sábado, 25 de julho de 2015

Manual básico para checagem de fatos (1ª parte)

Por Africa Check em 07/07/2015 na edição 858 
Reproduzido do site Africa Check , um projeto de checagem de notícias financiado pela Fundação France Press na África e apoiado pelas empresas Google e Omidyar, além da Fundação Open Society

Esta é a primeira parte do Manual Básico para checagem de fatos. Para acessar a segunda e última parte do Manual, clique aqui.
Seja você um repórter, um ativista, um líder empresarial, um agente de saúde ou um simples cidadão, como é que você pode saber quando as personalidades públicas dizem a verdade e quando as distorcem? Como é que você pode decidir quais as denúncias que são justas e em quem confiar? Para produzir os textos para este site, usamos nossa própria experiência enquanto jornalistas e a ajuda e assistência de especialistas em vários campos para produzir esta lista:

1. Pergunte onde estão as provas
Sempre que alguém, na vida pública, faz uma denúncia, seja ela grande ou pequena, a primeira coisa que você deveria perguntar – uma vez que você decidido se a denúncia é plausível e vale a pena investigar – é “Onde estão as provas?”

Hoje em dia, muitas pessoas concordam que na preparação para a guerra do Iraque em 2003, pouca atenção foi dada à óbvia falta de provas sobre a possibilidade do Iraque possuir as armas que diziam que tinha.

Ali e em outras situações, muitas vezes há um bom motivo para que uma autoridade se recuse a revelar as provas que sustentariam uma denúncia. Talvez elas precisem, como os jornalistas, proteger suas fontes. Mas se as fontes precisam de proteção, nós ainda precisamos das provas. E, muitas vezes, o motivo pelo qual as autoridades se recusam a fornecê-las é que as provas são frágeis, parciais ou contraditórias.

Portanto, comece por pedir as provas e se nenhuma lhe for apresentada, você já sabe que há, ou poderá haver, um problema com essa denúncia.

2. As provas são comprováveis?
O passo seguinte, uma vez que as provas tenham sido providenciadas, é ver se elas podem ser verificadas. Um dos testes-chave feitos antes que o resultado de uma nova experiência seja aceito pela comunidade científica é ver se a experiência pode ser repetida por outros pesquisadores com resultados semelhantes. Como disse Thomas Huxley, um importante biólogo do século 19, “o homem da ciência aprendeu a acreditar na justificativa não pela fé, mas pela comprovação”.

No debate público seria a mesma coisa. Quando uma personalidade pública, seja ela do campo que for, fizer uma denúncia que quer que tenha credibilidade, deveriam ser pedidas provas verificáveis. Caso contrário, você se limitará a confiar no que eles dizem?

3. As provas são confiáveis?
Em tudo o que pesquisamos, ainda não há uma única lista de testes que cubra os diferentes tipos de prova que você possa vir a acessar antes de decidir que são confiáveis. Abaixo, as principais perguntas que fazemos.

Poderiam eles saber o que denunciam que sabem?

Se as provas se baseiam no relato de uma testemunha ocular, saberia essa pessoa o que denunciam que sabem? Onde estavam? Seria possível acreditar que essas pessoas tivessem acesso a esse tipo de informação? A informação seria em primeira ou segunda mão? Seria algo que ouviram ou em que acreditaram? Seria algo que possa ser conhecido?

Caso existam dados, quando foram coletados?

Um dos truques preferidos das personalidades públicas é apresentar informações coletadas muitos anos antes como se fossem de hoje, sem mencionar as datas. Mas os dados envelhecem e, ao contrário dos bons vinhos, isso não é bom. Para compreender as informações, você precisa saber quando foram coletadas e como era o quadro antes e depois. Um dos truques preferidos dessas pessoas é escolher as datas de início e do fim, não por que eles reflitam o verdadeiro desempenho ao longo do tempo, mas para que os números pareçam bons, começando na parte de baixo de um ciclo e terminando no topo.

E a amostra foi suficientemente ampla? Foi integral?

Uma pesquisa de opinião que represente os pontos de vista de algumas dúzias de pessoas – ou mesmo algumas centenas – provavelmente não será representativa da opinião de uma população de milhões. A maioria das organizações de pesquisa sugere que uma amostra bem selecionada de cerca de mil pessoas seriam o mínimo para produzir resultados precisos. Porém, é surpreendente o número de vezes que pesquisas feitas com umas poucas centenas de pessoas, ou umas poucas dúzias, sejam citadas por personalidades públicas, e divulgadas na mídia, como representativas de opiniões mais abrangentes.

E lembrem-se, mesmo as pesquisas de ampla escala – que não procuram em todos os lugares apropriados – podem dar um quadro errôneo. Isso é algo que algumas pessoas chamam o “problema do cisne negro” – uma referência à suposição equivocada feita na Europa durante séculos de que todos os cisnes eram brancos porque todas as centenas de milhares de cisnes, ao longo dos anos, também eram. E, na realidade, só depois que o explorador holandês do século 17,  Willem de Vlamingh,  voltou à Europa depois de descobrir cisnes negros na Austrália ocidental, é que as pessoas a perceber o erro. A “amostra” anterior fora ampla, mas não suficientemente abrangente.
Como foram coletados os dados?

Não é só a abrangência da amostra que importa. Quando se faz uma pesquisa de opinião, devem ser ouvidas pessoas de todos os grupos sociais relevantes – ambos os gêneros, raças distintas, grupos socioeconômicos e regiões diferentes – e nas proporções corretas, caso se pretenda que a pesquisa seja representativa da sociedade como um todo.

Como foi feito o estudo? Pesquisas semelhantes feitas de porta em porta podem produzir resultados diferentes daquelas feitas por telefone, pois a reação do entrevistado pode ser diferente se ele falar com alguém cara a cara ou por telefone.

E os estudos que confiam na capacidade dos entrevistados preencherem formulários tendem a mostrar mais erros do que as entrevistas cara a cara, principalmente entre pessoas com pouco conhecimento de leitura. Se a denúncia se basear numa pesquisa como essa, isso poderia ser um fator?

Entretanto, o que as pessoas que participam de um estudo ou de uma experiência sabem, ou pensam que sabem, pode afetar o resultado. Isso chama-se “efeito placebo” e explica por que muitas vezes as experiências médicas não são, ou não deveriam ser, divulgadas – isto para que as pessoas que estão sendo estudadas não saibam a natureza do tratamento que receberam ou deixaram de receber.

E quanto ao quadro mais amplo?

Uma vez que você já saiba como os dados foram coletados, avalie a forma pela qual eles são apresentados. A pessoa está dizendo a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade? Personalidades públicas de todas as áreas gostam de selecionar cuidadosamente aquilo que vão dizer a você e o que não irão dizer, salientando as provas que irão favorecer seus argumentos e deixando de lado aquilo que seja menos saboroso.

Os dados apresentados estão inseridos num contexto? E teriam significado semelhante se outros fatores, não mencionados, fossem levados em consideração?

Um exemplo: quando um político diz que aplicou uma “quantia recorde” no sistema público de saúde e não menciona a inflação, sua afirmação pode ser verdadeira, porém enganosa, caso a inflação signifique que aquela quantia está caindo, “em termos reais”. Portanto, verifique sempre se não existem outros fatores que compõem o quadro mais amplo.

E lembre-se sempre de avaliar os números proporcionalmente. Uma verba de 50 milhões de dólares num projeto de saúde parece gigantesca para uma comunidade pequena. Porém, se for dividida entre uma população e seu programa implicar uma aplicação por 10 anos, irá parecer bem menos generosa do que pareceu à primeira vista.



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