29 abr 2015 - Editado em 06/05/2015 às 00h04
A jornalista do SBT e da Jovem Pan Rachel Sheherazade tem sido
aclamada, por seu público-alvo reacionário, como uma dos “melhores” e
“mais competentes” e “engajados” comentaristas políticos do Brasil. Mas
não lhes caiu a ficha de que muito do que ela fala, senão quase tudo, é
pura falácia.
Vale definir o que é uma falácia: é um argumento que à primeira vista
parece válido, mas na verdade possui uma ou mais inconsistências
lógicas e/ou apelos que fogem da argumentação honesta e baseada em razão
e fatos, sendo assim um argumento inválido.
Os argumentos de Sheherazade podem ser enquadrados como falácias
porque caem nesses critérios. Muito do que ela fala tem severas falhas
de concisão lógica, promove apelos à irracionalidade, não condiz com os
fatos e/ou omite aquilo que contraprova as alegações dela.
Isso faz dela, necessariamente, uma inábil em se tratando de formar
opiniões sociais e políticas bem embasadas e racionalmente equilibradas.
E isso é escancarado na série de postagens que este post inaugura. Uma
vez por semana, um total de dez postagens denuncia a incapacidade da
jornalista conservadora de discutir com seriedade a política e a
sociedade brasileiras. Cada postagem trará a detecção de falácias de
três textos, extraídos do blog oficial dela, o qual transcreve os discursos dados por ela na Jovem Pan.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mais uma vez se coloca na contra-mão da história e do bom-senso.
Ataque pessoal (argumentum ad hominem) – Não é uma
depreciação à pessoa de FHC que irá materializar, nas mãos dele, provas e
embasamento jurídico para que ele comece a defender o impeachment de
Dilma.
Referindo-se aos movimentos anti-Dilma, onde 63 por cento
dos brasileiros apoiam abertura de inquérito contra a presidente, FHC
disse que um partido não pode pedir impeachment antes de ter um fato
concreto.
Anfibologia – O dado exibido é dúbio, não permitindo saber com
precisão se os 63% em questão são de toda a população brasileira ou
apenas dos participantes dos movimentos anti-Dilma;
Omissão de fontes – Não é informada nenhuma fonte para o dado exibido.
Contrariando sua própria legenda, o PSDB, que já
encomendou parecer ao jurista Miguel Reale Junior, Fernando Henrique,
disse que o pedido não faz sentido enquanto não houver decisões de
tribunais ou provas concretas de irregularidades cometidas pela
presidente.
Mas, na semana passada, o Tribunal de Contas da União
concluiu que o Tesouro Nacional realmente atrasou o repasse de 40
bilhões de reais em recursos para o Banco do Brasil e a Caixa Econômica ,
gerando as chamadas “pedaladas fiscais’. Em outras palavras, o Governo
tomou empréstimos dos bancos públicos – o que é ilegal – para pagar suas
contas e fechar o ano, artificialmente, no azul.
A fraude fiscal pode ser o passaporte para o impeachment,
já que implica em crime de responsabilidade, neste caso, um ato contra a
lei orçamentária.
Falácia de omissão – Sheherazade omite que o crime de
responsabilidade precisaria ser cometido no mandato atual para que fosse
possível denunciar Dilma e sujeitá-la à possibilidade de impeachment.
Além disso, não é necessária uma decisão judicial para se
começar o processo de impeachment. O instituto é político, não
jurídico: depende, apenas, de indícios ou suspeitas de crime de
responsabilidade para acontecer, e prescinde de decisões judiciais.
Petição de princípio – Ela parte de uma premissa, tomada como certa a priori
mesmo sem ter sido provada, de que os opositores do impeachment de
Dilma estariam alegando a necessidade de uma decisão judicial para
incriminar Dilma.
Como lembrou o senador Cássio Cunha Lima, há, também,
embasamento político para o impeachment, que foi demonstrado nas ruas de
todo país com milhões de pessoas pedindo o afastamento de Dilma por
suspeita de corrupção.
Falácia de omissão – Sheherazade omite que a opinião popular não é indício legal válido para uma denúncia formal de impeachment;
Distorção de fato – Não foram “milhões” às ruas para exigir o
afastamento de Dilma. Nenhuma fonte confiável alega a presença de 2
milhões ou mais de manifestantes em especificamente um dos dois dias de
protestos (15/03 e 12/04). Seria mais honesto dizer que “milhares”, ou
no máximo “centenas de milhares”, de pessoas participaram daquelas
manifestações.
