma
questão de escolha.
BBC Brasil - Se o objetivo é um Brasil
melhor, o investimento em político não é arriscado? Não seria melhor um
instituto de combate à pobreza ou algo do tipo?
Investimos em alguns partidos ou políticos que depois olhamos e falamos: "Poxa, erramos. Era melhor o outro candidato"
Batista - Sem dúvida é
arriscado. Temos investimentos em outras áreas (sociais). Dentro dessa
sede da empresa, há uma escola com 600 alunos, porque acreditamos que o
maior gap (deficiência) que o Brasil tem não é infraestrutura, é educação.
É
um investimento arriscado, claro. Investimos alguns milhões no Eduardo
(Campos). Investimos em alguns partidos ou políticos que depois olhamos e
falamos: "Poxa, erramos. Era melhor o outro candidato". Isso faz parte.
Se eu soubesse e pudesse só acertar…
BBC Brasil - Tivemos
o escândalo do HSBC recentemente. O que leva alguns grandes empresários
a colocarem a reputação em risco para sonegar imposto?
Batista -
Acho que não há uma ou duas ou três explicações. Cada caso é um caso.
Às vezes fico vendo empresas que pagaram para receber dinheiro (ao qual
tinham direito) do governo. É errado, claro. Não tem de pagar ninguém.
Mas é difícil julgar porque às vezes a pessoa precisa do recurso. Fica
entre a cruz e a espada e acaba indo para o caminho incorreto para
salvar a empresa. É preciso ver em que circunstâncias o sujeito fez
isso. Não estou falando do funcionário público ou político que recebeu
propina, porque eles estão ali para prestar um serviço público. Também
tem empresários e empresários. Mas é difícil julgar.
BBC Brasil - O senhor parece estar se referindo à Lava Jato. É isso?
Batista -
De novo, acho que tem casos e casos. Pode ter casos em que (o
empresário) fez errado, que corrompeu o corrompido, que foi iniciativa
da empresa. É horrível. Não que de outra forma não seja horrível. Mas
generalizar não é correto. Tem bons empresários e maus empresários. Boas
empresas e más empresas. E também é preciso ver as circunstâncias em
que as coisas aconteceram. Não dá para sair julgando. O Brasil precisa
de um amadurecimento, até da imprensa. Há uma imprensa cuidadosa, mas
outra que emite opinião sem fatos e dados suficientes.
BBC Brasil - Por exemplo?
Batista -
Nós tivemos dois casos nesse sentido, que mostram que não dá para sair
julgando. Fizemos um pagamento da compra de um frigorífico em Ponta Porã
e um centro de distribuição no Paraná em uma conta, porque a pessoa
mandou (fazer o depósito) contra ordem de terceiro. A conta estava no
meio da Lava Jato. Foi um barulho (sem propósito)…
BBC
Brasil - O outro (caso) diz respeito a anotação (encontrada em uma
planilha) de Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras e delator da
Lava Jato)?
Batista - Ele fez uma
anotação numa agenda, ou sei lá no que. "J&F (holding controladora
da JBS): tantos mil pra mim, tantos pro fulano". Na operação, a Policia
Federal pegou isso e saiu (na imprensa) algo que fazia parecer que a JBS
fez um negócio (ilícito).
Na prática, foi algo tão descabido: uma
pessoa que conhecia meu irmão ligou para ele um dia e disse que tinha
um amigo que queria vê-lo para oferecer uma empresa. Normal no mundo
empresarial. Meu irmão falou: "Tudo bem, traz seu amigo para falar com
um diretor meu". Essa pessoa era o Paulo Roberto Costa, que foi lá
oferecer a Astromarítima. Ele estava pensando em ganhar corretagem (com a
venda da empresa), o que também é normal, desde que ele declare essa
comissão. A proposta não interessou. Mas nesse meio tempo o cara deve
ter feito a continha: "Se eu vender, recebo tanto." Virou um negócio que
"meu Deus".
Também confundiram os nomes. Esse amigo do meu irmão
tinha o primeiro ou segundo nome igual ao de um executivo da OAS preso. A
imprensa deduziu que era a mesma pessoa. Isso tudo já está explicado.
Mas cria-se um negócio não concreto, um julgamento de valor. Opinar quem
fez e quem não fez na Lava Jato é para os procuradores, juízes e
investigadores.
BBC Brasil - Com a desaceleração da
economia, há o medo que o Brasil reverta os ganhos sociais dos últimos
anos. Há quem defenda que os ricos poderiam pagar mais impostos para
aliviar o impacto do ajuste sobre os pobres. Sua família está no topo da
pirâmide social brasileira. O que acha?
Batista -
Pergunta difícil. Essa você pegou pesado. Olha, isso não é uma
novidade. Em vários países, quem tem mais paga mais. Nós temos uma
situação específica do Brasil. Já temos uma das maiores cargas
tributárias do mundo… e aí é que eu acho que está o debate. Não é se se
cobra mais de quem tem mais e menos de quem tem menos. Já temos impostos
demais e os impostos aqui são muito complicados. Além do custo de
pagar, o custo de administrar, isso é monstruoso. Nossa companhia nos
EUA é tão grande quanto no Brasil, mas temos aqui dez vezes mais pessoas
envolvidas com a questão dos tributos. O foco deveria ser simplificar
esse troço.
BBC Brasil - Os processos trabalhistas são o
tema de muitos comentários negativos contra a JBS nas redes sociais. O
que vocês estão fazendo para diminuir isso?
Batista - Muita coisa. Cada dia mais. Temos uma área de compliance
trabalhista composta por engenheiros de segurança do trabalho,
ergonomistas, advogados, um grupo multifuncional que vai de fábrica em
fábrica. Lógico que não somos perfeitos. Temos problemas, mas isso às
vezes é superdimensionado. Dado o universo que a JBS trabalha, a
quantidade de fábricas, nossos indicadores são bons. Temos 120 mil
funcionários no Brasil. É claro que não queríamos ter problema nenhum.
Nenhum acidente. A gente trabalha para isso. Mas, infelizmente, às vezes
tem alguns casos.
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