sábado, 9 de maio de 2015

O reino das falácias de Rachel Sheherazade (Parte 1)

29 abr 2015 - Editado em 06/05/2015 às 00h04
  
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A jornalista do SBT e da Jovem Pan Rachel Sheherazade tem sido aclamada, por seu público-alvo reacionário, como uma dos “melhores” e “mais competentes” e “engajados” comentaristas políticos do Brasil. Mas não lhes caiu a ficha de que muito do que ela fala, senão quase tudo, é pura falácia.
 
Vale definir o que é uma falácia: é um argumento que à primeira vista parece válido, mas na verdade possui uma ou mais inconsistências lógicas e/ou apelos que fogem da argumentação honesta e baseada em razão e fatos, sendo assim um argumento inválido.

Os argumentos de Sheherazade podem ser enquadrados como falácias porque caem nesses critérios. Muito do que ela fala tem severas falhas de concisão lógica, promove apelos à irracionalidade, não condiz com os fatos e/ou omite aquilo que contraprova as alegações dela.

Isso faz dela, necessariamente, uma inábil em se tratando de formar opiniões sociais e políticas bem embasadas e racionalmente equilibradas. E isso é escancarado na série de postagens que este post inaugura. Uma vez por semana, um total de dez postagens denuncia a incapacidade da jornalista conservadora de discutir com seriedade a política e a sociedade brasileiras. Cada postagem trará a detecção de falácias de três textos, extraídos do blog oficial dela, o qual transcreve os discursos dados por ela na Jovem Pan.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mais uma vez se coloca na contra-mão da história e do bom-senso.
 
Ataque pessoal (argumentum ad hominem) – Não é uma depreciação à pessoa de FHC que irá materializar, nas mãos dele, provas e embasamento jurídico para que ele comece a defender o impeachment de Dilma.
 
Referindo-se aos movimentos anti-Dilma, onde 63 por cento dos brasileiros apoiam abertura de inquérito contra a presidente, FHC disse que um partido não pode pedir impeachment antes de ter um fato concreto.
 
Anfibologia – O dado exibido é dúbio, não permitindo saber com precisão se os 63% em questão são de toda a população brasileira ou apenas dos participantes dos movimentos anti-Dilma;

Omissão de fontes – Não é informada nenhuma fonte para o dado exibido.

Contrariando sua própria legenda, o PSDB, que já encomendou parecer ao jurista Miguel Reale Junior, Fernando Henrique, disse que o pedido não faz sentido enquanto não houver decisões de tribunais ou provas concretas de irregularidades cometidas pela presidente.

Mas, na semana passada, o Tribunal de Contas da União concluiu que o Tesouro Nacional realmente atrasou o repasse de 40 bilhões de reais em recursos para o Banco do Brasil e a Caixa Econômica , gerando as chamadas “pedaladas fiscais’. Em outras palavras, o Governo tomou empréstimos dos bancos públicos – o que é ilegal – para pagar suas contas e fechar o ano, artificialmente, no azul.

A fraude fiscal pode ser o passaporte para o impeachment, já que implica em crime de responsabilidade, neste caso, um ato contra a lei orçamentária.

Falácia de omissão – Sheherazade omite que o crime de responsabilidade precisaria ser cometido no mandato atual para que fosse possível denunciar Dilma e sujeitá-la à possibilidade de impeachment.
Além disso, não é necessária uma decisão judicial para se começar o processo de impeachment. O instituto é político, não jurídico: depende, apenas, de indícios ou suspeitas de crime de responsabilidade para acontecer, e prescinde de decisões judiciais.

Petição de princípio – Ela parte de uma premissa, tomada como certa a priori mesmo sem ter sido provada, de que os opositores do impeachment de Dilma estariam alegando a necessidade de uma decisão judicial para incriminar Dilma.

Como lembrou o senador Cássio Cunha Lima, há, também, embasamento político para o impeachment, que foi demonstrado nas ruas de todo país com milhões de pessoas pedindo o afastamento de Dilma por suspeita de corrupção.