Ao excesso de cautela do ex-presidente FHC em defender abertamente o impeachment, eu dou outro nome: covardia.
Ataque pessoal (argumentum ad hominem) – Não é um xingamento
de “covarde” contra FHC que vai materializar, nas mãos do
ex-presidente, provas formais de que Dilma cometeu um ou mais delitos no
atual mandato.
A mesma covardia que fez o PSDB, principal partido de
oposição recuar enquanto o Mensalão pegava fogo. Os tucanos se
apequenaram enquanto o Brasil assistia estarrecido àquele que era
considerado o maior escândalo de corrupção do país. Mas FHC preferiu
esperar Lula e o PT sangrarem no Planalto e não moveu sequer uma palha
para destituir o poderoso chefão.
Deu no que deu! A raposa petista não só safou-se da ação
penal 470, como elegeu e reelegeu sua criatura, Dilma Rousseff, feita à
imagem e semelhança de Lula.
Petição de princípio – Parte-se da premissa duvidosa, desprovida de
provas, de que Lula teve “com certeza” envolvimento direto no caso do
Mensalão (julgado pela Ação Penal 470);
Falácia de omissão – Omite-se aqui que não houve nenhuma denúncia formal comprovada contra o então presidente Lula.
Se o PSDB tivesse cumprido, com competência, seu papel de
oposição, talvez o Mensalão não tivesse evoluído para Petrolão. Talvez,
os brasileiros não estivessem comendo, a contragosto, o pão que o PT
amassou.
Falácia de omissão 1 – Ignora-se aqui que a existência de provas
criminais contra políticos petistas não depende da competência ou
incompetência de um partido de fazer oposição.
Falácia de omissão 2 – É espertamente omitido que há denúncias
envolvendo pessoas também do PSDB no escândalo do Petrolão, e que há a
possibilidade de aparecerem novas denúncias envolvendo membros desse
partido. Ou seja, que o PSDB também não é nenhum exemplo de idoneidade
ética e moralização política – e isso possivelmente o impede de ir a
fundo em suas denúncias contra o PT.
Entre suas muitas e variadas incompetências, Dilma é incapaz, também, de interpretar a vontade do povo.
Generalização precipitada – A opinião de uma parcela da população é
interpretada como se fosse a “vontade do povo”, ou seja, de todos os
brasileiros capazes de dar opiniões sobre temas sociopolíticos.
Num momento crítico em que seu governo e sua popularidade
beiram o abismo, Dilma Rousseff perdeu, novamente, uma excelente
oportunidade de ficar calada.
Pois bem, em vez de cuidar de seus afazeres de líder do
poder Executivo, a presidente quis meter sua colher na panela do poder
Legislativo.
É a segunda vez que a mandatária se manifesta contra a
aprovação da PEC da maioridade penal, o que não é, definitivamente, um
assunto de sua alçada, já que ao Governo cabe governar e ao Legislativo,
legislar, discutir e aprovar leis. Simples assim!
Invenção de fato – Sheherazade inventa que, por Dilma não ter poder
de legislar, ela não teria direito à opinião política. Essa proibição
não consta na Constituição.
Pois bem, em sua conta no Facebook, Dilma – a
benevolente, afirmou: “Lugar de meninos e meninas é na escola”. Mas, e
lugar de bandido, senhora presidente, onde é? Livre nas ruas para
barbarizar o cidadão de bem, impunemente?
Falsa dicotomia 1 – Não existe uma dicotomia rígida entre “cidadãos de bem” e “bandidos”.
“Cidadãos de bem” também são capazes de cometer crimes diversos, alguns
deles tão cruéis ou ainda mais violentos do que os cometidos por muitos
bandidos experientes.
Falsa dicotomia 2 – Há outras possibilidades para a prevenção e
combate à criminalidade juvenil além do falso dilema entre deixar
adolescentes infratores soltos e impunes e mantê-los presos em cadeias
de adultos. E a educação devidamente reformada, pelo menos teoricamente,
figura como uma das possibilidades de se prevenir a queda de
adolescentes na criminalidade.
Do alto de seu posto, reclusa em seu palácio e cercada de
seguranças, dificilmente, Dilma, sua filha ou seu netinho serão
importunados por menores sequestradores, estupradores, assassinos… Que
diferença fará, a ela, se os infratores continuarem inimputáveis?
