21 Setembro 2015
Por Vivian Fernandes
Brasil de Fato
A corrupção promovida pela mídia, as intenções golpistas, a
concentração dos meios e as novas leis para promover a democracia no
setor foram os temas que marcaram o Seminário Internacional "Mídia e
Democracia nas Américas", promovido pelo Centro de Estudos da Mídia
Alternativa Barão de Itararé. Os debates ocorreram com transmissão
online, entre a sexta-feira (18) e o domingo (20), na cidade de São
Paulo. Estiveram presentem representantes de dez países do continente
americano.
Fazendo uma referência aos noticiários dos grandes meios de
comunicação, o professor da Universidade de Brasília (UnB) e membro do
Conselho Curador da empresa pública de comunicação, a EBC, Venício Lima
iniciou o debate falando a respeito do caso brasileiro.
“Se corrupção é a prevalência de interesses privados sobre os
públicos, quando a mídia seletivamente apresenta interesses seus,
privados, como se fossem públicos, ela está desenvolvendo um processo
sistemático de corrupção da opinião pública”, afirmou.
A homogeneidade do discurso midiático no Brasil foi outro fator
problemático apresentado pelo teórico. “A narrativa da mídia é tão
homogênea que é como se tivesse um único editor para todas as notícias
de todos os meios", disse. E citando um exemplo recente, Venício traz o
tema da “mediatização penal”: “A mídia denuncia, julga, condena e quando
se prova a inocência, a mídia não recua e continua condenando”,
avaliou.
O professor ainda cobrou do governo federal a saída para a “armadilha
que ele próprio caiu”. Ele apontou que “os governos populares eleitos
nas quatro últimas eleições acreditaram, de forma equivocada, que
poderia ser feita uma aliança entre o governo e os oligopólios de mídia.
E por acreditar nessa possibilidade foram se perdendo as oportunidades
de fazer o mínimo” para democratizar a comunicação no Brasil através da
promoção da “pluralidade e diversidade”.
A crítica à política promovida pelos governos PT também veio de
outros palestrantes e do público. Para Osvaldo León, da Agência
Latino-americana de Informação (Alai-Equador), “é incrível como em
quatro governos do PT, o partido ainda não tem uma política democrática
de comunicação”.
Governo brasileiro
Representando o Ministério das Comunicações do Brasil, estava
Emiliano José, Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica. Ele
apontou que: “Tivéssemos nós regulamentado os artigos da Constituição,
do 220 ao 224, teríamos uma mídia mais democrática que a de hoje”,
reconhecendo que o governo não avançou muito na democratização da
comunicação.
Ao falar do livro que pretende lançar em breve, e reafirmando que
esta é uma análise feita em seu próprio nome, ele declarou que “a mídia
brasileira sempre teve lado. Ela nunca tergiversou em que lado ela situa
e não é do lado do povo brasileiro. Ela sempre teve posições
extremamente conservadoras”. Sobre a atual conjuntura política do país,
José alertou que “os grupos hegemônicos da mídia desempenham um papel
essencial nesse intento golpista”.
“Nesse momento, na conjuntura que nós vivemos, pedir uma regulação da
mídia é uma contradição com a correlação de forças que vivemos,
sobretudo com um Congresso com essa composição”, sinalizou José. Esta
afirmação causou polêmica entre os participantes e alguns reagiram
apontando que a luta pelo democratização da mídia não cessaria, como foi
o caso de Rosane Bertotti, da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Direito à comunicação
“O Brasil está atrasado na discussão da democratização dos meios”,
foi o ponto de partida pelo qual o Relator Especial para Liberdade de
Expressão na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Edson Lanza
fez sua apresentação.
Abordando a liberdade de expressão em sua dimensão individual –
direito de cada pessoa em buscar, receber, compartilhar e produzir
informação - e coletiva – que tem a ver com a garantia da democracia -,
Lanza sustentou sua argumentação. Dentro disso, ele afirmou que “os
oligopólios ou monopólios [dos meios] atentam contra a liberdade de
expressão e a democracia”.
Lanza também apontou que é papel do Estado assegurar a democracia no
país, garantindo a presença dos três setores: público, privado e
comunitário nos meios de comunicação.
Nesse sentido, Néstor Busso, ex-presidente do Conselho Federal de
Comunicação da Argentina e ativista das rádios comunitárias, abordou o
processo de construção da Lei de Meios em seu país. “O central é que a
comunicação é um direito, não um negócio. A liberdade de expressão é um
direito de todas as pessoas, não dos donos dos meios”, apontou.
