Publicado em 04/06/2013 às 11:30
Sempre que a oportunidade aparece, ressuscita a campanha contra o
Bolsa Família. Seu objetivo não é acabar com o benefício. É tão
impossível quanto acabar com o salário mínimo, o Natal, o nascer do sol.
As metas são outras: manter o Bolsa Família com o menor valor possível,
enxovalhar a reputação de quem o recebe, influenciar a opinião pública
para que se torne politicamente difícil a criação de outros benefícios
semelhantes, e bater no governo. A quem interessa? Aos que têm outros
destinos para o dinheiro dos nossos impostos.
Recentemente, a correria por conta dos boatos sobre o fim do Bolsa
Família ressuscitou os zumbis de sempre. As questões habituais se
arrastaram para fora da tumba: o Bolsa Família é bom? É justo? Não é um
estímulo oficial à vagabundagem e à procriação destrambelhada? Não seria
melhor deixar de lado essa política assistencialista, e focar na
geração de empregos, verdadeira porta de saída dessa esmola? Não tenha
dúvida: na próxima oportunidade que pintar, os mesmos de sempre voltarão
a atiçar com desinformação os mesmos preconceitos. É bom estar
preparado para retrucar.
A revista britânica Lancet publicou semana passada estudo que
relaciona de forma conclusiva o Bolsa Família com a queda da mortalidade
infantil. Dados de quase 3000 municípios brasileiros foram utilizados,
no período entre 2004 e 2009. A Lancet é a mais tradicional publicação
científica na área de saúde do planeta - existe desde 1823. Nas cidades
em que o programa tem alta cobertura, a queda geral na mortalidade
infantil foi de 19,4%. Cruzando o Bolsa Família com causas específicas
de morte, o impacto é ainda maior: queda de 65% nas mortes por
desnutrição e 53% nas mortes por diarreia. A íntegra está aqui.
O Bolsa Família, portanto, salva vidas. Não é uma solução permanente.
É uma operação de emergência, necessária hoje e todo dia. Sua missão
fundamental é salvar vidas em perigo, vidas que enfrentam uma calamidade
permanente (o miserê nacional, desastre que de natural não tem nada).
Aí chegamos a outra crítica comum ao programa: mas pra quê tanta
criança? Essa mulherada sem vergonha não está parindo um filho atrás do
outro, só pra garantir uma renda fixa?
A resposta é um grande não. A taxa de fertilidade do Brasil vem
caindo rápido. Hoje é de 1,8 filhos por mulher, a mesma que o Chile,
menos que os Estados Unidos (1,9). Está abaixo do nível mínimo de
reposição da população (que é 2,1%). É evidente que se o mundo tivesse
dois bilhões de pessoas, em vez de sete, estaríamos melhor na fita.
Quanto menos pobre, menos pobreza... mas o fato inquestionável é que as
brasileiras têm cada vez menos filhos. E cada vez mais tarde - 40% das
nossas conterrâneas entre 25 e 29 anos ainda não têm filhos. Dados
citados em um iluminador artigo da Economist desta semana.
A importância do Bolsa Família para essas famílias pobres ficou
assustadoramente explícita nas reportagens de TV sobre o corre-corre.
Pareciam cenas de refugiados na África, se batendo por um galão de água,
um saco de ração. Por que nossos compatriotas ficaram tão desesperados
com a possibilidade de ficar sem o Bolsa Família? Porque eles não
recebem um monte de outros benefícios simultaneamente. Comparando com os
países que tem a melhor qualidade de vida, o Brasil tem benefícios
sociais minúsculos.
O sociólogo Alberto Carlos Almeida fez uma comparação chocante entre
Brasil e Inglaterra, em artigo para o jornal Valor Econômico. Os
ingleses ganham salários muito mais altos que os brasileiros. E mesmo
assim recebem muitos tipos de auxílio diferentes, que aqui não existem.
Alguns:
- bolsa funeral (R$ 2100 para ajudar no enterro de seu familiar,
incluindo pagar flores, caixão, uma viagem de algum parente para o
velório etc.)