Nenhuma!
Bulverismo – Presume que Dilma está errada e dá os motivos para esse
suposto erro, sem que se tente competentemente, ao invés, refutar o
argumento da presidenta sobre como tratar a delinquência juvenil.
Apelo à misericórdia – Tenta convencer Dilma de que seria errado
defender a manutenção da maioridade penal nos 18 anos por causa do
alegado risco de familiares e parentes dela serem vitimados por
delinquentes adolescentes.
Para Dilma, cujo dever “seria” cuidar da segurança dos
brasileiros, reduzir a maioridade penal não vai resolver a delinquência
juvenil.
Tem proposta melhor, presidente? Peça que seu partido, que há 12 anos vem barrando a redução da maioridade penal, apresente.
Exigência de perfeição – Sheherazade deixa a entender que Dilma só
teria o direito de se opor à redução da maioridade penal se tivesse uma
proposta alternativa pronta e obviamente mais eficaz na redução da
criminalidade do que o encarceramento de adolescentes.
Dilma escreveu, ainda, que esta é uma grande oportunidade
para ouvir a sociedade sobre o tema. Mas, a sociedade já foi ouvida,
presidente! Segundo pesquisa IBOPE, 83% dos brasileiros são favoráveis à
redução da maioridade penal. Só Dilma parece não saber disso.
Apelo à multidão – Considera a diminuição da maioridade penal uma
medida “obviamente” eficaz e válida não em função de uma hipotética
conclusão de estudos aprofundados, mas sim especificamente pela opinião
de uma suposta maioria de brasileiros – opinião essa tão carente de
embasamento quanto o discurso de Sheherazade.
Sugiro aos apoiadores de bandidos, essa gente boa, de
coração puro e mente aberta, que os abracem, que os reeduquem, que os
acolham em seus lares…
Falsa dicotomia – Considera como únicas opções possíveis para o
indivíduo defender o maltrato, por parte do Estado, contra criminosos
presos ou “acolhê-los” em sua casa.
Pena que essas pessoas sejam incapazes de se colocar no
lugar das vítimas, de sentir as dores das famílias dilaceradas pelo
crime, de se solidarizar com o sofrimento dos inocentes.
Apelo à misericórdia – Tenta convencer os opositores do
encarceramento de adolescentes por via da misericórdia, da pena pelas
pessoas que foram vitimadas direta ou indiretamente por delinquentes
menores de idade.
Para mim e mais de 80% dos brasileiros, lugar de “bandidão” ou “bandidinho” é na cadeia.
Apelo à multidão – Legitima determinado ponto de vista apenas por ele
ser defendido por uma multidão – no caso, os “mais de 80% dos
brasileiros”.
Uma das pautas dos sindicalistas que vão às ruas hoje é o fim do financiamento de empresas a partidos políticos.
Para a CUT e outras entidades, esse tipo de financiamento
é uma porta aberta para a corrupção. Ingenuidade. A corrupção não está
nas empresas, está nas pessoas – corruptas e corruptoras. E persistirá
apesar de um possível fim do financiamento privado.
Corrupto que é corrupto sempre vai procurar obter
dinheiro ilicitamente, por baixo dos panos, em forma de caixa dois,
propina, na base do toma lá dá cá…
Falácia de omissão – Sheherazade ignora que a parceria
empresas-partidos-candidatos é uma maneira única de se corromper
políticos, havendo uma chance substancialmente menor de haver uma
corrupção desse tipo se não houver mais financiamento privado de
campanhas eleitorais.
Corrupto que é corrupto atropela qualquer dispositivo
legal para bancar suas campanhas milionárias, e custear marqueteiros que
vendem até a alma ao diabo para vencer uma eleição.
Argumento desconexo (non sequitur) – Argumenta que “Vai
existir corrupção de qualquer jeito, logo a extinção do financiamento
privado de campanhas eleitorais não faz diferença”, sem haver uma
ligação válida entre premissa e conclusão.
Falácia de omissão – Ignora que uma das maiores fontes de dinheiro
sujo é o financiamento privado de campanhas por grandes empresas. Com
isso, “esquece” que, mesmo que a corrupção não deixe de existir em
função da abolição do financiamento privado de candidaturas, ela tenderá
a diminuir numa intensidade nada desprezível.
Vejam o exemplo do Petrolão.