“O Estado para garantir o direito à comunicação e à liberdade de
expressão, deve assegurar diversidade e pluralismo. Isso significa que o
Estado tem que atuar com políticas públicas para garantir esse direito,
se faz isso colocando limites aos poderosos e promovendo a palavra e
expressão dos setores mais postergados e pobres”, explicou.
Leis de Meios
Sobre o caso argentino, Busso ainda contou que as licenças de rádio e
TV são divididas igualmente em três tipos de prestadoras: privada ou
comercial, social (sem fins de lucros ou comunitária) e pública (que
pode ser estatal ou não-estatal).
Assim como na Argentina, o Equador possui um modelo de participação
dividido em um terço para cada setor. Segundo Osvaldo León, da Alai, um
tema importante na legislação equatoriana é sobre a publicidade estatal.
“Se a Constituição reconhece três setores, a publicidade estatal deve
distribuir-se em três porções iguais”. Isso serve, em especial, para os
comunitários, que possuem dificuldades de autossustentação.
Apesar de existir há dois anos na lei do Equador, León aponta que não
há muitos avanços de democratização dos meios, e afirmou que “não tem
nenhuma frequência outorgada para o setor comunitário”.
Ainda no capítulo sobre Leis de Meios, experiências do Uruguai,
Venezuela, Equador e Bolívia também foram apresentadas. Guardadas as
particularidades, em comum pode-se apontar que as mudanças legais foram
possíveis pela vontade política dos governos, mas, principalmente, pela
mobilização popular, como recordaram todos os representantes destes
países.
“A lei não muda a realidade do dia para a noite, mas precisa uma
profunda mudança cultural. É um processo que estamos fazendo, mas ainda
há muito o que fazer”, refletiu Néstor Busso, da Argentina.
Oligopólio da mídia
“Antes nós vimos como funciona no paraíso, agora cabe a mim levá-los
ao inferno”, brincou Luis Hernández Navarro, editor do jornal mexicano
La Jornada, referindo-se às apresentações dos países onde há lei de
meios, e abrindo o caminho para apresentar uma realidade de oligopólio
midiático, como é a do México, Chile, Colômbia e Brasil, entre outros.
“No México, 96% das concessionárias comerciais de televisão pertencem
a duas empresas. E 80% das emissoras de rádio são propriedade de três
círculos comerciais. Estamos falando de uma concentração monopolista que
vai acompanhando de um projeto de hegemonia semântica”, afirmou
Navarro.
“Não é somente hegemonia informativa, não é só que os noticiários se
informem o que querem informar, e que se oculte o que se quer ocultar;
tem a ver como todo o sentido que se dá. Porque a indústria midiática
forma parte de um conjunto de entretenimento, de tal forma que estes
grupos controlam a principal quantidade de revistas, teatros, salas de
cinema”, apontou Navarro sobre a concentração no México.
A conversão dos grande grupos midiáticos em atores políticos, “em
organismos ideológicos dirigentes, que acabam articulando protestos,
convocando a população contra governos progressistas em dois grandes
eixos: o da segurança pública e o da corrupção”, foi outro tema abordado
pelo mexicano, que sentenciou que esse “é um fenômeno
latino-americano”, citando casos como o de seu país e o de Guatemala,
por exemplo.
Golpe
Imersos na realidade brasileira, comentários em referência às
tentativas golpistas dos meios de comunicação no Brasil, como o
inicialmente falado pelo professor brasileiro Venício Lima, foi marcante
ao longo do seminário.
“O debate da lei no Brasil não é importante só para o Brasil, mas
para toda a América Latina. Queremos uma democracia com governos eleitos
pelo povo e não governadas pelo poder econômico e pela mídia”, disse o
argentino Busso.
“Não é mais preciso o fuzil dos militares para promover o golpe, há
os meios de comunicação que o fazem”, afirmou Amanda Dávila, ex-ministra
das Comunicações da Bolívia.
Ela ainda comparou seu país ao Brasil. “Na Bolívia temos maioria no
Congresso, quem apoia o governo do presidente Evo são mais de dois
terços. No Brasil, o cenário é adverso, no Congresso como está é difícil
promover mudanças. É preciso um processo de mudança cultural e
política, construído a partir do povo, das mobilizações populares”,
salientou Amanda.
A ex-ministra boliviana ainda indicou que “se há um golpe no Brasil, o
impacto não seria só para o Brasil, mas para todos os países da região.
Não gostaria de pensar numa situação como essa, pois seria o fim de
muito dos nossos processos”.
“O embate entre mercadoria e direito é central para a análise dos
meios de comunicação no Chile”, apontou Javiera Olivares, presidenta do
Colégio de Jornalistas do Chile.
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