- bolsa aquecimento no inverno (média de R$ 2400 por mês para ajudar você a se aquecer no inverno)
- bolsa necessidades especiais (para deficientes ou idosos, até R$ 1500 por mês)
- bolsa cuidador de quem tem necessidades especiais (R$ 720 por mês)
- bolsa aquecimento por painéis solares (até R$ 3600 por mês)
- seguro desemprego (R$ 720 por mês)
- bolsa aquecimento no inverno (média de R$ 2400 por mês para ajudar você a se aquecer no inverno)
- bolsa necessidades especiais (para deficientes ou idosos, até R$ 1500 por mês)
- bolsa cuidador de quem tem necessidades especiais (R$ 720 por mês)
- bolsa aquecimento por painéis solares (até R$ 3600 por mês)
- seguro desemprego (R$ 720 por mês)
E muitos outros de todo gênero. Almeida destaca o bolsa criança, que
paga R$ 1350 por mês para a família que tem uma criança (e mais uns R$
1200 para o segundo filho etc.). Vale lembrar que a saúde pública
inglesa é boa e gratuita, assim como a educação, em sua maior parte. Por
isso tudo, os ingleses são mais saudáveis e educados que os
brasileiros, vivem mais e melhor que nós, em um país sem violência. Lá,
os impostos são aplicados em benefícios que garantem uma vida mais
saudável e segura. Quando alguém criticar o Bolsa Família, faça-lhe um
favor: jogue esses dados na cara do infeliz. Nós, brasileiros,
precisamos ter consciência do que funciona bem em outros países, para
cobrar as mesmas leis aqui. Dou o link para a reprodução do texto de Almeida no site do Senado Federal, porque no site do Valor é só para assinantes.
Certo que o Brasil não é a Inglaterra. Certeza que há dinheiro
suficiente para ajudarmos nossos deficientes, idosos, crianças,
desempregados e defuntos. Estão aí os estádios faraônicos pra Copa,
molezas diversas para empresas próximas do poder, benesses variadas para
apadrinhados etc. Somos a sexta maior economia do mundo. Nosso desafio
não é gerar recursos, é forçar a aplicação desses recursos no que trará
mais benefícios para nossa população.
O PT explora politicamente o Bolsa Família? Claro, é isso que
governos fazem, e oposição idem. Aécio Neves até já disse que quem criou
o Bolsa Família foi o PSDB (não foi, mas criaram coisas parecidas.
Lula, quando o Fome Zero não decolou, reempacotou os benefícios criados
pelos tucanos, engordou um tanto o bolo, e marketou magistralmente).
Minha sugestão é que os governos estaduais e municipais da oposição
criem seus próprios bolsa isso e bolsa aquilo. Que bom se os políticos
disputarem nosso voto nos dando dinheiro, em vez de tirar...
O questionamento do Bolsa Família mais furado de todos é o moral: é
justo uma pessoa receber dinheiro, sem ter trabalhado por isso? Nem
merece resposta. A questão não é de justiça, é de isonomia. Os mais
ricos já recebem bastante dinheiro sem trabalhar. Embolsam rendimentos
de suas aplicações financeiras, aluguel de imóveis e tal. Acionistas de
empresas recebem dinheiro sem trabalhar: os lucros. E herdeiros recebem
dinheiro sem trabalhar, às vezes sem nunca ter trabalhado de verdade.
Muitas crianças brasileiras felizardas já têm seus futuros assegurados,
graças ao que construíram seus pais ou avós. Nunca precisarão pegar no
batente (e mesmo assim, como sabemos, muita gente abonada continua
trabalhando, porque assim se sente realizada, produtiva, estimulada,
ganha mais dinheiro ainda etc. Dinheiro é 100%, mas não é tudo...).
Na próxima vez que a campanha contra o Bolsa Família mostrar sua cara
feia, ajude a cravar uma estaca em seu coração. O Bolsa Família não é
nenhuma maravilha, mas é infinitamente melhor que nada. Tem que ser
aplaudido, imitado, diversificado e expandido para pessoas que não têm
família. Tem que ter o seu valor aumentado, bastante e rápido. Contra
fatos, e vidas salvas, não há argumentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário