Publicado em 27 de janeiro de 2015
(Capa da revista Veja em 16 de junho de 2004) |
Eu estava trabalhando na revista Veja (os piores oito meses de minha carreira; leia aqui)
quando saiu uma capa louvando as estatinas, pílulas usadas para
controlar o colesterol “ruim” que, afirmava a revista, eram “a grande
surpresa da medicina”, “a aspirina do século 21″, “um dos medicamentos
que mudaram a história”. A reportagem, de cinco páginas, parecia um
anúncio pago pelos fabricantes do medicamento, comparado por Veja à
descoberta da penicilina. As estatinas seriam eficazes para tratar
angina, Alzheimer, osteoporose, câncer, esclerose múltipla e diabetes
(íntegra aqui). Só faltou bicho-do-pé. “Um belíssimo negócio para a indústria farmacêutica”, vibrava a semanal da editora Abril.
De lá para cá, as estatinas se transformaram na maior fonte de lucro
da indústria farmacêutica. Uma delas, o Lípitor (atorvastatina, da
Pfizer), se tornou o medicamento campeão de vendas no mundo e, com o
providencial pontapé da “revista mais vendida”, o número dos que usam
estatinas no Brasil pulou de 400 mil para 8 milhões de pessoas. Mas o
que pouca gente sabe é que, após 10 anos, o que foi apresentado ao
leitor incauto da revista como panacéia agora é questionado por
pesquisadores, médicos e cientistas como prejudicial à saúde e, no
mínimo, inútil. E o mais bizarro: hoje o uso contínuo de estatinas está
associado a alguns dos males que supostamente curaria, como perda de
memória, doenças cardíacas, diabetes, fraqueza muscular e câncer.
Dois anos atrás, a própria Veja reconheceu, em uma reportagem
minúscula escondida no site da revista: “Acaba a lua-de-mel com as
estatinas” (leia aqui).
No texto, a publicação admitia que efeitos colaterais graves têm sido
associados ao uso do remédio outrora “revolucionário”, até mesmo a
capacidade de provocar o infarto em vez de preveni-lo –justamente a
maior qualidade levantada pela propaganda, ops, reportagem anterior.
Novos estudos com voluntários, advertia o artigo, comprovam que “usuários
frequentes das estatinas tiveram um aumento muito maior na calcificação
de placas em suas artérias coronárias. Isso poderia levar a riscos
maiores de infartos nesses pacientes”.
Na época da capa-louvação, o cardiologista Sergio Vaisman,
coordenador da pós-graduação em Medicina Preventiva da Universidade
Fernando Pessoa, no Porto, escreveu um artigo em seu blog em que
condenava o excesso de otimismo da Veja em relação às estatinas. “Acho
lamentável assistir a esse desfile de propaganda que enaltece produtos
que irão comprometer nossa saúde se usados em demasia”, escreveu
Vaisman, criticando a falta de interesse da revista em mostrar os
efeitos colaterais do remédio, como as dores musculares crônicas e a
rabdomiólise, uma degeneração das fibras musculares que pode levar a
lesões renais graves e até à morte. Detalhe: uma estatina, a Baycol
(cerivastina, da Bayer), já havia sido retirada do mercado em 2001 por
causar rabdomiólise e matar 52 pessoas nos EUA por falência renal.
Entrevistei Vaisman pelo telefone. Ele está cada vez mais cético em
relação às estatinas, que só prescreve a seus pacientes em casos muito
graves e por um período apenas. “Sou contra o uso contínuo de estatinas,
mas vou contra a corrente, porque o establishment da medicina manda
fazer isso. Existe uma pressão muito grande da indústria farmacêutica,
principalmente sobre os médicos recém-formados”, diz. E ressalta: “Não
existe nenhuma evidência científica de que as estatinas protegem o
coração de um infarto”.
(As mudanças em relação à gordura ao longo dos anos) |
Outro aspecto que mudou neste meio tempo foi a própria visão da
ciência (não da indústria farmacêutica) sobre o “colesterol ruim” (LDL),
antes o grande inimigo do homem moderno e razão de existir das
estatinas. “Hoje o colesterol não é o vilão que se pensava. É
considerado, por exemplo, fundamental para a produção dos hormônios
sexuais. Claro que tudo em excesso é ruim, mas o colesterol tem papéis
benéficos”, defende Vaisman. O colesterol também é necessário para o bom
funcionamento dos intestinos e do cérebro.
Em outubro de 2013, a Sociedade Brasileira de Cardiologia causou
polêmica ao rebaixar o limite considerado saudável de colesterol “ruim”
de 100 miligramas por decilitro de sangue para 70 miligramas por
decilitro, o que fez aumentar ainda mais as prescrições das estatinas
nos consultórios médicos. Na época, especialistas contrários à
medicalização excessiva chamaram a atenção para os efeitos colaterais da
droga, sem sucesso. Como disse Vaisman, o establishment da medicina no
Brasil abraçou as estatinas sem restrições. E o pseudo jornalismo de
“saúde” praticado por alguns veículos foi junto.
Nos EUA e na Inglaterra, grandes consumidores das estatinas, a
rejeição ao medicamento vem crescendo. O norte-americano Raymond
Francis, químico formado pelo MIT (Massachusetts Institute of Tecnology)
que se dedica a pesquisas sobre qualidade de vida, contesta, inclusive,
que o colesterol seja mesmo responsável pelos problemas cardíacos. “O
colesterol não causa doenças do coração”, afirma. “Os franceses têm a
mais alta taxa de colesterol da Europa, ao redor de 250, mas as menores
incidências de doenças do coração e metade dos ataques cardíacos dos
Estados Unidos. Na ilha de Creta, berço da saudável dieta mediterrânea,
um estudo de 10 anos falhou ao não conseguir encontrar um só ataque
cardíaco, apesar das taxas de colesterol acima de 200″ (leia mais aqui). Outros estudos recentes dizem o mesmo: colesterol alto não é sinônimo de risco para o coração.
