Grande parte dos colunistas de economia da imprensa comercial
brasileira, autodenominada grande imprensa, comete uma fraude contra os
cidadãos.
Grande parte dos colunistas
de economia da imprensa comercial brasileira, autodenominada “grande
imprensa”, comete uma fraude contra os cidadãos que acompanham as
notícias no dia a dia. Eles têm uma verdadeira obsessão quando tratam de
assuntos da sua área: a obsessão de acreditar que falam ou escrevem sem
ideologia nenhuma, que seus comentários são isentos, práticos e
objetivos, e que só mesmo a cegueira política não é capaz de enxergá-los
como grandes pensadores críticos do país. Ora, ter uma visão ideológica
e não assumi-la é a pior forma de cinismo e de empulhação. Essa gente
não fez nem TCC no ensino médio para saber que qualquer coisa que se
diga, se fala desde um lugar, desde uma teoria de interpretação sobre a
realidade que se vê. E acreditar nos pilares do liberalismo sem freio,
na aposta que a mão invisível do mercado pode tudo, forma um conceito
tão atrasado quanto aquela regra do futebol que permitia ao goleiro
segurar a bola com a mão por quanto tempo quisesse.
Pois bem. Um
dos esportes prediletos desses colunistas de uma só forma de ver a
economia é criticar os governos ditos bolivarianos como a Venezuela, o
Equador, a Bolívia e a Argentina, não faltando tremendos esforços para
incluir o Brasil na lista. A tese vale para todos: são governos gastões,
populistas, anti-iniciativa privada, inimigos dos Estados Unidos e por
aí vai. Dizem os guardiões do pensamento do mercado que a situação
nesses países vai de mal a pior por obra e culpa dos governantes de
plantão, casualmente todos eles de esquerda.
Não é que as
previsões para os demais países latino-americanos também não são nada
animadoras para 2015? Vamos pegar o exemplo de nações governadas pela
direita para que a análise não seja entorpecida. O México terá um de
seus piores anos. Indústrias norte-americanas instaladas em território
mexicano estão demitindo e fechando suas portas. As chamadas “fábricas
maquiladoras”, eixo central da integração do Nafta, estão indo se
instalar em outras freguesias. O petróleo, principal receita do país,
está com a produção em baixa e preços achatados no mercado
internacional. Como entrou de sócio menor no acordo comercial com
Estados Unidos e Canadá, os mexicanos correm o risco de voltar a níveis
produtivos anteriores a 1980. O PIB deste ano está previsto para 1,0%. A
pobreza e a violência só crescem.
A Colômbia, outra menina dos
olhos dos colunistas econômicos brasileiros, teve forte queda de
produção e mal ultrapassou o 1% do PIB em 2014. As previsões para esse
ano são ainda mais sombrias. Aberto desde sempre ao capital estrangeiro
especulativo, o país começa a assistir a saída desses capitais numa
escala sem precedente. Pesa ainda a desvantagem de não ter muito para
onde correr, já que a produção agrícola do país depende de commodities,
cujos preços estão em baixa no mercado internacional, sem falar do
problema da violência política, ainda sem solução definitiva.
O
Peru, depois de três anos seguidos de crescimento, viu uma marcha à ré
em 2014. Sua principal riqueza, as jazidas de minério, perdeu espaço
para novos centros de produção na África e Ásia. Sem uma indústria
forte, pouco terá a oferecer para garantir emprego e renda aos seus
cidadãos.
Vamos colocar o Chile no rol dos países mais abertos
economicamente, embora tenha um governo de inspiração esquerdista
moderada. O cobre, de longe a grande cartada do país, está com preços em
queda. Os investimentos externos estão caindo para os piores níveis da
história e, o que é pior, iniciam um movimento de fuga, o que levou a
presidente Michelle Bachelet a decretar apressadamente uma nova lei de
“inversiones extranjeras”, mais liberal e sem grandes contrapartidas
como a anterior.
Nesse cenário, o Banco Mundial destaca que a
América Latina cresceu 1,0% em 2014, a média mais baixa dos últimos 12
anos. A projeção de crescimento do PIB é de 2,4% para este ano, um
verdadeiro risco para a continuidade dos programas sociais que
diminuíram em 24% a pobreza no continente. Nenhum país latino-americano
ou caribenho crescerá vigorosamente, com a única exceção da Bolívia, que
ainda colhe os frutos da nacionalização do setor de gás e energia.
Então, onde está escrito que os únicos países que estão em difícil
situação econômica são aqueles cujos governos tem ideias de esquerda? Em
qual manual ficou provado que a melhor maneira de levar a economia de
uma nação é abrindo todos os flancos para o investimento estrangeiro e
para a total privatização dos setores estratégicos? Quem disse que
desenvolvimento não combina com justiça social?
Sem dúvida, falta
muito para que famosos colunistas econômicos tenham a humildade de
reconhecer que, sim, falam em nome de uma ideologia a qual devotam
crença inabalável e que prestam um desserviço aos consumidores de
notícia quando emitem opiniões baseados em só um lado da moeda. A
América Latina vive uma crise econômica que é resultado da queda brutal
das commodities de matérias primas, do rearranjo do poder econômico
mundial baseado na financeirização dos ativos, da precarização de seu
parque industrial, da histórica falta de investimento em inovação e
tecnologia e do profundo ódio que os donos locais do dinheiro nutrem
contra qualquer coisa que sinalize uma pequena mudança em seu status
quo.
Por isso, debater a regulação econômica da mídia é mais do
que necessário; é urgente, é “pra ontem”. Somente assim poderemos
almejar uma sociedade com mais pluralismo e mais democracia, com
cidadãos que poderão olhar criticamente uma notícia sob variados pontos
de vista e não apenas a partir da “verdade única” dos colunistas, desses
endeusadores do oráculo do mercado.
(*) Marco Piva é jornalista.
Créditos da foto: Arquivo
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