Por Africa Check em 07/07/2015 na edição 858
Reproduzido do site Africa Check ,
um projeto de checagem de notícias financiado pela Fundação France
Press na África e apoiado pelas empresas Google e Omidyar, além da
Fundação Open Society
Esta é a primeira parte do Manual Básico para checagem de fatos. Para acessar a segunda e última parte do Manual, clique aqui.
Esta é a primeira parte do Manual Básico para checagem de fatos. Para acessar a segunda e última parte do Manual, clique aqui.
Seja você um repórter, um ativista,
um líder empresarial, um agente de saúde ou um simples cidadão, como é
que você pode saber quando as personalidades públicas dizem a verdade e
quando as distorcem? Como é que você pode decidir quais as denúncias que
são justas e em quem confiar? Para produzir os textos para este site,
usamos nossa própria experiência enquanto jornalistas e a ajuda e
assistência de especialistas em vários campos para produzir esta lista:
1. Pergunte onde estão as provas
Sempre que alguém, na vida pública, faz uma denúncia, seja ela grande
ou pequena, a primeira coisa que você deveria perguntar – uma vez que
você decidido se a denúncia é plausível e vale a pena investigar – é
“Onde estão as provas?”
Hoje em dia, muitas pessoas concordam que na preparação para a guerra
do Iraque em 2003, pouca atenção foi dada à óbvia falta de provas sobre
a possibilidade do Iraque possuir as armas que diziam que tinha.
Ali e em outras situações, muitas vezes há um bom motivo para que uma
autoridade se recuse a revelar as provas que sustentariam uma denúncia.
Talvez elas precisem, como os jornalistas, proteger suas fontes. Mas se
as fontes precisam de proteção, nós ainda precisamos das provas. E,
muitas vezes, o motivo pelo qual as autoridades se recusam a fornecê-las
é que as provas são frágeis, parciais ou contraditórias.
Portanto, comece por pedir as provas e se nenhuma lhe for
apresentada, você já sabe que há, ou poderá haver, um problema com essa
denúncia.
2. As provas são comprováveis?
O passo seguinte, uma vez que as provas tenham sido providenciadas, é
ver se elas podem ser verificadas. Um dos testes-chave feitos antes que
o resultado de uma nova experiência seja aceito pela comunidade
científica é ver se a experiência pode ser repetida por outros
pesquisadores com resultados semelhantes. Como disse Thomas Huxley, um
importante biólogo do século 19, “o homem da ciência aprendeu a
acreditar na justificativa não pela fé, mas pela comprovação”.
No debate público seria a mesma coisa. Quando uma personalidade
pública, seja ela do campo que for, fizer uma denúncia que quer que
tenha credibilidade, deveriam ser pedidas provas verificáveis. Caso
contrário, você se limitará a confiar no que eles dizem?
3. As provas são confiáveis?
Em tudo o que pesquisamos, ainda não há uma única lista de testes que
cubra os diferentes tipos de prova que você possa vir a acessar antes
de decidir que são confiáveis. Abaixo, as principais perguntas que
fazemos.
Poderiam eles saber o que denunciam que sabem?
Se as provas se baseiam no relato de uma testemunha ocular, saberia
essa pessoa o que denunciam que sabem? Onde estavam? Seria possível
acreditar que essas pessoas tivessem acesso a esse tipo de informação? A
informação seria em primeira ou segunda mão? Seria algo que ouviram ou
em que acreditaram? Seria algo que possa ser conhecido?
Caso existam dados, quando foram coletados?
Um dos truques preferidos das personalidades públicas é apresentar
informações coletadas muitos anos antes como se fossem de hoje, sem
mencionar as datas. Mas os dados envelhecem e, ao contrário dos bons
vinhos, isso não é bom. Para compreender as informações, você precisa
saber quando foram coletadas e como era o quadro antes e depois. Um dos
truques preferidos dessas pessoas é escolher as datas de início e do
fim, não por que eles reflitam o verdadeiro desempenho ao longo do
tempo, mas para que os números pareçam bons, começando na parte de baixo
de um ciclo e terminando no topo.