Raymond Francis publicou um vídeo no
youtube onde diz com todas as letras: “Estatinas são veneno. Não
previnem doenças do coração e não são seguras. Pelo contrário, há um
aumento dos infartos entre as pessoas que usam estatinas. Ou seja, as
estatinas causam doenças do coração”. Ele cita o cardiologista texano
Peter Langsjoen, autor do estudo Estatinas podem causar problemas cardíacos,
apresentado aos órgãos de saúde norte-americanos em 2002, em que
advertia para o bloqueio, pelas estatinas, da produção da coenzima Q10
ou Ubiquinona, molécula que previne as doenças cardíacas. Em 2010, a FDA
(Food and Drug Administration) finalmente advertiu para os riscos
cardiovasculares com o uso de sinvastatina (Zocor, da Merck). É a
estatina mais vendida no Brasil.
No site spacedoc, médicos
norte-americanos anti-estatinas listam uma série de efeitos colaterais
causados pelo medicamento: danos musculares, amnésia, diabetes,
disfunção erétil, pancreatite, insônia, câncer, perda de energia… (leia
os artigos aqui). Autor do livro 29 Bilhões de Razões Para Mentir Sobre o Colesterol,
o britânico Justin Smith produziu um documentário e está preparando
outro sobre os interesses financeiros por trás das estatinas, que,
afirma, têm seus benefícios exagerados pela medicina tradicional.
Entrevistei Smith por e-mail.
Socialista Morena – O que há de errado com as estatinas?
Justin Smith – Há muitos questionamentos.
Primeiramente, temos que perguntar se a droga realmente beneficia as
pessoas diante dos efeitos colaterais que acarreta. É preciso separar
dois tipos de pessoas: as que foram diagnosticadas com um problema no
coração e aquelas que não o foram. Para quem não foi diagnosticado como
cardíaco, não há nenhum benefício em tomar estatinas, mas estas pessoas
estarão expostas aos efeitos colaterais do remédio. Em uma estimativa
realista, 20% das pessoas sofrem efeitos colaterais significativos.
Milhares de pessoas têm relatado consequências muito sérias durante anos
e muitas delas sofreram danos permanentes. Para quem foi diagnosticado
com problema cardíaco há um argumento para usar estatinas. Mas os
benefícios que estas pessoas podem ter não estão relacionados com a
redução do colesterol. Este é um tema complicado e muitos médicos ainda
estão debatendo os efeitos das estatinas. Para as pessoas com problemas
cardíacos, as estatinas podem ser ao mesmo tempo boas e ruins. O lado
positivo é que as estatinas podem estabilizar as placas nas artérias,
reduzir a coagulação e melhorar o metabolismo do ferro – tudo isso é
muito bom. No entanto, pelo lado negativo, as estatinas aumentam a
quantidade de placas calcificadas nas artérias e potencialmente
enfraquecem o músculo do coração ao bloquear a produção da coenzima Q10.
Além disso, há uma ligação muito forte entre os baixos níveis de
colesterol e uma vida mais curta. Como você vê, é uma decisão muito
difícil para as pessoas diagnosticadas com problemas cardíacos tomarem.
SM – Alguns médicos me disseram que as estatinas não previnem ataques cardíacos. É isso mesmo?
JS – Há evidências de que as estatinas podem
prevenir um segundo ou terceiro ataque cardíaco para quem já teve um
infarto. Mas, para a população em geral, as estatinas têm um impacto
muito pequeno contra os riscos de ataques do coração, possivelmente
nenhum. Por outro lado, as estatinas têm sido associadas com mais de 300
efeitos adversos, em parte pelo fato de o colesterol ser uma substância
extremamente importante para o corpo humano e a deficiência de
colesterol ter enormes efeitos negativos para a saúde. As áreas mais
afetadas são os músculos, o cérebro e o sistema nervoso e os olhos. Em
alguns estudos, as estatinas foram associadas a um dramático crescimento
no risco de câncer.
SM – Na época em que você lançou seu livro, falou em uma
movimentação de 29 bilhões de dólares anuais com as estatinas. Quanto
dinheiro elas estão rendendo à indústria farmacêutica atualmente?
JS – É muito difícil dizer, porque a maior parte
delas teve a patente quebrada. No entanto, se olharmos para o mercado
mais amplo das drogas redutoras de colesterol, há novos remédios
surgindo e é um negócio que continua movimentando dezenas de bilhões de
dólares cada ano.
SM – Você foi alvo de alguma ameaça por denunciar as estatinas?
JS – Não.
Em seu documentário, Statin Nation,
Smith faz questão de destacar três pontos que vão em direção contrária
ao que é apregoado pela medicina ocidental: as pessoas com colesterol
alto tendem a viver mais; as pessoas com doenças no coração têm baixos
níveis de colesterol; baixar o colesterol de uma população não reduz os
índices de doenças cardíacas. E pergunta: “Será que os fatos sobre os
problemas do coração, o colesterol e os remédios contra o colesterol têm
sido distorcidos pela indústria farmacêutica para aumentar seus
lucros?”
Não duvido. O que posso dizer com toda certeza, como jornalista, é:
desconfie de médicos que prescrevem a torto e a direito remédios de uso
contínuo cuja eficácia é controversa. Desconfie de reportagens que
atribuem à “ciência” ou à “medicina” pesquisas patrocinadas pela
indústria farmacêutica. Desconfie de revistas que colocam um medicamento
como “milagroso” numa capa sem alertar devidamente para os riscos.
Desconfie das estatinas.
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