Postado em 03 dez 2013
Ao ouvir duas ou mais pessoas discutindo sobre o bolsa-família, é normal
ouvir frases do tipo “Agora com esse bolsa família ninguém mais quer
trabalhar”, ou “o governo tira dinheiro do trabalhador para sustentar
vagabundo”, ou “isso é uma bolsa-esmola”. Muitas dessas frases são
simplesmente repetidas pelas pessoas sem que elas reflitam ao menos um
pouco sobre o que estão dizendo.
A maioria das pessoas sequer tem noção de quanto é o valor do bolsa
família. É um valor baixíssimo que depende da renda da família, da
quantidade de filhos e de outros fatores. Para você ter uma ideia do
quanto esse valor é baixo, uma família que ganhe menos de 70 reais por
pessoa e que tenha 2 filhos receberá apenas 134 reais por mês. Você acha
que alguém vai deixar de trabalhar porque vai receber 134 reais do
governo?
Muitos pensam que as famílias que têm muitos filhos recebem muito
dinheiro. Não poderiam estar mais enganados. Para receber 268 reais, é
necessário que a família tenha renda de menos de 70 reais por pessoa e
tenha 5 filhos. O valor máximo do bolsa família chega a 306 reais,
atendendo a outras condições adicionais.
Essa história em que os beneficiários do bolsa família não querem
mais trabalhar entra em total conflito com o fato de que estamos hoje
com as menores taxas de desemprego da história brasileira. Fechamos
outubro com uma taxa de 5,2% de desemprego. Só para efeito de
comparação, o desemprego na Alemanha hoje é de 6,5%, nos EUA é de 7,3% e
na França 10,9%. Portanto esse argumento é muito falho e não há nada
que o justifique.
Outra fala comum que se ouve é que aqueles que recebem o
bolsa-família ficam dependentes desse dinheiro e jamais vão se esforçar
para melhorar de vida. Esse é mais um engano de quem se informa muito
pouco sobre o assunto. Entre outubro de 2003 e fevereiro de 2013, cerca
de 1,69 milhão de famílias abriram mão voluntariamente do bolsa família
após terem sua renda aumentada e não precisarem mais do benefício.
O bolsa família é um programa emergencial que visa garantir uma renda
mínima que ao menos permita que uma família muito pobre tenha sua
condição de pobreza aliviada, até que os membros dessa família consigam
empregos que permitam que ela caminhe com as próprias pernas. O bolsa
família é imprescindível enquanto a família está na miséria. O valor
recebido é bem baixo, mas faz uma diferença muito grande para os que se
encontram nessas condições.
Para ter o benefício do bolsa-família também é necessário manter os
filhos na escola com frequência entre 75% e 85%, os menores de 7 anos
vacinados, além de outras condições. A permanência dos filhos na escola é
fundamental para possibilitar que eles tenham um futuro melhor que os
seus pais. Esse é mais um ponto positivo para o bolsa família, mas ainda
precisamos que os governos invistam muito mais na educação pública
básica, pois estamos longe de termos uma escola de qualidade para essas
crianças e adolescentes.
Por outro lado, também existem os mitos criados pelos governos Lula e
Dilma sobre a eficácia do bolsa família na eliminação da miséria.
Recentemente houve a cerimônia de comemoração pelos 10 anos do bolsa
família, em 30 de outubro. Nesse evento o governo afirmou que o programa
teria retirado 36 milhões de pessoas da miséria. Isso é um grande
absurdo.
Hoje o índice utilizado pelo governo para classificar uma família
como “miserável” é o da renda equivalente a 70 reais por pessoa, um
índice baixíssimo. Com base nisso, se uma família de 5 pessoas alcançar
uma renda total igual a 351 reais, essa família é considerada pelo
governo como retirada da miséria. O pior é que esse índice está
defasado, pois não foi alterado desde junho de 2011.
O bolsa família é um programa emergencial que retira as pessoas da
miséria apenas tecnicamente. Faz com que uma família que ganhava 50
reais por cabeça passe a ganhar, por exemplo, 75 por pessoa, excluindo
essa família das estatísticas de miséria, mas na prática essa família
continua vivendo na miséria.
Durante os governos Lula e Dilma foram gerados mais de 10 milhões de
empregos. Esses empregos é que conseguiram retirar muita gente da
miséria e não o bolsa família. A partir de quando a família consegue
sustentar-se por conta própria, sem a ajuda do bolsa família, aí sim
pode-se afirmar que aquela família foi retirada da miséria.
É terrível que Dilma e Lula usem os números da redução técnica da
miséria como se fossem indicadores de redução real dela. Isso cria uma
ilusão. A miséria continua existindo, mas como está fora dos indicadores
estatísticos, muitos não têm conhecimento da sua real dimensão,
dificultando a solução do problema. Como vamos pensar na solução de um
problema que não existe?
Em maio deste ano, o jornal Folha de São Paulo requisitou ao
Ministério do Desenvolvimento Social a informação de quantas famílias no
país ganhavam menos que 77,5 reais, ou seja, os 70 reais corrigidos
pela inflação do período. O impressionante nos dados revelados é que a
quantidade de pessoas abaixo da linha da pobreza passaria de 0 para 22
milhões de pessoas se o índice fosse corrigido. Com isso, está explicado
o motivo de o governo não reajustar o índice.
O episódio do boato sobre o fim do bolsa família ocorrido neste ano
nos mostrou o quanto o programa é imprescindível e quantos dependem
dele. Torcer pelo fim do bolsa-família é o mesmo que torcer para que as
pessoas que vivem hoje na miséria passem a viver muito pior. O bolsa
família deve ser mantido pelo tempo que for necessário, mas é importante
que continuemos cobrando do governo que invista numa educação pública
de qualidade, num bom tratamento de saúde nos hospitais públicos, num
transporte mais barato ou gratuito para os mais pobres, que aumente a
geração de empregos com carteira assinada, dentre outras coisas, para
que a vida de todas essas pessoas que ganham tão pouco possa melhorar e
que caminhemos rumo ao fim da miséria real e não apenas estatística.
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