Falácia de omissão – Sheherazade omite que a opinião popular não é indício legal válido para uma denúncia formal de impeachment;

Distorção de fato – Não foram “milhões” às ruas para exigir o afastamento de Dilma. Nenhuma fonte confiável alega a presença de 2 milhões ou mais de manifestantes em especificamente um dos dois dias de protestos (15/03 e 12/04). Seria mais honesto dizer que “milhares”, ou no máximo “centenas de milhares”, de pessoas participaram daquelas manifestações.

Ao excesso de cautela do ex-presidente FHC em defender abertamente o impeachment, eu dou outro nome: covardia.

Ataque pessoal (argumentum ad hominem) – Não é um xingamento de “covarde” contra FHC que vai materializar, nas mãos do ex-presidente, provas formais de que Dilma cometeu um ou mais delitos no atual mandato.

A mesma covardia que fez o PSDB, principal partido de oposição recuar enquanto o Mensalão pegava fogo. Os tucanos se apequenaram enquanto o Brasil assistia estarrecido àquele que era considerado o maior escândalo de corrupção do país. Mas FHC preferiu esperar Lula e o PT sangrarem no Planalto e não moveu sequer uma palha para destituir o poderoso chefão.
 
Deu no que deu! A raposa petista não só safou-se da ação penal 470, como elegeu e reelegeu sua criatura, Dilma Rousseff, feita à imagem e semelhança de Lula.

Petição de princípio – Parte-se da premissa duvidosa, desprovida de provas, de que Lula teve “com certeza” envolvimento direto no caso do Mensalão (julgado pela Ação Penal 470);

Falácia de omissão – Omite-se aqui que não houve nenhuma denúncia formal comprovada contra o então presidente Lula.

Se o PSDB tivesse cumprido, com competência, seu papel de oposição, talvez o Mensalão não tivesse evoluído para Petrolão. Talvez, os brasileiros não estivessem comendo, a contragosto, o pão que o PT amassou.

Falácia de omissão 1 – Ignora-se aqui que a existência de provas criminais contra políticos petistas não depende da competência ou incompetência de um partido de fazer oposição.

Falácia de omissão 2 – É espertamente omitido que há denúncias envolvendo pessoas também do PSDB no escândalo do Petrolão, e que há a possibilidade de aparecerem novas denúncias envolvendo membros desse partido. Ou seja, que o PSDB também não é nenhum exemplo de idoneidade ética e moralização política – e isso possivelmente o impede de ir a fundo em suas denúncias contra o PT.
 
Entre suas muitas e variadas incompetências, Dilma é incapaz, também, de interpretar a vontade do povo.
 
Generalização precipitada – A opinião de uma parcela da população é interpretada como se fosse a “vontade do povo”, ou seja, de todos os brasileiros capazes de dar opiniões sobre temas sociopolíticos.
 
Num momento crítico em que seu governo e sua popularidade beiram o abismo, Dilma Rousseff perdeu, novamente, uma excelente oportunidade de ficar calada.
 
Pois bem, em vez de cuidar de seus afazeres de líder do poder Executivo, a presidente quis meter sua colher na panela do poder Legislativo.

É a segunda vez que a mandatária se manifesta contra a aprovação da PEC da maioridade penal, o que não é, definitivamente, um assunto de sua alçada, já que ao Governo cabe governar e ao Legislativo, legislar, discutir e aprovar leis. Simples assim! 

Invenção de fato – Sheherazade inventa que, por Dilma não ter poder de legislar, ela não teria direito à opinião política. Essa proibição não consta na Constituição.

Pois bem, em sua conta no Facebook, Dilma –  a benevolente, afirmou: “Lugar de meninos e meninas é na escola”. Mas, e lugar de bandido, senhora presidente, onde é? Livre nas ruas para barbarizar o cidadão de bem, impunemente?

Falsa dicotomia 1 – Não existe uma dicotomia rígida entre “cidadãos de bem” e “bandidos”. “Cidadãos de bem” também são capazes de cometer crimes diversos, alguns deles tão cruéis ou ainda mais violentos do que os cometidos por muitos bandidos experientes.

