Por Adriano Silva
9 de dezembro de 2013
9 de dezembro de 2013
A meca do PICMB |
Ele não faz trabalhos
domésticos. Não tem gosto nem respeito por trabalhos manuais. Se puder,
atrapalha o trabalho de quem pega no pesado. Aprendi isso em criança:
só enfia o pé na lama com gosto quem nunca teve o desgosto de ir para o
tanque na área de serviço, depois, esfregar o tênis ou a chuteira
debaixo de água fria. Só deixa um resto de bebida secar no fundo de um
copo quem nunca teve que fazer o malabarismo de meter a mão lá dentro
com uma esponja, com a barriga encostada na pia, para tentar lavá-lo.
Trata-se de uma tradição lusitana, ibérica, que vem sendo
reproduzida aqui na colônia desde os tempos em que os negros carregavam
em barris, nas costas, a toilete dos seus proprietários, e eram chamados
de “tigres” – porque os excrementos lhes caíam sobre as costas,
formando listras que lembravam a pelagem do animal.
O perfeito idiota de classe média brasileiro, ou PICMB, não ajuda em
casa também por influência da mamãe, que nunca deixou que ele
participasse das tarefas – nem mesmo por ou tirar uma mesa, nem mesmo
arrumar a própria cama. Ele atira suas coisas pela casa, no chão, em
qualquer lugar, e as deixa lá, pelo caminho. Não é com ele. Ele foi
criado irresponsável e inconsequente. É o tipo de cara que pede um copo
d’água deitado no sofá. E não faz nenhuma questão de mudar. O PICMB é um
especialista em não fazer, em fazer de conta, em empurrar com a
barriga, em se fazer de morto. Ele sabe que alguém fará por ele. Então
ele se desenvolveu um sujeito preguiçoso. Folgado. Que se escora nos
outros, não reconhece obrigações e que adora levar vantagem. Esse é o
seu esporte predileto – transformar quem o cerca em seus otários
particulares.
O tempo do perfeito idiota de classe média brasileiro vale
mais que o das demais pessoas. É a mãe que fura a fila de carros no
colégio dos filhos. É a moça que estaciona em vaga para deficientes ou
para idosos no shopping. É o casal que atrasa uma hora num jantar
com os amigos. A lei e as regras só valem para os outros. O PICMB não
aceita restrições. Para ele, só privilégios e prerrogativas. Um direito
divino – porque ele é melhor que todos os outros. É um adepto do vale
tudo social, do cada um por si e do seja o que deus quiser. Ele só tem
olhos para o próprio umbigo e os únicos interesses válidos são os seus.
O PICMB é o parâmetro de tudo. Quanto mais alguém for
diferente dele, mais errado esse alguém estará. Ele tem preconceito
contra pretos, pardos, pobres, nordestinos, baixos, gordos, gente do
interior, gente que mora longe. E ele é sexista para caramba. Mesma
lógica: quem não é da sua tribo, do seu quintal, é torto. E às vezes até
quem é da tribo entra na moenda dos seus pré-julgamentos
e da sua maledicência. A discriminação também é um jeito de você se
tornar externo, e oposto, a um padrão que reconhece em si mas de que não
gosta. É quando o narigudo se insurge contra narizes grandes. O PICMB
adora isso.
O perfeito idiota de classe média brasileiro vai para Orlando sempre
que pode. Seu templo, seu centro de peregrinação, é um outlet na
Flórida. Acha a Europa chata. E a Ásia, um planeta esquisito com gente
estranha e amarela que não lhe interessa. Há um tempo, o PICMB descobriu
Nova York – para onde vai exclusivamente para comprar. Ficou meia hora
dentro do Metropolitan, uma vez, mas achou aquilo aborrecido demais.
Come pizza no Sbarro. Joga lixo no chão. Só anda de táxi – metrô, com a
galera, nem em Manhattan. Nos anos 90, comprava camiseta no Hard Rock
Cafe. Hoje virou um sacoleiro em lojas com Abercrombie & Fitch e
Tommy Hillfiger. Depois de toda a farra, ainda troca cotoveladas no free
shop para comprar uísque, perfume, chocolate e maquiagem. O PICMB é,
sobretudo, um cara cafona. Usa roupas de polo sem saber o lado por onde
se monta num cavalo. Nem sabe que aquelas roupas são de polo. Ou que
polo é um esporte.
O PICMB adora pagar caro. Faz questão. Não apenas porque, para ele,
caro é sinônimo de bom. Mas, principalmente, porque caro é sinônimo de
“cheguei lá” e “eu posso” e “veja o quanto eu paguei nesse relógio ou
nessa calça da Diesel”. Ele exibe marcas como penduricalhos numa árvore
de natal. É assim que se mostra para os outros. Se pudesse, deixaria as
etiquetas presas aos itens do vestuário e aos acessórios que carrega. O
PICMB é jeca. É brega. Compra para se afirmar, para compensar o vazio e
as frustrações, para se expressar de algum modo. O perfeito idiota de
classe média brasileiro não se sente idiota pagando 4 000 reais por um
console de vídeo game que custa 400 dólares lá fora. Nem acha um acinte
pagar 100 000 reais por um carro que vale 25 000 dólares. Essa é a sua
religião. Ele não se importa de ficar no vermelho – a preocupação com
ter as contas em dias é para os fracos. Ele é o protótipo do novo rico
burro. Do sujeito que acha que o bolso cheio pode compensar uma cabeça
vazia.
O PICMB é cleptomaníaco. Sua obsessão por ter, e sua mania de
locupletação material, lhe fazem roubar roupão de hotel e garrafinha de
bebida do avião e amostra grátis de perfume em loja de departamento. Ele
pega qualquer amostra de produto que esteja sendo ofertada numa
degustação no supermercado. Mesmo que não goste daquilo. O PICMB adora
boca livre e hotéis “all inclusive”. Ele adora camarote – quando ele
consegue sentir o sangue azul fluindo em suas veias. Ele é a tradução
perfeito do que é um pequeno burguês.
O perfeito idiota de classe média brasileiro entende Annita.
Vibra com Latino. Seu mundo cabe dentro do imaginário do sertanejo
romântico. Ele adora shows megaproduzidos, com pirotecnia, luzes e muita
coreografia, cujos ingressos custem mais de 500 reais – mesmo que ele
não conheça o artista. Ele não se importa de pagar uma taxa de
conveniência escorchante para comprar esse ingresso da maneira mais
barata para quem lhe vendeu – pela internet.
E o PICMB detesta ler. Comprou “50 Tons” para a mulher. E um livro de
autoajuda para si mesmo. Mas agora que a novela está boa ficou difícil
achar tempo para ler.
Leia também: O perfeito idiota de classe média brasileiro - Parte 2
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