E a amostra foi suficientemente ampla? Foi integral?
Uma pesquisa de opinião que represente os pontos de vista de algumas
dúzias de pessoas – ou mesmo algumas centenas – provavelmente não será
representativa da opinião de uma população de milhões. A maioria das
organizações de pesquisa sugere que uma amostra bem selecionada de cerca
de mil pessoas seriam o mínimo para produzir resultados precisos.
Porém, é surpreendente o número de vezes que pesquisas feitas com umas
poucas centenas de pessoas, ou umas poucas dúzias, sejam citadas por
personalidades públicas, e divulgadas na mídia, como representativas de
opiniões mais abrangentes.
E lembrem-se, mesmo as pesquisas de ampla escala – que não procuram
em todos os lugares apropriados – podem dar um quadro errôneo. Isso é
algo que algumas pessoas chamam o “problema do cisne negro” – uma
referência à suposição equivocada feita na Europa durante séculos de que
todos os cisnes eram brancos porque todas as centenas de milhares de
cisnes, ao longo dos anos, também eram. E, na realidade, só depois que o
explorador holandês do século 17, Willem de Vlamingh, voltou à Europa
depois de descobrir cisnes negros na Austrália ocidental, é que as
pessoas a perceber o erro. A “amostra” anterior fora ampla, mas não
suficientemente abrangente.
Como foram coletados os dados?
Não é só a abrangência da amostra que importa. Quando se faz uma
pesquisa de opinião, devem ser ouvidas pessoas de todos os grupos
sociais relevantes – ambos os gêneros, raças distintas, grupos
socioeconômicos e regiões diferentes – e nas proporções corretas, caso
se pretenda que a pesquisa seja representativa da sociedade como um
todo.
Como foi feito o estudo? Pesquisas semelhantes feitas de porta em
porta podem produzir resultados diferentes daquelas feitas por telefone,
pois a reação do entrevistado pode ser diferente se ele falar com
alguém cara a cara ou por telefone.
E os estudos que confiam na capacidade dos entrevistados preencherem
formulários tendem a mostrar mais erros do que as entrevistas cara a
cara, principalmente entre pessoas com pouco conhecimento de leitura. Se
a denúncia se basear numa pesquisa como essa, isso poderia ser um
fator?
Entretanto, o que as pessoas que participam de um estudo ou de uma
experiência sabem, ou pensam que sabem, pode afetar o resultado. Isso
chama-se “efeito placebo” e explica por que muitas vezes as experiências
médicas não são, ou não deveriam ser, divulgadas – isto para que as
pessoas que estão sendo estudadas não saibam a natureza do tratamento
que receberam ou deixaram de receber.
E quanto ao quadro mais amplo?
Uma vez que você já saiba como os dados foram coletados, avalie a
forma pela qual eles são apresentados. A pessoa está dizendo a verdade,
toda a verdade e nada mais que a verdade? Personalidades públicas de
todas as áreas gostam de selecionar cuidadosamente aquilo que vão dizer a
você e o que não irão dizer, salientando as provas que irão favorecer
seus argumentos e deixando de lado aquilo que seja menos saboroso.
Os dados apresentados estão inseridos num contexto? E teriam
significado semelhante se outros fatores, não mencionados, fossem
levados em consideração?
Um exemplo: quando um político diz que aplicou uma “quantia recorde”
no sistema público de saúde e não menciona a inflação, sua afirmação
pode ser verdadeira, porém enganosa, caso a inflação signifique que
aquela quantia está caindo, “em termos reais”. Portanto, verifique
sempre se não existem outros fatores que compõem o quadro mais amplo.
E lembre-se sempre de avaliar os números proporcionalmente. Uma verba
de 50 milhões de dólares num projeto de saúde parece gigantesca para
uma comunidade pequena. Porém, se for dividida entre uma população e seu
programa implicar uma aplicação por 10 anos, irá parecer bem menos
generosa do que pareceu à primeira vista.
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