Falsa dicotomia 2 – Há outras possibilidades para a prevenção e combate à criminalidade juvenil além do falso dilema entre deixar adolescentes infratores soltos e impunes e mantê-los presos em cadeias de adultos. E a educação devidamente reformada, pelo menos teoricamente, figura como uma das possibilidades de se prevenir a queda de adolescentes na criminalidade.

Do alto de seu posto, reclusa em seu palácio e cercada de seguranças, dificilmente, Dilma, sua filha ou seu netinho serão importunados por menores sequestradores, estupradores, assassinos…  Que diferença fará, a ela, se os infratores continuarem inimputáveis? Nenhuma!

Bulverismo – Presume que Dilma está errada e dá os motivos para esse suposto erro, sem que se tente competentemente, ao invés, refutar o argumento da presidenta sobre como tratar a delinquência juvenil.

Apelo à misericórdia – Tenta convencer Dilma de que seria errado defender a manutenção da maioridade penal nos 18 anos por causa do alegado risco de familiares e parentes dela serem vitimados por delinquentes adolescentes.

Para Dilma, cujo dever “seria” cuidar da segurança dos brasileiros, reduzir a maioridade penal não vai resolver a delinquência juvenil.

Tem proposta melhor, presidente? Peça que seu partido, que há 12 anos vem barrando a redução da maioridade penal, apresente.

Exigência de perfeição – Sheherazade deixa a entender que Dilma só teria o direito de se opor à redução da maioridade penal se tivesse uma proposta alternativa pronta e obviamente mais eficaz na redução da criminalidade do que o encarceramento de adolescentes.

Dilma escreveu, ainda, que esta é uma grande oportunidade para ouvir a sociedade sobre o tema. Mas, a sociedade já foi ouvida, presidente! Segundo pesquisa IBOPE, 83% dos brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal. Só Dilma parece não saber disso.

Apelo à multidão – Considera a diminuição da maioridade penal uma medida “obviamente” eficaz e válida não em função de uma hipotética conclusão de estudos aprofundados, mas sim especificamente pela opinião de uma suposta maioria de brasileiros – opinião essa tão carente de embasamento quanto o discurso de Sheherazade.

Sugiro aos apoiadores de bandidos, essa gente boa, de coração puro e mente aberta, que os abracem, que os reeduquem, que os acolham em seus lares…

Falsa dicotomia – Considera como únicas opções possíveis para o indivíduo defender o maltrato, por parte do Estado, contra criminosos presos ou “acolhê-los” em sua casa.

Pena que essas pessoas sejam incapazes de se colocar no lugar das vítimas, de sentir as dores das famílias dilaceradas pelo crime, de se solidarizar com o sofrimento dos inocentes.

Apelo à misericórdia – Tenta convencer os opositores do encarceramento de adolescentes por via da misericórdia, da pena pelas pessoas que foram vitimadas direta ou indiretamente por delinquentes menores de idade.

Para mim e mais de 80% dos brasileiros, lugar de “bandidão” ou “bandidinho” é na cadeia.

Apelo à multidão – Legitima determinado ponto de vista apenas por ele ser defendido por uma multidão – no caso, os “mais de 80% dos brasileiros”.
Uma das pautas dos sindicalistas que vão às ruas hoje é o fim do financiamento de empresas a partidos políticos.

Para a CUT e outras entidades, esse tipo de financiamento é uma porta aberta para a corrupção. Ingenuidade. A corrupção não está nas empresas, está nas pessoas – corruptas e corruptoras. E persistirá apesar de um possível fim do financiamento privado.

Corrupto que é corrupto sempre vai procurar obter dinheiro ilicitamente, por baixo dos panos, em forma de caixa dois, propina, na base do toma lá dá cá…

Falácia de omissão – Sheherazade ignora que a parceria empresas-partidos-candidatos é uma maneira única de se corromper políticos, havendo uma chance substancialmente menor de haver uma corrupção desse tipo se não houver mais financiamento privado de campanhas eleitorais.

Corrupto que é corrupto atropela qualquer dispositivo legal para bancar suas campanhas milionárias, e custear marqueteiros que vendem até a alma ao diabo para vencer uma eleição.