Segundo denúncia dos delatores, dinheiro ilegal foi usado
para abastecer os cofres do PT, PP e PMDB em forma de… doações de
campanha. Isso mesmo! O dinheiro que abasteceu campanhas eleitorais como
a da atual presidente Dilma Rousseff parecia legal, mas vinha de uma
fonte ilegal, ou seja da propina, pedágio pago por empresas corrompidas
para ganhar contratos milionários com a Petrobras.
Argumento desconexo (non sequitur) – Traz uma premissa (o
financiamento de determinadas candidaturas com propina paga por
empresas) que não tem a ver com a conclusão pretendida (a suposta
irrelevância ou ineficácia da abolição o financiamento privado de
campanhas).
A questão da legalidade do financiamento privado está no Supremo em discussão.
Falácia de omissão – Sheherazade omite que o financiamento privado já
recebeu votos contrários da maioria dos ministros do STF, esperando-se
apenas que Gilmar Mendes tome juízo e desbloqueie a votação da
(i)legalidade desse tipo de financiamento eleitoral para que ela
prossiga.
O argumento dos defensores do fim desse tipo de doação parece louvável: queremos moralizar o financiamento de campanha. Inócuo.
Falsa dicotomia – Teoriza que há apenas duas possibilidades: a
manutenção do status quo de corrupção política do exato jeito que é hoje
ou a eliminação completa da corrupção. Ignora a possibilidade, por
exemplo, de a corrupção diminuir.
Com a proibição, as doações ilícitas e secretas – que já existem – vão se multiplicar. E será muito mais difícil rastreá-las.
Hoje, ao menos, sabemos quem doou a quem, e o quanto foi doado. Ao menos, oficialmente.
Falácia de omissão – Ignora-se a possibilidade de se criar
dispositivos legais que impeçam a obtenção de financiamentos privados
clandestinos pelos partidos e candidatos.
Se o financiamento privado não é o ideal para o sistema político brasileiro, então de onde virá o dinheiro para as campanhas?
De pessoas físicas? E o que garante que essas pessoas
físicas não serão “laranjas” de pessoas jurídicas, de empresas
interessadas em conseguir privilégios no governo em troca do patrocínio?
Falácia do espantalho – Defende-se não o fim apenas do financiamento
empresarial, mas sim de todo e qualquer financiamento privado, ou seja, a
única fonte possível de verbas para campanhas políticas seria o
dinheiro público.
Quem desaprova o financiamento privado apóia o financiamento público de campanha.
Ou seja, além de bancar o fundo partidário das legendas e
de pagar pelo horário eleitoral, dito, gratuito, em rádios e
televisões, nós, trabalhadores, pagadores de impostos, teremos que arcar
com mais esse custo: financiar as campanhas políticas.
Falácia de omissão – Sheherazade ignora que a destinação de verbas
públicas para campanhas eleitorais diminuiria muito, pelo menos em
teoria, o gasto de dinheiro público nas mesmas, já que atualmente o
montante desviado em função de campanhas eleitorais corruptas tem-se
mostrado muito maior do que o que seria gasto numa realidade na qual
apenas dinheiro público custeasse as campanhas eleitorais dos
candidatos.
E é claro, que, na divisão do bolo, os maiores partidos
ficariam com os maiores nacos, o que lhes garantiria a perpetuação no
poder.
Ou alguém duvida que ainda é o dinheiro quem compra o mandato?
Falácia de omissão – Ignora a possibilidade de, juntamente ou depois
de se aprovar o financiamento exclusivamente público de campanhas
eleitorais, aprovar-se também uma regulamentação que equalize a
destinação desse financiamento para os partidos.
Conheça as falácias nessas páginas:
http://www.logicallyfallacious.com/index.php/logical-fallacies (em inglês)
https://ateus.net/artigos/ceticismo/guia-de-falacias-logicas-do-stephen/
http://livrepensamento.com/guia-de-falacias-logicas/
http://veganagente.consciencia.blog.br/guia-de-falacias-carnistas/ (lista de falácias antiveganas que pode servir de base para detectar falácias com outros temas)
https://ateus.net/artigos/ceticismo/guia-de-falacias-logicas-do-stephen/
http://livrepensamento.com/guia-de-falacias-logicas/
http://veganagente.consciencia.blog.br/guia-de-falacias-carnistas/ (lista de falácias antiveganas que pode servir de base para detectar falácias com outros temas)
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