Argumento desconexo (non sequitur) – Argumenta que “Vai existir corrupção de qualquer jeito, logo a extinção do financiamento privado de campanhas eleitorais não faz diferença”, sem haver uma ligação válida entre premissa e conclusão.

Falácia de omissão – Ignora que uma das maiores fontes de dinheiro sujo é o financiamento privado de campanhas por grandes empresas. Com isso, “esquece” que, mesmo que a corrupção não deixe de existir em função da abolição do financiamento privado de candidaturas, ela tenderá a diminuir numa intensidade nada desprezível.

Vejam o exemplo do Petrolão.

Segundo denúncia dos delatores, dinheiro ilegal foi usado para abastecer os cofres do PT, PP e PMDB em forma de… doações de campanha. Isso mesmo! O dinheiro que abasteceu campanhas eleitorais como a da atual presidente Dilma Rousseff parecia legal, mas vinha de uma fonte ilegal, ou seja da propina, pedágio pago por empresas corrompidas para ganhar contratos milionários com a Petrobras.

Argumento desconexo (non sequitur) – Traz uma premissa (o financiamento de determinadas candidaturas com propina paga por empresas) que não tem a ver com a conclusão pretendida (a suposta irrelevância ou ineficácia da abolição o financiamento privado de campanhas).

A questão da legalidade do financiamento privado está no Supremo em discussão.

Falácia de omissão – Sheherazade omite que o financiamento privado já recebeu votos contrários da maioria dos ministros do STF, esperando-se apenas que Gilmar Mendes tome juízo e desbloqueie a votação da (i)legalidade desse tipo de financiamento eleitoral para que ela prossiga.
O argumento dos defensores do fim desse tipo de doação parece louvável: queremos moralizar o financiamento de campanha. Inócuo.

Falsa dicotomia – Teoriza que há apenas duas possibilidades: a manutenção do status quo de corrupção política do exato jeito que é hoje ou a eliminação completa da corrupção. Ignora a possibilidade, por exemplo, de a corrupção diminuir.

Com a proibição, as doações ilícitas e secretas – que já existem – vão se multiplicar. E será muito mais difícil rastreá-las.

Hoje, ao menos, sabemos quem doou a quem, e o quanto foi doado. Ao menos, oficialmente.

Falácia de omissão – Ignora-se a possibilidade de se criar dispositivos legais que impeçam a obtenção de financiamentos privados clandestinos pelos partidos e candidatos.

Se o financiamento privado não é o ideal para o sistema político brasileiro, então de onde virá o dinheiro para as campanhas?

De pessoas físicas? E o que garante que essas pessoas físicas não serão “laranjas” de pessoas jurídicas, de empresas interessadas em conseguir privilégios no governo em troca do patrocínio?

Falácia do espantalho – Defende-se não o fim apenas do financiamento empresarial, mas sim de todo e qualquer financiamento privado, ou seja, a única fonte possível de verbas para campanhas políticas seria o dinheiro público.

Quem desaprova o financiamento privado apóia o financiamento público de campanha.

Ou seja, além de bancar o fundo partidário das legendas e de pagar pelo horário eleitoral, dito, gratuito, em rádios e televisões, nós, trabalhadores, pagadores de impostos, teremos que arcar com mais esse custo: financiar as campanhas políticas.

Falácia de omissão – Sheherazade ignora que a destinação de verbas públicas para campanhas eleitorais diminuiria muito, pelo menos em teoria, o gasto de dinheiro público nas mesmas, já que atualmente o montante desviado em função de campanhas eleitorais corruptas tem-se mostrado muito maior do que o que seria gasto numa realidade na qual apenas dinheiro público custeasse as campanhas eleitorais dos candidatos.

E é claro, que, na divisão do bolo, os maiores partidos ficariam com os maiores nacos, o que lhes garantiria a perpetuação no poder.

Ou alguém duvida que ainda é o dinheiro quem compra o mandato?

Falácia de omissão – Ignora a possibilidade de, juntamente ou depois de se aprovar o financiamento exclusivamente público de campanhas eleitorais, aprovar-se também uma regulamentação que equalize a destinação desse financiamento para os partidos.
Conheça as falácias nessas páginas:



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